terça-feira, 15 de outubro de 2019

UNIVERSIDADE DA MARÉ MESTRE VERGARA: PROJETO ECOCULTURAL PEIXE-BOI.

Resultado de imagem para imagens Waldemar Vergara Filho
Waldemar Londres Vergara Filho (João Pessoa -PB, 21/07/1958 - Belém - PA, 16/01/2018); foto ICMBIO.

O carimbó praiano "Pescador" de Mestre Lucindo é uma aula biogeográfica. O professor é o pescador e o mestre dizia que a sua escola havia sido unicamente o banco da sua canoa de pesca: naturalmente, o pescador conversa com a mãe Natureza e aprende a conviver com os mais filhos dela:... "Por que é que no mar não tem jacaré?"... "Por que foi que no rio não tem peixe-boi? Eu quero saber a razão que no mar não tem tubarão. Eu quero saber por que é no mar não tem jacaré...

O pescador acha bom pescar na beira mar em noite de luar. Ele pesca dor e rimas de amor enquanto espera pelo peixe. E se o peixe não dá ele pergunta a razão e o por quê da questão. Lucindo pergunta por que no rio não tem peixe-boi e no mar não tem tubarão e assim revela pelo carimbó o espanto da extinção das espécies. O pescador sabe por intuição que a falta da pesca implica com a fome da comunidade. Mestre Vergara poeta e cantador da maré, foi mais longe perguntar à Ciência a razão destas carências humanas. Sabemos como o esgotamento dos recursos pesqueiros começou muito antes da devastação das florestas e extinção de espécies da fauna terrestre pelo abuso da caça predatória praticada por "caboclos" mal acostumados a respeitar o guardião das matas, o Curupira, na tradição indígena e Oxossi dos costumes africanos trazidos pelos negros. Tanto o peixe-boi amazônico, quanto o peixe-boi marinho foram exorbitantemente consumidos que hoje estão praticamente desaparecidos. Existem relados da era colonial dizendo que para sustento da marinha real da Holanda, Inglaterra e outras potências marinhas além do bacalhau de costume vinham navios ao rio Amazonas praticar escambo (troca em espécie) de 'missangas' (machados de aço, facas, anzóis, espelhinhos e contas de vidro) por 'gados do rio' (peixe-boi, tartarugas e pirarucu). Ensaio geral ao comércio desigual entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos de séculos seguintes até a globalização. 

Da ilha da Madeira - matriz portuguesa dos Descobrimentos marítimos, campus da escola náutica de Sagres - surgiram o morgadio (herança do primogênito segundo o patriarcalismo), o regime de capitanias hereditárias, estaleiros para construção de naus e barcos dos descobrimentos marítimos, com que de Cabo Verde foram trazidos ao Maranhão e Grão-Pará cavalos, vacas e novilhos representados no folclore luso-brasileiro entre nós trazido na bagagem dos casais dos Açores que povoaram o Pará. Misturar boi-bumbá e cordão de peixe-boi, como faz o Arraial do Pavulagem, é com certeza uma boa pedida para educação patrimonial e ambiental de nossas comunidades extrativistas e da população em geral. Sem esquecer atrativo cultural para produtos turísticos.



Mestre Vergara, patrono da Unimaré.

Nada mais justo que ao preparar nova etapa de sua existência a "Universidade da Maré (UNIMARÉ)" venha homenagear e preservar a memória daquele que foi seu principal inspirador e animador enquanto grupo comunitário informal, há mais de vinte anos de militância. Conheci Vergara no Grupo em Defesa do Marajó (GDM) quando nós apoiávamos a Associação dos Caranguejeiros de Soure (ACS) em conjunto com a comunidade extrativista do Pesqueiro e Cajuuna em prol da criação da Reserva Extrativista Marinha de Soure. A história da Resex de Soure - nome proposto "Reserva Extrativista Marinha Maruanazes" em referência à antiga aldeia indígena do lugar -, é o momento singular no qual, sob pressão socioambiental da criaturada grande de Dalcídio, convergiram na ilha do Marajó o movimento universitário extensionista iniciado no Rio Grande do Norte com a inauguração do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (CRUTAC) com o movimento das comunidades extrativistas iniciado no Acre, por Chico Mendes. 

