A defesa dos Direitos Humanos das comunidades tradicionais retratadas na obra literária do romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979) e das atuais populações indígenas, afrodescendentes e ribeirinhas cabocas.
sábado, 26 de janeiro de 2019
Meu encontro com Giovanni Gallo
Só tive contato com o padre Gallo em 1994, quando eu estive cedido pelo Itamaraty à Prefeitura de Ponta de Pedras durante gestão de Bernardino Ribeiro. Esse primeiro contato teve um "curto circuito" produzido por mal entendido e o bom amigo dr. Camillo Vianna se apressou em evitar o pior intervindo para me apresentar ao padre Gallo. Antes de continuar a falar daquele meu primeiro encontro com o "Homem que implodiu" e ficar amigo e admirador dele para sempre, convém dizer que desde quando eu me entendo por gente, o lago Arari e a vila de Cachoeira foram uma fascinação permanente para mim. Cresci escutando minha mãe contar histórias da fazenda Diamantina e do sítio Porto Santo onde ela viveu a infância e adolescência. Meu pai adorava Cachoeira onde passava temporadas no famoso chalé do romance "Chove nos campos de Cachoeira", com seu pai e os irmãos do segundo casamento do capitão Alfredo Pereira, meu avô e o futuro escritor Dalcídio Jurandir; as recordações de meu pai eram tão vivas que eu até sentia saudades daquilo que não cheguei a ver... O Arari, portanto, é um Marajó à parte entre outros Marajós de duas mil ilhas do maior arquipélago fluviomarinho do mundo, mais a microrregião continental de Portel. Desta maneira, o museu do padre Gallo poderia ser entendido. sobretudo, inicialmente como ecomuseu do Lago e mais tarde museu comunitário do Arari inteiro. O Marajó é um mundo...
Eu fui um pirralho muito curioso em querer descobrir quem inventou o mundo, ensaiei meus primeiros passos no bairrozinho chamado o Fim do Mundo, na vila de Itaguari (Ponta de Pedras), cedo conheci o sítio Serrame, de meu avô materno, no Curral Panema, próximo da divisa entre os municípios de Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras. Porém, somente em 1956, aos 19 anos de idade, naveguei o "outro rio" como a gente do Marajó-Açu se referia ao Arari e, finalmente, conheci o Lago...A gente não falava "lago Arari", embora existam outros, mas dizer apenas Lago significa o maior e mais emblemático de todos os lagos da grande e misteriosa ilha do Marajó. Para os marajoaras nativos havia algo sagrado no Lago e para mim era como a volta ao paraíso. um descobrimento, embora já não fosse mais como no tempo de meus pais. Fui como outrora faziam os "goiabas" (marreteiros oriundos de Ponta de Pedras), em canoa a remo com um camarada um ano mais velho que eu: da boca do furo das Laranjeiras para cima eu não conhecia nada e o companheiro já havia chegado alguma vez até Cachoeira do Arari, dali em diante eram só relatos de um tio do parceiro, velho canoeiro do Arari. Duzentos e tantos quilômetros, de ida e de volta, naquele rio meandroso e retorcido que nem cobra grande, de águas vagarosas. Tivesse eu o talento de Dalcídio e a perspicácia do Gallo o manancial destas memórias teria dado uma obra extraordinária,
Naquele tempo, não se conhecia embarcação motorizada na região; era só canoa a remo ou lancha vapor a rebocar canoas geleiras e a fileira de montarias (canoas a remo). Acontece que eu e meu camarada éramos tão alienados que escolhemos fazer a sonhada viagem no dia da eleição para governador do estado, foi a derradeira que o famoso governador Magalhães Barata competiu... Então, nós fomos na fiúza de que a lancha vapor Aida viria como de costume com as geleiras a subir o rio até o lago. Esperando na boca do furo Laranjeiras vimos a maré encher e a lua surgir até que passaram por nós uns cabocos nos avisaram que a lancha não viria, porque era o dia de eleição e a dita lancha estava ocupada a buscar eleitores em Belém para votar na Cachoeira... Resolvemos então, continuar a viagem a remos e quando foi a volta perdemos, de novo, o reboque da Aida. Desta vez, porque o camarada errou o pulo com o cabo de atracação na mão e caiu nágua... Noite fechada, e lá se foi a lancha na baixada com a fieira de geleiras e montarias a reboque. Três dias e três noites a bom remar de ida e volta.
