terça-feira, 15 de outubro de 2019

UNIVERSIDADE DA MARÉ MESTRE VERGARA: PROJETO ECOCULTURAL PEIXE-BOI.

Resultado de imagem para imagens Waldemar Vergara Filho
Waldemar Londres Vergara Filho (João Pessoa -PB, 21/07/1958 - Belém - PA, 16/01/2018); foto ICMBIO.

O carimbó praiano "Pescador" de Mestre Lucindo é uma aula biogeográfica. O professor é o pescador e o mestre dizia que a sua escola havia sido unicamente o banco da sua canoa de pesca: naturalmente, o pescador conversa com a mãe Natureza e aprende a conviver com os mais filhos dela:... "Por que é que no mar não tem jacaré?"... "Por que foi que no rio não tem peixe-boi? Eu quero saber a razão que no mar não tem tubarão. Eu quero saber por que é no mar não tem jacaré...

O pescador acha bom pescar na beira mar em noite de luar. Ele pesca dor e rimas de amor enquanto espera pelo peixe. E se o peixe não dá ele pergunta a razão e o por quê da questão. Lucindo pergunta por que no rio não tem peixe-boi e no mar não tem tubarão e assim revela pelo carimbó o espanto da extinção das espécies. O pescador sabe por intuição que a falta da pesca implica com a fome da comunidade. Mestre Vergara poeta e cantador da maré, foi mais longe perguntar à Ciência a razão destas carências humanas. Sabemos como o esgotamento dos recursos pesqueiros começou muito antes da devastação das florestas e extinção de espécies da fauna terrestre pelo abuso da caça predatória praticada por "caboclos" mal acostumados a respeitar o guardião das matas, o Curupira, na tradição indígena e Oxossi dos costumes africanos trazidos pelos negros. Tanto o peixe-boi amazônico, quanto o peixe-boi marinho foram exorbitantemente consumidos que hoje estão praticamente desaparecidos. Existem relados da era colonial dizendo que para sustento da marinha real da Holanda, Inglaterra e outras potências marinhas além do bacalhau de costume vinham navios ao rio Amazonas praticar escambo (troca em espécie) de 'missangas' (machados de aço, facas, anzóis, espelhinhos e contas de vidro) por 'gados do rio' (peixe-boi, tartarugas e pirarucu). Ensaio geral ao comércio desigual entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos de séculos seguintes até a globalização. 

Da ilha da Madeira - matriz portuguesa dos Descobrimentos marítimos, campus da escola náutica de Sagres - surgiram o morgadio (herança do primogênito segundo o patriarcalismo), o regime de capitanias hereditárias, estaleiros para construção de naus e barcos dos descobrimentos marítimos, com que de Cabo Verde foram trazidos ao Maranhão e Grão-Pará cavalos, vacas e novilhos representados no folclore luso-brasileiro entre nós trazido na bagagem dos casais dos Açores que povoaram o Pará. Misturar boi-bumbá e cordão de peixe-boi, como faz o Arraial do Pavulagem, é com certeza uma boa pedida para educação patrimonial e ambiental de nossas comunidades extrativistas e da população em geral. Sem esquecer atrativo cultural para produtos turísticos.



Mestre Vergara, patrono da Unimaré.

Nada mais justo que ao preparar nova etapa de sua existência a "Universidade da Maré (UNIMARÉ)" venha homenagear e preservar a memória daquele que foi seu principal inspirador e animador enquanto grupo comunitário informal, há mais de vinte anos de militância. Conheci Vergara no Grupo em Defesa do Marajó (GDM) quando nós apoiávamos a Associação dos Caranguejeiros de Soure (ACS) em conjunto com a comunidade extrativista do Pesqueiro e Cajuuna em prol da criação da Reserva Extrativista Marinha de Soure. A história da Resex de Soure - nome proposto "Reserva Extrativista Marinha Maruanazes" em referência à antiga aldeia indígena do lugar -, é o momento singular no qual, sob pressão socioambiental da criaturada grande de Dalcídio, convergiram na ilha do Marajó o movimento universitário extensionista iniciado no Rio Grande do Norte com a inauguração do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (CRUTAC) com o movimento das comunidades extrativistas iniciado no Acre, por Chico Mendes. 