Seringueiros e outros extrativistas florestais 'empataram' de uma parte a derrubada mais radical da Floresta Amazônica e por outra parte a hegemonia do ecologismo absoluto, tendente a tornar a Amazônia um santuário global para futuras gerações do império euro-americano. Índios, quilombolas e cabocos se acordaram e gritaram "tem gente!". O "espaço vazio" foi revogado. As Resex fizeram progresso e o sangue de Chico Mendes derramado no chão da terra amazônica floresceu em várias regiões e localidades até chegar à beira-mar com a primeira reserva extrativista marinha, em 20/05/1992, no estado de Santa Catarina, a Resex-Mar Pirajubaé. E a segunda resex-mar brasileira, na ilha do Marajó, Soure, 22/11/2001, a primeira da Amazônia.

Foi assim que no velho Pesqueiro Real de antigos conflitos entre os primeiros povos ribeirinhos do Pará-Uaçu (Grão-Pará na tradução portuguesa) e a escravidão de "negros da terra" (escravos indígenas), emergiram novas tensões sociais entre pescadores e extrativistas de mangues das duas margens da célebre baía do Marajó: A criaturada grande de Dalcídio aí está desde tempos ancestrais, passando pela invenção da Cultura Marajoara de 1600 anos de idade e a sua renascença pela criação do primeiro ecomuseu da Amazônia - O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari (1973-1981) predecessor do Museu do Marajó -, pelo padre Giovanni Gallo a partir de "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica marajoara pré-colombiana deixadas ao relendo do saque e contrabando de sítios arqueológicos).

QUEM FOI MESTRE VERGARA

WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, nascido na Paraíba tornou-se conhecido como “Cidadão Brasileiro”. Cada um de nós lembra perfeitamente do dia e o lugar em que esteve pela primeira vez com Vergara. Comunicador eloquente, suas rimas de cordel forjadas no coração e na alma, capturavam a atenção de todos, independentemente de seus títulos ou de suas patentes. Sua base nas ciências biológicas levou-o muito cedo a contribuir com grande criatividade na luta pela conservação dos manguezais e, principalmente, das gentes associadas a este ecossistema. Quem sabe se foi no Mundo da Lama, uma ONG da Ilha do Governador/RJ que se projetou nacionalmente? Em seguida vieram as gestões para estruturação dos Encontros Nacionais de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal- ENEAAM. Experiência e desprendimento levaram Vergara à mais bela comunhão com os manguezais do Brasil onde estabeleceu profunda relação com os povos da lama, cantados nas letras de Chico Science. A luta pela criação de Reservas Extrativistas-RESEX em áreas de manguezal foram inspiradas pela devoção ao ambiente do entremarés cheio de superstições, de folclore e de VIDA! Waldemar Vergara Filho, a partir de agora passa a ser um ser “Encantado”, segundo o folclore Marajoara é a entidade que não morre, ficando para sempre entre nós.

O PAPEL DOS JOVENS NAS COMUNIDADES

O Projeto Jovens Como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário tem como base a metodologia "Verde Perto Educação", inspirada na teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner (1994), na Complexidade Ambiental de Leff (2003), na Educação para o Futuro de Morin (2002, 2005) e na pedagogia da autonomia de Freire (1998), e baseia-se em três eixos: protagonismo juvenil, educação lúdica e transdisciplinaridade. Até o momento, o Projeto foi implementado em Unidades de Conservação da Amazônia e da Caatinga, como Resex Rio Jutaí, Resex Baixo Juruá, Resex Médio Juruá, Flona Tefé, Resex Unini e Parna Chapada Diamantina. As ações também estão sendo expandidas para a Região do litoral Paraense, nas Reservas Extrativistas de Soure, Tracuateua, São João da Ponta e Chocoaré-Matogrosso. 