Dizendo isto como introdução ao meu encontro com o padre Gallo para mostrar que quando ele chegou a Santa Cruz eu já tinha passado por lá, inclusive numa temporada a convite de Pidizinho (Eurípides Pamplona Filho), causador segundo padre Gallo da mudança do Museu do Marajó para Cachoeira do Arari, em 1983, dez anos depois de sua criação. Mais outra ocasião, já como repórter do Jornal do Dia, acompanhando o dono do jornal Pedro Carneiro e o senador Catete Pinheiro, que tinha acabado de ter sido ministro da Saúde no breve governo do presidente Jânio Quadros.
Portanto, embora o Gallo já fosse famoso eu não o conheci antes de 1994 e de uma maneira desagradável. Ele vivia traumatizado pelo fato de sua escolha em favor do museu e as consequências dramáticas dessa escolha, em conflito com o bispo dom Angelo Rivatto e com Pidizinho, chefe político do município, amigo do governador Jader Barbalho. Conforme se pode ler na obra autobiográfica "O homem que implodiu", o padre acusava o bispo de persegui-lo e tentar destruir a tábua de salvação que o museu representou para ele. Gallo começou a ficar meio paranoico vendo o dedo de Rivatto em tudo que lhe parecia hostil.
Coincidiu com a eleição de Bernardino para a prefeitura de Ponta de Pedras a ideia deste em prestar homenagem a Dalcídio Jurandir mediante construção de um memorial no qual, com consentimento da família, os restos mortais do ilustre filho da terra seriam trasladados do Rio de Janeiro para Ponta de Pedras. Bernardino havia sido revisor do jornal O Liberal e tinha facilidade de publicar notícias de interesse do município. Assim, uma pequena e confusa nota saiu no jornal informando sobre suposto projeto de construção do tal memorial. O bastante para um recorte chegar às mãos do padre com interpretações e comentários maldosos de que aquilo seria mais um artimanha do bispo agora com acordo do prefeito Bernardino para esvaziar o Museu do Marajó em Cachoeira do Arari e levá-lo para Ponta de Pedras forçando o padre à obedecer a seu superior eclesiástico. Enredo perfeito para uma novela de televisão, só que não havia nisso um pingo de verdade.
Correram a pedir ajuda de Camillo Viana, presidente da SOPREN, a fim de evitar o projeto conspiratório de Ponta de Pedras contra Cachoeira. Na cultura paraense as rivalidades entre clubes, partidos, igrejas e municípios são fora de série... Convidado a participar de reunião da SOPREN a respeito do caso, foi quando tive oportunidade de conhecer o padre Giovanni Gallo e seu fiel escudeiro Antônio Smith. Cachoeira e Ponta de Pedras foram durante anos irmãs inimigas, a política costumeira longe de amenizar ressentimentos estimula concorrências fora de propósito. Vimos que ao contrário do que parecia, nunca um monumento de homenagem a Dalcídio poderia ser desfavorável à cidade adotiva que o escritor mais amou por ter crescido nela, mais do que a terra onde ele enterrou o umbigo. Pelo contrário, unidas pelo mesmo afeto ao grande escritor marajoara Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras poderiam compartilhar de projetos e atividades conjuntas do Museu do Marajó e eventualmente de entidade pontapedrense, De modo que o tal memorial acabou não saindo do papel. Principalmente, devido o fato da família de Dalcídio Jurandir ter aceitado a homenagem que pudessem fazer, mas não concordou que se tirasse do Cemitério São João Batista, onde se encontram seus restos mortais, na cripta reservada à Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.
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