Seringueiros e outros extrativistas florestais 'empataram' de uma parte a derrubada mais radical da Floresta Amazônica e por outra parte a hegemonia do ecologismo absoluto, tendente a tornar a Amazônia um santuário global para futuras gerações do império euro-americano. Índios, quilombolas e cabocos se acordaram e gritaram "tem gente!". O "espaço vazio" foi revogado. As Resex fizeram progresso e o sangue de Chico Mendes derramado no chão da terra amazônica floresceu em várias regiões e localidades até chegar à beira-mar com a primeira reserva extrativista marinha, em 20/05/1992, no estado de Santa Catarina, a Resex-Mar Pirajubaé. E a segunda resex-mar brasileira, na ilha do Marajó, Soure, 22/11/2001, a primeira da Amazônia.

Foi assim que no velho Pesqueiro Real de antigos conflitos entre os primeiros povos ribeirinhos do Pará-Uaçu (Grão-Pará na tradução portuguesa) e a escravidão de "negros da terra" (escravos indígenas), emergiram novas tensões sociais entre pescadores e extrativistas de mangues das duas margens da célebre baía do Marajó: A criaturada grande de Dalcídio aí está desde tempos ancestrais, passando pela invenção da Cultura Marajoara de 1600 anos de idade e a sua renascença pela criação do primeiro ecomuseu da Amazônia - O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari (1973-1981) predecessor do Museu do Marajó -, pelo padre Giovanni Gallo a partir de "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica marajoara pré-colombiana deixadas ao relendo do saque e contrabando de sítios arqueológicos).

QUEM FOI MESTRE VERGARA

WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, nascido na Paraíba tornou-se conhecido como “Cidadão Brasileiro”. Cada um de nós lembra perfeitamente do dia e o lugar em que esteve pela primeira vez com Vergara. Comunicador eloquente, suas rimas de cordel forjadas no coração e na alma, capturavam a atenção de todos, independentemente de seus títulos ou de suas patentes. Sua base nas ciências biológicas levou-o muito cedo a contribuir com grande criatividade na luta pela conservação dos manguezais e, principalmente, das gentes associadas a este ecossistema. Quem sabe se foi no Mundo da Lama, uma ONG da Ilha do Governador/RJ que se projetou nacionalmente? Em seguida vieram as gestões para estruturação dos Encontros Nacionais de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal- ENEAAM. Experiência e desprendimento levaram Vergara à mais bela comunhão com os manguezais do Brasil onde estabeleceu profunda relação com os povos da lama, cantados nas letras de Chico Science. A luta pela criação de Reservas Extrativistas-RESEX em áreas de manguezal foram inspiradas pela devoção ao ambiente do entremarés cheio de superstições, de folclore e de VIDA! Waldemar Vergara Filho, a partir de agora passa a ser um ser “Encantado”, segundo o folclore Marajoara é a entidade que não morre, ficando para sempre entre nós.

O PAPEL DOS JOVENS NAS COMUNIDADES

O Projeto Jovens Como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário tem como base a metodologia "Verde Perto Educação", inspirada na teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner (1994), na Complexidade Ambiental de Leff (2003), na Educação para o Futuro de Morin (2002, 2005) e na pedagogia da autonomia de Freire (1998), e baseia-se em três eixos: protagonismo juvenil, educação lúdica e transdisciplinaridade. Até o momento, o Projeto foi implementado em Unidades de Conservação da Amazônia e da Caatinga, como Resex Rio Jutaí, Resex Baixo Juruá, Resex Médio Juruá, Flona Tefé, Resex Unini e Parna Chapada Diamantina. As ações também estão sendo expandidas para a Região do litoral Paraense, nas Reservas Extrativistas de Soure, Tracuateua, São João da Ponta e Chocoaré-Matogrosso. 

Um vídeo sobre o primeiro grupo de capacitação do Programa Jovens como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário está disponível no Canal EducaChico no Youtube. Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=ezjGFLxg-aQ. Fonte: DISAT/Projeto Manguezais do Brasil