Um vídeo sobre o primeiro grupo de capacitação do Programa Jovens como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário está disponível no Canal EducaChico no Youtube. Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=ezjGFLxg-aQ. Fonte: DISAT/Projeto Manguezais do Brasil


Brasília (13/10/2014) — O Governo Federal criou três novas Unidades de Conservação (UC) e ampliou uma já existente, no litoral nordeste do Pará. O decreto da Presidência da República foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (13). Com as novas Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas – Mocapajuba, Mestre Lucindo e Cuinarana – e a ampliação da Araí-Peroba, criada em 2005, a área conservada na região aumenta em 51%, chegando a 322 mil hectares.
As novas Resex Marinhas estão localizadas nos municípios de São Caetano de Odivelas, Marapanim e Magalhães Barata, na região do Salgado Paraense, onde está o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo (680 km de costa), que vai do Amapá ao Maranhão, correspondendo a 70% dos manguezais do Brasil.
Na região já existiam outras nove Reservas Extrativistas, onde vivem 28 mil famílias em comunidades tradicionais que têm a pesca artesanal com principal atividade econômica. O conjunto de UCs vai garantir a conservação da biodiversidade dos ecossistemas de manguezais, restingas, dunas, várzeas, campos alagados, rios, estuários e ilhas.
As Resex são UCs que conciliam o uso sustentável dos recursos naturais com a proteção do meio de vida e a cultura das comunidades extrativistas locais. Com as novas áreas de uso sustentável, aumenta para 34 mil o número de famílias beneficiadas, na região. As Reservas Extrativistas foram propostas pelas comunidades locais e o processo foi elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
"A microregião do Salgado Paraense conquista uma condição muito especial para inaugurar uma nova fase de desenvolvimento a partir do potencial produtivo dos ecossistemas locais e da sua extraordinária biodiversidade", explica o presidente do ICMBio, Roberto Vizentin. "Mas, a criação foi apenas o primeiro passo. O desafio, agora, é a elaboração de um planejamento e de um modelo de gestão integrada, envolvendo o conjunto das doze Reservas Extrativistas do Salgado, capaz de envolver e mobilizar agentes públicos e da sociedade civil para um mesmo propósito: cuidar da natureza e melhorar a vida da população", destaca Vizentin.
Processo de criação
Em julho passado, em mais uma etapa do processo de criação, mais de 800 pessoas participaram de quatro audiências públicas, realizadas pelo ICMBio na região de Salgado Paraense. Foi mais uma oportunidade para moradores, movimentos sociais e autoridades locais debateram com o ICMBio. Depois das audiências, o processo foi finalizado no ICMBio, encaminhado para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e depois para a Presidência da República, que decidiu a criação das Resex.
"Com o decreto, as Reservas passam a ser administradas pelo ICMBio. As diretorias vão atuar de forma integrada, através de ações de fiscalização, de criação de conselho gestor e de ações socioambientais que vão viabilizar a implementação das unidades", explica Marcelo Cavalini, analista ambiental da Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (Diman/ICMBio), que participou da elaboração da proposta das novas Resex.
Ecossistema Manguezal
No Brasil, os mangues são protegidos por legislação federal devido à importância que representam para o ambiente marinho e para as populações humanas. A sua riqueza biológica faz com que essas áreas se constituam em grandes berçários naturais, tanto para as espécies típicas desses ambientes, como para aves, peixes, moluscos e crustáceos, que aqui encontram as condições ideais para reprodução, eclosão, criadouro e abrigo, quer tenham valor ecológico ou econômico. Os mangues, portanto, formam a base da cadeia alimentar marinha.
Colaborando para o enriquecimento das águas marinhas com nutrientes e matéria orgânica, os manguezais desempenham importante papel ecológico, econômico e social. Para se ter uma ideia, estima-se que os manguezais produzam mais de 95% do alimento que o homem captura no mar. Por essas razões, a sua manutenção é vital para a subsistência das comunidades pesqueiras que vivem em seu entorno.
No passado, a extensão dos manguezais brasileiros era maior: muitos portos, indústrias, loteamentos
e rodovias costeiras foram desenvolvidos em áreas de manguezal, ocorrendo uma degradação do seu estado natural.