Brasília (13/10/2014) — O Governo Federal criou três novas Unidades de Conservação (UC) e ampliou uma já existente, no litoral nordeste do Pará. O decreto da Presidência da República foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (13). Com as novas Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas – Mocapajuba, Mestre Lucindo e Cuinarana – e a ampliação da Araí-Peroba, criada em 2005, a área conservada na região aumenta em 51%, chegando a 322 mil hectares.
As novas Resex Marinhas estão localizadas nos municípios de São Caetano de Odivelas, Marapanim e Magalhães Barata, na região do Salgado Paraense, onde está o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo (680 km de costa), que vai do Amapá ao Maranhão, correspondendo a 70% dos manguezais do Brasil.
Na região já existiam outras nove Reservas Extrativistas, onde vivem 28 mil famílias em comunidades tradicionais que têm a pesca artesanal com principal atividade econômica. O conjunto de UCs vai garantir a conservação da biodiversidade dos ecossistemas de manguezais, restingas, dunas, várzeas, campos alagados, rios, estuários e ilhas.
As Resex são UCs que conciliam o uso sustentável dos recursos naturais com a proteção do meio de vida e a cultura das comunidades extrativistas locais. Com as novas áreas de uso sustentável, aumenta para 34 mil o número de famílias beneficiadas, na região. As Reservas Extrativistas foram propostas pelas comunidades locais e o processo foi elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
"A microregião do Salgado Paraense conquista uma condição muito especial para inaugurar uma nova fase de desenvolvimento a partir do potencial produtivo dos ecossistemas locais e da sua extraordinária biodiversidade", explica o presidente do ICMBio, Roberto Vizentin. "Mas, a criação foi apenas o primeiro passo. O desafio, agora, é a elaboração de um planejamento e de um modelo de gestão integrada, envolvendo o conjunto das doze Reservas Extrativistas do Salgado, capaz de envolver e mobilizar agentes públicos e da sociedade civil para um mesmo propósito: cuidar da natureza e melhorar a vida da população", destaca Vizentin.
Processo de criação
Em julho passado, em mais uma etapa do processo de criação, mais de 800 pessoas participaram de quatro audiências públicas, realizadas pelo ICMBio na região de Salgado Paraense. Foi mais uma oportunidade para moradores, movimentos sociais e autoridades locais debateram com o ICMBio. Depois das audiências, o processo foi finalizado no ICMBio, encaminhado para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e depois para a Presidência da República, que decidiu a criação das Resex.
"Com o decreto, as Reservas passam a ser administradas pelo ICMBio. As diretorias vão atuar de forma integrada, através de ações de fiscalização, de criação de conselho gestor e de ações socioambientais que vão viabilizar a implementação das unidades", explica Marcelo Cavalini, analista ambiental da Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (Diman/ICMBio), que participou da elaboração da proposta das novas Resex.
Ecossistema Manguezal
No Brasil, os mangues são protegidos por legislação federal devido à importância que representam para o ambiente marinho e para as populações humanas. A sua riqueza biológica faz com que essas áreas se constituam em grandes berçários naturais, tanto para as espécies típicas desses ambientes, como para aves, peixes, moluscos e crustáceos, que aqui encontram as condições ideais para reprodução, eclosão, criadouro e abrigo, quer tenham valor ecológico ou econômico. Os mangues, portanto, formam a base da cadeia alimentar marinha.
Colaborando para o enriquecimento das águas marinhas com nutrientes e matéria orgânica, os manguezais desempenham importante papel ecológico, econômico e social. Para se ter uma ideia, estima-se que os manguezais produzam mais de 95% do alimento que o homem captura no mar. Por essas razões, a sua manutenção é vital para a subsistência das comunidades pesqueiras que vivem em seu entorno.
No passado, a extensão dos manguezais brasileiros era maior: muitos portos, indústrias, loteamentos
e rodovias costeiras foram desenvolvidos em áreas de manguezal, ocorrendo uma degradação do seu estado natural.

                              PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO
Concede o título honorífico de CIDADÃO DO PARÁ ao senhor WALDEMAR LONDRES VERGARA e dá outras providências.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ ESTATUI e sua Mesa Diretora promulga o seguinte Decreto Legislativo:
1° Fica concedido ao senhor WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, o título honorífico de CIDADÃO DO PARÁ, pela sua relevante contribuição à defesa socio-biodiversidade paraense e amazônida.
2° A honraria será outorgada em sessão especial com data e local oportunamente designada pela Mesa Diretora desse Poder Legislativo.
3°Essa lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio Cabanagem, 28 de outubro de 2014.
Deputado Edmilson Rodrigues
Líder do PSOL
JUSTIFICATIVA
Waldemar Londres Vergara Filho nasceu em 21 de julho de 1958, na cidade de João Pessoa, Estado da Paraíba, filho de Waldemar Londres Vergara e de Ruth Nunes Vergara. Biólogo de formação, especializou-se em Análise e Avaliação Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), ele desenvolve desde 1985 até o presente ampla atividade profissional em diversas partes do país, principalmente no Estado Pará, onde tem domicílio na cidade de Belém a serviço do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente. Desde 1999 desenvolveu com ampla experiência na área de Gestão Ambiental com a criação, implementação e gestão de Reservas Extrativistas no Estado do Pará, tendo antes exercido cargo de coordenação do Centro de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável – CNPT / IBAMA / PA, entre os anos de 2003 e 2008, sempre prestando apoio ao fortalecimento socioambiental e econômico de populações tradicionais extrativistas. Desta maneira, desde 2009 até o hoje, exerce chefia da Reserva Extrativista Marinha de São João da Ponta (RESEX São João da Ponta).
Trata-se, portanto, de um trabalho meritório, ainda de escassa visibilidade e disponibilidade de recursos, que se insere no enfrentamento geral dos problemas ambientais causados pela industrialização e aumento demográfico em condições de marginalização, pobreza e desigualdade em nosso país, e muito particularmente em terras paraenses. De modo geral, sabe-se da extrema importância que os rios, lagos, mares e oceanos têm no equilíbrio do nosso Planeta, assim que mais da metade do mesmo é formada por água e que deste essencial elemento depende a flora, a fauna e a própria sobrevivência da espécie humana.
A luta pela preservação de biomas específicos, como a prática profissional e social do biólogo Waldemar Londres Vergara Filho tem demonstrado, desempenha um papel indispensável na busca de novos marcos civilizatórios, nos quais a preservação do meio ambiente, a luta contra a pobreza e o respeito às comunidades tradicionais e aos povos originários ocupam lugar de absoluto destque.
Por tudo isso, a atuação em nosso estado do profissional e social do biólogo e servidor público WALDEMAR LONDRES VERGARA FILHO, sem sombra de dúvida, justifica plenamente a concessão por esta casa do título honorífico de Cidadão do Pará, nos termos do presente Projeto de Decreto Legislativo.
Deputado EDMILSON RODRIGUES


O Paraense - 04/12/2001
Criada primeira reserva extrativista marinha do Pará

Governo federal cria a primeira reserva extrativista marinha do Estado, em Soure, garantindo a proteção para mais de 27 mil hectares de manguezais. Oito reservas serão ainda criadas no Pará
A Reserva Extrativista Marinha - Resex - de Soure foi criada pelo governo brasileiro no último dia 22, depois de quatro anos de negociações e discussões com a comunidade. Pelo decreto presidencial, duas áreas de manguezal conhecidas como Soure e Rio do Saco, num total de 27 mil e 463 hectares, ficam protegidas, destinadas para exploração exclusiva das populações tradicionais. 500 famílias em seis comunidades vão ser beneficiadas. "A Resex é uma unidade de conservação. E conservar é diferente de preservar. Quando propomos conservação, não estamos fechando uma área ou um ecossistema. Estamos tentando fazer o uso sustentável dos recursos naturais, tendo como princípio a gestão comunitária", explica Waldemar Vergara, coordenador da implantação das reservas marinhas no estado.

O Pará tem apenas uma reserva extrativista, mas em ecossistema florestal, nos municípios de Santarém e Aveiro. É a Tapajós-Arapiuns, criada em 1998 pelo governo federal. A de Soure passa a ser a primeira de uma lista de reservas em ecossistema marinho que estão planejadas no Pará. Depois de criada a reserva, uma longa fase de capacitação e aprendizado vai ter que ser vencida pela própria comunidade de Soure. É que esse tipo de reserva, pela definição legal, deve ser administrada e gerenciada pelos chamados "usuários do ecossistema", no caso de Soure as famílias que vivem de catar caranguejo. Os próprios caranguejeiros, através da associação, vão fiscalizar sua área e ficam responsáveis pelo uso correto dos recursos, em co-gestão com o Ibama.

A reserva não deve mudar muito a ação do poder público municipal ou estadual, e por isso mesmo não houve nenhuma dificuldade em obter apoio da prefeitura de Soure e de outras prefeituras onde já existem estudos para criação de Resex. Mas pode haver uma transformação incômoda: os moradores mais pobres do município passam a ser protagonistas no exercício da administração. A proposta da Resex não é apenas de manter ecossistemas vivos, mas também garantir melhoria na qualidade de vida dos moradores desses ambientes. Junto com a Reserva, os caranguejeiros adquirem poder de fiscalizar, aprendem noções de flutuabilidade de mercado e de cidadania: conhecimento bastante para negociar os produtos e ter melhor qualidade de vida, mas também para comprar briga pelos próprios direitos.