                              PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO
Concede o título honorífico de CIDADÃO DO PARÁ ao senhor WALDEMAR LONDRES VERGARA e dá outras providências.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ ESTATUI e sua Mesa Diretora promulga o seguinte Decreto Legislativo:
1° Fica concedido ao senhor WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, o título honorífico de CIDADÃO DO PARÁ, pela sua relevante contribuição à defesa socio-biodiversidade paraense e amazônida.
2° A honraria será outorgada em sessão especial com data e local oportunamente designada pela Mesa Diretora desse Poder Legislativo.
3°Essa lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Cabanagem, 28 de outubro de 2014.
Deputado Edmilson Rodrigues
Líder do PSOL
JUSTIFICATIVA
Waldemar Londres Vergara Filho nasceu em 21 de julho de 1958, na cidade de João Pessoa, Estado da Paraíba, filho de Waldemar Londres Vergara e de Ruth Nunes Vergara. Biólogo de formação, especializou-se em Análise e Avaliação Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), ele desenvolve desde 1985 até o presente ampla atividade profissional em diversas partes do país, principalmente no Estado Pará, onde tem domicílio na cidade de Belém a serviço do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente. Desde 1999 desenvolveu com ampla experiência na área de Gestão Ambiental com a criação, implementação e gestão de Reservas Extrativistas no Estado do Pará, tendo antes exercido cargo de coordenação do Centro de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável – CNPT / IBAMA / PA, entre os anos de 2003 e 2008, sempre prestando apoio ao fortalecimento socioambiental e econômico de populações tradicionais extrativistas. Desta maneira, desde 2009 até o hoje, exerce chefia da Reserva Extrativista Marinha de São João da Ponta (RESEX São João da Ponta).
Trata-se, portanto, de um trabalho meritório, ainda de escassa visibilidade e disponibilidade de recursos, que se insere no enfrentamento geral dos problemas ambientais causados pela industrialização e aumento demográfico em condições de marginalização, pobreza e desigualdade em nosso país, e muito particularmente em terras paraenses. De modo geral, sabe-se da extrema importância que os rios, lagos, mares e oceanos têm no equilíbrio do nosso Planeta, assim que mais da metade do mesmo é formada por água e que deste essencial elemento depende a flora, a fauna e a própria sobrevivência da espécie humana.
A luta pela preservação de biomas específicos, como a prática profissional e social do biólogo Waldemar Londres Vergara Filho tem demonstrado, desempenha um papel indispensável na busca de novos marcos civilizatórios, nos quais a preservação do meio ambiente, a luta contra a pobreza e o respeito às comunidades tradicionais e aos povos originários ocupam lugar de absoluto destque.
Por tudo isso, a atuação em nosso estado do profissional e social do biólogo e servidor público WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, sem sombra de dúvida, justifica plenamente a concessão por esta casa do título honorífico de Cidadão do Pará, nos termos do presente Projeto de Decreto Legislativo.
Deputado EDMILSON RODRIGUES


O Paraense - 04/12/2001
Criada primeira reserva extrativista marinha do Pará

Governo federal cria a primeira reserva extrativista marinha do Estado, em Soure, garantindo a proteção para mais de 27 mil hectares de manguezais. Oito reservas serão ainda criadas no Pará
A Reserva Extrativista Marinha - Resex - de Soure foi criada pelo governo brasileiro no último dia 22, depois de quatro anos de negociações e discussões com a comunidade. Pelo decreto presidencial, duas áreas de manguezal conhecidas como Soure e Rio do Saco, num total de 27 mil e 463 hectares, ficam protegidas, destinadas para exploração exclusiva das populações tradicionais. 500 famílias em seis comunidades vão ser beneficiadas. "A Resex é uma unidade de conservação. E conservar é diferente de preservar. Quando propomos conservação, não estamos fechando uma área ou um ecossistema. Estamos tentando fazer o uso sustentável dos recursos naturais, tendo como princípio a gestão comunitária", explica Waldemar Vergara, coordenador da implantação das reservas marinhas no estado.

O Pará tem apenas uma reserva extrativista, mas em ecossistema florestal, nos municípios de Santarém e Aveiro. É a Tapajós-Arapiuns, criada em 1998 pelo governo federal. A de Soure passa a ser a primeira de uma lista de reservas em ecossistema marinho que estão planejadas no Pará. Depois de criada a reserva, uma longa fase de capacitação e aprendizado vai ter que ser vencida pela própria comunidade de Soure. É que esse tipo de reserva, pela definição legal, deve ser administrada e gerenciada pelos chamados "usuários do ecossistema", no caso de Soure as famílias que vivem de catar caranguejo. Os próprios caranguejeiros, através da associação, vão fiscalizar sua área e ficam responsáveis pelo uso correto dos recursos, em co-gestão com o Ibama.

A reserva não deve mudar muito a ação do poder público municipal ou estadual, e por isso mesmo não houve nenhuma dificuldade em obter apoio da prefeitura de Soure e de outras prefeituras onde já existem estudos para criação de Resex. Mas pode haver uma transformação incômoda: os moradores mais pobres do município passam a ser protagonistas no exercício da administração. A proposta da Resex não é apenas de manter ecossistemas vivos, mas também garantir melhoria na qualidade de vida dos moradores desses ambientes. Junto com a Reserva, os caranguejeiros adquirem poder de fiscalizar, aprendem noções de flutuabilidade de mercado e de cidadania: conhecimento bastante para negociar os produtos e ter melhor qualidade de vida, mas também para comprar briga pelos próprios direitos.

Conflitos

Vergara faz questão de ressaltar que as reservas só são implantadas a partir de uma manifestação de interesse por parte da comunidade extrativista. E é muito comum que a necessidade da reserva apareça depois de um conflito. Foi o que aconteceu em Soure, na década passada, quando os caranguejeiros enfrentaram uma concorrência desleal no trabalho do mangue. Pescadores de municípios da zona do salgado passaram a frequentar os manguezais de Soure para catar caranguejos, usando uma técnica desconhecida dos marajoaras: o laço, espécie de armadilha feita com sacos de náilon e colocada na boca do buraco do caranguejo. Cada pescador conseguia armar em um dia 700 laços. Os caranguejeiros, usando a técnica tradicional, conseguem pegar em média 70 caranguejos por dia, cada um.

O conflito entre os caranguejeiros e os pescadores teve que ser mediado pelo Ibama, convocado em 97 para tentar encontrar uma solução. Técnicos ligados ao CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável passaram a se reunir com a comunidade e ajudaram a fundar a Associação de Caranguejeiros de Soure. Daí nasceu a idéia da reserva extrativista implantada este mês. É claro que a reserva, que nasce em meio a um conflito de interesses, não pretende acabar com todos os conflitos. "Com a capacitação e o exercício diário da cidadania, a tendência é que os embates aumentem, porque os moradores não vão mais aceitar ser feridos em seus direitos", garante Vergara.

Áreas aguardam aprovação federal

Campo de futebol no mangue. Mangue dividido em lotes. Mangue completamente seco. Tudo isso que aconteceu em Bragança, com a destruição de parte do manguezal depois da desastrada obra da estrada para Ajuruteua, não precisa se repetir nas muitas e ricas áreas de mangue que o estado do Pará têm. A solução, para os técnicos e para o coordenador do CNPT, Iloé Listo de Azevedo, está nas Reservas Extrativistas. E agora só depende do governo federal: todos os processos para criação de mais oito reservas extrativistas marinhas no PA já estão tramitando em Brasília, nos corredores do Ministério do Meio Ambiente. A parte técnica do processo já foi concluída em todas as áreas e as reservas, se aprovadas, devem garantir o uso sustentável dos manguezais em quase toda a zona do salgado paraense. Os municípios beneficiados com os estudos do CNPT até agora: Maracanã, Curuçá, São João da Ponta, Santarém Novo, Tracuateua, Bragança, Augusto Correa e Vizeu. São 199 mil e 63 hectares, de onde tiram o sustento 193 comunidades, 10 mil 920 famílias.

Helena Palmquist
entrevista de Mestre Vergara sobre a Reserva Extrativista Marinha de São João da Ponta / Salgado Paraense:
https://www.youtube.com/watch?v=JXarsXXyWyc


Projeto Ecocultural 
Peixe-Boi / Vaca-Marinha
de São Caetano de Odivelas
(esboço)




cordão do Peixe-Boi, foto Arraial do Pavulagem - Ver O Peso, Belém do Pará.