Conflitos

Vergara faz questão de ressaltar que as reservas só são implantadas a partir de uma manifestação de interesse por parte da comunidade extrativista. E é muito comum que a necessidade da reserva apareça depois de um conflito. Foi o que aconteceu em Soure, na década passada, quando os caranguejeiros enfrentaram uma concorrência desleal no trabalho do mangue. Pescadores de municípios da zona do salgado passaram a frequentar os manguezais de Soure para catar caranguejos, usando uma técnica desconhecida dos marajoaras: o laço, espécie de armadilha feita com sacos de náilon e colocada na boca do buraco do caranguejo. Cada pescador conseguia armar em um dia 700 laços. Os caranguejeiros, usando a técnica tradicional, conseguem pegar em média 70 caranguejos por dia, cada um.

O conflito entre os caranguejeiros e os pescadores teve que ser mediado pelo Ibama, convocado em 97 para tentar encontrar uma solução. Técnicos ligados ao CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável passaram a se reunir com a comunidade e ajudaram a fundar a Associação de Caranguejeiros de Soure. Daí nasceu a idéia da reserva extrativista implantada este mês. É claro que a reserva, que nasce em meio a um conflito de interesses, não pretende acabar com todos os conflitos. "Com a capacitação e o exercício diário da cidadania, a tendência é que os embates aumentem, porque os moradores não vão mais aceitar ser feridos em seus direitos", garante Vergara.

Áreas aguardam aprovação federal

Campo de futebol no mangue. Mangue dividido em lotes. Mangue completamente seco. Tudo isso que aconteceu em Bragança, com a destruição de parte do manguezal depois da desastrada obra da estrada para Ajuruteua, não precisa se repetir nas muitas e ricas áreas de mangue que o estado do Pará têm. A solução, para os técnicos e para o coordenador do CNPT, Iloé Listo de Azevedo, está nas Reservas Extrativistas. E agora só depende do governo federal: todos os processos para criação de mais oito reservas extrativistas marinhas no PA já estão tramitando em Brasília, nos corredores do Ministério do Meio Ambiente. A parte técnica do processo já foi concluída em todas as áreas e as reservas, se aprovadas, devem garantir o uso sustentável dos manguezais em quase toda a zona do salgado paraense. Os municípios beneficiados com os estudos do CNPT até agora: Maracanã, Curuçá, São João da Ponta, Santarém Novo, Tracuateua, Bragança, Augusto Correa e Vizeu. São 199 mil e 63 hectares, de onde tiram o sustento 193 comunidades, 10 mil 920 famílias.

Helena Palmquist
entrevista de Mestre Vergara sobre a Reserva Extrativista Marinha de São João da Ponta / Salgado Paraense:
https://www.youtube.com/watch?v=JXarsXXyWyc


Projeto Ecocultural 
Peixe-Boi / Vaca-Marinha
de São Caetano de Odivelas
(esboço)




cordão do Peixe-Boi, foto Arraial do Pavulagem - Ver O Peso, Belém do Pará.






Antecedendo a esta iniciativa se acha união de famílias oriundas de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó; e de São Caetanos de Odivelas, no Salgado Paraense; através do enlace de Amado do Vale Macedo, filho de Amado Pedro Macedo e Iracema do Vale Macedo; e Maria Leonízia Moraes Macedo; filha de Emílio Fernando de Carvalho Moraes e Maria das Dores Nascimento Moraes. Este último casal, teve duas filhas e cinco filhos, a mais velha chama-se Palmira de Nazaré Moraes Pereira casada com José Maria Varella Pereira (pseudônimo José Marajó Varela, um dos fundadores do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), iniciado em 1004 e extinto em 2014, sucedido pela "Universidade da Maré"). A segunda filha do dito casal, Leonízia, conhecida por Dona Leo; casou-se com Amado, chamado Amadinho, por parentes e amigos íntimos por referência a seu genitor. 