Antecedendo a esta iniciativa se acha união de famílias oriundas de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó; e de São Caetanos de Odivelas, no Salgado Paraense; através do enlace de Amado do Vale Macedo, filho de Amado Pedro Macedo e Iracema do Vale Macedo; e Maria Leonízia Moraes Macedo; filha de Emílio Fernando de Carvalho Moraes e Maria das Dores Nascimento Moraes. Este último casal, teve duas filhas e cinco filhos, a mais velha chama-se Palmira de Nazaré Moraes Pereira casada com José Maria Varella Pereira (pseudônimo José Marajó Varela, um dos fundadores do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), iniciado em 1004 e extinto em 2014, sucedido pela "Universidade da Maré"). A segunda filha do dito casal, Leonízia, conhecida por Dona Leo; casou-se com Amado, chamado Amadinho, por parentes e amigos íntimos por referência a seu genitor. 

Seu Amado (Amado Pedro Macedo) foi em vida uma pessoa notável em São Caetano de Odivelas, teve ele formação militar e musical com que contribuiu à formação de duas bandas musicais em São Caetano ainda existentes, além de ser animador de cordões juninos compondo marchinhas e enredos. Assim, Palmira e Leo com seus respectivos maridos vieram ser vizinhas morando no bairro da Marambaia criando seus filhos junto com os mais primos e primas numa família extensa. Palmira acompanhava Zeca (José Maria) muitas vezes em viagens a Ponta de Pedras e outros municípios no Marajó; e Leo viajava com Amado mais frequentemente a São Caetano. Ademais, a ilha de Algodoal (Maiandeua, Maracanã) acabou se tornando o ponto preferencial de férias da grande família...

Contribuiu para isto, o casamento de uma tia-avó de Palmira e Leo, chamada Lili com um imigrante "turco" (sírio) de nome José Mamede, que se estabeleceu com casa de comércio em Marudazinho. Os primos Nazir, Almira e Nazira em viagens pela região voltavam a Belém com muitas histórias, sobretudo, a respeito de Algodoal. Leo herdou o nome da bisavó Leonízia descendente de escravos no Ceará, Palmira conta histórias dessa bisavó que faleceu com mais de cem anos de idade... Dona Leonízia foi mãe de dona Maria José Teixeira do Nascimento, nascida no Ceará e casada com o potiguar (nativo do Rio Grande do Norte, descendente de holandeses; Argemiro Dias do Nascimento, condutor de bondes elétricos da empresa inglesa Pará Eletric. Militante do Partido Comunista Brasileiro fez uma célula em sua casa no bairro da Cremação, invadida pela política política de Barata e preso junto com Dalcídio Jurandir (tio do marido de Palmira), recolhido ao presídio São José (hoje centro joalheiro e de artesanato São José Liberto, em Belém do Pará). 

Com falecimento de Argemiro e viuvez de dona Maria José esta se casou com o lavrador Adalberto Teixeira e morou no lugar Recreio, distrito de Marudá (Marapanim), fez salgadeira comprando peixe para vender às colônias através do porto do 40 do Mocoóca. A cabo de certo tempo, o casal Adalberto e Maria José adquiriram lote rural no Caripi (Igarapé Açu) e dona Maria ficou viúva pela segunda vez, vendeu o terreno a um japonês e mudou-se definitivamente para Belém onde veio a falecer. O registro familiar serve aqui para enfatizar a identidade territorial com as regiões do Marajó e o Salgado Paraense, sua história, cultura e sua gente. Fica assim justificada a comemoração dos 70 anos de idade de Amado do Vale Macedo, no dia 28/09/2019, em São Caetano de Odivelas e o súbito interesse de José Marajó Varela em estimular parceria com a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABRAMC) a fim de examinar a possibilidade de implantar ecomuseu ou museu comunitário na cidade de São Caetano.

Isto posto, tendo em vista a reunião inicial de 03/10/2019 no Ecomuseu da Amazônia entre representantes deste e da Associação Vaca Velha de São Caetano de Odivelas, vislumbram-se ao fim oportunidade vir a sediar a UNIMARÉ como polo para o Salgado, notadamente rede de associação de usuários de reservas extrativistas marinhas; o presente esboço de projeto se oferece para ser apresentado e discutido com a comunidade e parceiros, visando dotar à Criaturada grande de Dalcídio mais um elemento de memória do território na paisagem cultural da Amazônia. 