Seu Amado (Amado Pedro Macedo) foi em vida uma pessoa notável em São Caetano de Odivelas, teve ele formação militar e musical com que contribuiu à formação de duas bandas musicais em São Caetano ainda existentes, além de ser animador de cordões juninos compondo marchinhas e enredos. Assim, Palmira e Leo com seus respectivos maridos vieram ser vizinhas morando no bairro da Marambaia criando seus filhos junto com os mais primos e primas numa família extensa. Palmira acompanhava Zeca (José Maria) muitas vezes em viagens a Ponta de Pedras e outros municípios no Marajó; e Leo viajava com Amado mais frequentemente a São Caetano. Ademais, a ilha de Algodoal (Maiandeua, Maracanã) acabou se tornando o ponto preferencial de férias da grande família...

Contribuiu para isto, o casamento de uma tia-avó de Palmira e Leo, chamada Lili com um imigrante "turco" (sírio) de nome José Mamede, que se estabeleceu com casa de comércio em Marudazinho. Os primos Nazir, Almira e Nazira em viagens pela região voltavam a Belém com muitas histórias, sobretudo, a respeito de Algodoal. Leo herdou o nome da bisavó Leonízia descendente de escravos no Ceará, Palmira conta histórias dessa bisavó que faleceu com mais de cem anos de idade... Dona Leonízia foi mãe de dona Maria José Teixeira do Nascimento, nascida no Ceará e casada com o potiguar (nativo do Rio Grande do Norte, descendente de holandeses; Argemiro Dias do Nascimento, condutor de bondes elétricos da empresa inglesa Pará Eletric. Militante do Partido Comunista Brasileiro fez uma célula em sua casa no bairro da Cremação, invadida pela política política de Barata e preso junto com Dalcídio Jurandir (tio do marido de Palmira), recolhido ao presídio São José (hoje centro joalheiro e de artesanato São José Liberto, em Belém do Pará). 

Com falecimento de Argemiro e viuvez de dona Maria José esta se casou com o lavrador Adalberto Teixeira e morou no lugar Recreio, distrito de Marudá (Marapanim), fez salgadeira comprando peixe para vender às colônias através do porto do 40 do Mocoóca. A cabo de certo tempo, o casal Adalberto e Maria José adquiriram lote rural no Caripi (Igarapé Açu) e dona Maria ficou viúva pela segunda vez, vendeu o terreno a um japonês e mudou-se definitivamente para Belém onde veio a falecer. O registro familiar serve aqui para enfatizar a identidade territorial com as regiões do Marajó e o Salgado Paraense, sua história, cultura e sua gente. Fica assim justificada a comemoração dos 70 anos de idade de Amado do Vale Macedo, no dia 28/09/2019, em São Caetano de Odivelas e o súbito interesse de José Marajó Varela em estimular parceria com a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABRAMC) a fim de examinar a possibilidade de implantar ecomuseu ou museu comunitário na cidade de São Caetano.

Isto posto, tendo em vista a reunião inicial de 03/10/2019 no Ecomuseu da Amazônia entre representantes deste e da Associação Vaca Velha de São Caetano de Odivelas, vislumbram-se ao fim oportunidade vir a sediar a UNIMARÉ como polo para o Salgado, notadamente rede de associação de usuários de reservas extrativistas marinhas; o presente esboço de projeto se oferece para ser apresentado e discutido com a comunidade e parceiros, visando dotar à Criaturada grande de Dalcídio mais um elemento de memória do território na paisagem cultural da Amazônia. 

Chamamos "ecocultura" ao conjunto de atividades simbólicas representativas da vivência humana em seu habitat com a transformação da natureza em cultura local com vistas à valorização da cultura tradicional e a conservação do meio ambiente. Para isto o ecoturismo é convocado de modo especial por meio de um turismo inteligente ao qual se pode chamar de turismo ecocultural. A região do Nordeste Paraense, Amazônia atlântica, apresenta grande potencial turístico a par da Amazônia marajoara, que dialogam entre si e se confundem chamando atenção de instituições nacionais e organismos internacionais sobre a biodiversidade e a diversidade cultural. O caso específico de São Caetano de Odivelas em seu contexto histórico e geográfico chama atenção pela ecocultura onde pontifica manifestação folclórica dos bois de máscara com destaque do Boi Tinga, desde 1937, numa bela demonstração de casamento da inovação com a tradição. Desta fusão magnífica, portanto, nasce a provocação de acrescentar o boi e a vaca anfíbio, Peixe-Boi / Vaca-Marinha; encantados no Curral da Vaca Velha e toda mais criaturada da manada do carnaval caetano