Chamamos "ecocultura" ao conjunto de atividades simbólicas representativas da vivência humana em seu habitat com a transformação da natureza em cultura local com vistas à valorização da cultura tradicional e a conservação do meio ambiente. Para isto o ecoturismo é convocado de modo especial por meio de um turismo inteligente ao qual se pode chamar de turismo ecocultural. A região do Nordeste Paraense, Amazônia atlântica, apresenta grande potencial turístico a par da Amazônia marajoara, que dialogam entre si e se confundem chamando atenção de instituições nacionais e organismos internacionais sobre a biodiversidade e a diversidade cultural. O caso específico de São Caetano de Odivelas em seu contexto histórico e geográfico chama atenção pela ecocultura onde pontifica manifestação folclórica dos bois de máscara com destaque do Boi Tinga, desde 1937, numa bela demonstração de casamento da inovação com a tradição. Desta fusão magnífica, portanto, nasce a provocação de acrescentar o boi e a vaca anfíbio, Peixe-Boi / Vaca-Marinha; encantados no Curral da Vaca Velha e toda mais criaturada da manada do carnaval caetano

São Caetano de Odivelas se destaca pela inovação do "boi de quatro patas", diferente do tradicional boi bumbá com um só "tripa" e duas patas que o povo odivelense chama "boi galinha"... A Vaca Velha teria sido fruto de reclamação das mulheres que se sentiam excluídas das brincadeiras de boi. Por outra parte, foram mulheres marisqueiras da comunidade de Alto Pereru e Cachoeira que assumiram a demanda histórica para criação da Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba. Deste modo, um cordão de Peixe-Boi deveria fazer par à Vaca-Marinha simbolizando respectivamente as espécies de peixe-boi amazônico e o peixe-boi marinho. Com tais elementos folclóricos a Universidade da Maré Mestre Vergara (UNIMARÉ) e entidades parceiras buscaria contato especial junto à Associação de Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba e associações homólogas da microrregião, notadamente São João da Ponta devido ao fato deste município ter sido desmembrado do município de São Caetano de Odivelas e o lugar em que Mestre Vergara dedicou seu últimos dias de vida na gerência da Resex-Mar São João da Ponta onde em conjunto com mestres e mestras da Associação de Usuários da dita reserva extrativista, colocou ele em prática seus saberes técnicos e seus sonhos de cidadania para as populações do mangue. 

Sem dúvida, Vergara fez escola como arte educador, compositor e biólogo: nada mais justo que reverenciar sua memória quando pensamos em motivar mestres e mestras de cultura popular em São Caetano de Odivelas, convidando especialmente o Núcleo Universitário de São Caetano de Odivelas Professor Mário Chagas Fernandes (NUSC) a tomar parte proeminente nesta proposição. A UNIMARÉ é sucessora do 'Grupo em Defesa do Marajó (GDM) nascido na Pro-Reitoria de Extensão da UFPA. Acredito, portanto, na compatibilidade desta proposta com os objetivos da Carta de Odivelas, do I Seminário de Cultura Popular dos Bois de Máscaras, realizado em novembro de 2018; levada à Pro-Reitoria de Extensão (PROEX/UFPA), na reunião de 22/03/2019.

Os vinte anos de militância do GDM legou à UNIMARÉ uma prática participativa onde cabe sem nenhuma exclusão a discussão e o debate. Onde o grupo atua como intermediário e moderador de tensões e conflitos da sociedade real segundo práticas adotadas na terapia comunitária integrativa. Jamais diremos que é fácil nem que é impossível: só podemos afirmar a enorme energia das comunidades tradicionais bloqueada por séculos de marginalização e empobrecimento historicamente imposto. Como diria o poeta da Floresta Thiago de Mello: 'faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar'. 

Já podemos vislumbrar as primeiras luzes da madrugada através da arte popular amazônica do futuro. A mãe Natureza venerada e transfigurada na arte de artistas amorosos inspirados.




Imagem
"Rainha da Amazônia", de Fabrício Pinheiro: natureza e arte na Amazônia paraense.