São Caetano de Odivelas se destaca pela inovação do "boi de quatro patas", diferente do tradicional boi bumbá com um só "tripa" e duas patas que o povo odivelense chama "boi galinha"... A Vaca Velha teria sido fruto de reclamação das mulheres que se sentiam excluídas das brincadeiras de boi. Por outra parte, foram mulheres marisqueiras da comunidade de Alto Pereru e Cachoeira que assumiram a demanda histórica para criação da Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba. Deste modo, um cordão de Peixe-Boi deveria fazer par à Vaca-Marinha simbolizando respectivamente as espécies de peixe-boi amazônico e o peixe-boi marinho. Com tais elementos folclóricos a Universidade da Maré Mestre Vergara (UNIMARÉ) e entidades parceiras buscaria contato especial junto à Associação de Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba e associações homólogas da microrregião, notadamente São João da Ponta devido ao fato deste município ter sido desmembrado do município de São Caetano de Odivelas e o lugar em que Mestre Vergara dedicou seu últimos dias de vida na gerência da Resex-Mar São João da Ponta onde em conjunto com mestres e mestras da Associação de Usuários da dita reserva extrativista, colocou ele em prática seus saberes técnicos e seus sonhos de cidadania para as populações do mangue. 

Sem dúvida, Vergara fez escola como arte educador, compositor e biólogo: nada mais justo que reverenciar sua memória quando pensamos em motivar mestres e mestras de cultura popular em São Caetano de Odivelas, convidando especialmente o Núcleo Universitário de São Caetano de Odivelas Professor Mário Chagas Fernandes (NUSC) a tomar parte proeminente nesta proposição. A UNIMARÉ é sucessora do 'Grupo em Defesa do Marajó (GDM) nascido na Pro-Reitoria de Extensão da UFPA. Acredito, portanto, na compatibilidade desta proposta com os objetivos da Carta de Odivelas, do I Seminário de Cultura Popular dos Bois de Máscaras, realizado em novembro de 2018; levada à Pro-Reitoria de Extensão (PROEX/UFPA), na reunião de 22/03/2019.

Os vinte anos de militância do GDM legou à UNIMARÉ uma prática participativa onde cabe sem nenhuma exclusão a discussão e o debate. Onde o grupo atua como intermediário e moderador de tensões e conflitos da sociedade real segundo práticas adotadas na terapia comunitária integrativa. Jamais diremos que é fácil nem que é impossível: só podemos afirmar a enorme energia das comunidades tradicionais bloqueada por séculos de marginalização e empobrecimento historicamente imposto. Como diria o poeta da Floresta Thiago de Mello: 'faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar'. 

Já podemos vislumbrar as primeiras luzes da madrugada através da arte popular amazônica do futuro. A mãe Natureza venerada e transfigurada na arte de artistas amorosos inspirados.




Imagem
"Rainha da Amazônia", de Fabrício Pinheiro: natureza e arte na Amazônia paraense.





quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Dia da Amazônia.

Resultado de imagem para imagens praça Brasil Belém do Pará

Monumento ao Índio, tributo memorial à nação Tupinambá na praça Brasil em Belém do Pará.



Hoje se comemora no Brasil o DIA DA AMAZÔNIA. Lembrança da criação da Província do Amazonas por ato imperial de Dom Pedro II, em 5 de Setembro de 1850. Nunca dantes na história deste país foi tão necessário levar a brava gente brasileira pensar a respeito da sua região amazônica. Mais da metade do território nacional. 

Todavia, é preciso botar índio na História do Brasil, sobretudo no que toca à nossa Amazônia conquistada pela nação Tupinambá e colonizada por Portugal nosso primeiro soberano, cuja herança nos faz honra em participar da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), esta ponte lusófona para o mundo.

Em primeiro lugar, a criação da Província do Amazonas consolida um longo processo histórico que começou nas disputas internas pré-coloniais das regiões amazônicas entre as primeiras nações indígenas, antes do primeiro europeu ter posto os pés no chão vermelho das Américas. Muito antes da chegada dos conquistadores cristãos, os senhores do novo mundo haviam noção de Amerik (donde veio o nome do continente atribuído ao navegador Amerigo Vespucci), "país de Amerik", montanhas das margens do lago Nicarágua, atribuído a "Ik", deus do vento. Ou seja, o ar que se respira, em língua e cultura Maia.  

O 5 de Setembro faz parte da construção histórica do maior país dentre os nove países amazônicos. Sem dúvida a maior parte do condomínio banhado pelo maior rio do mundo, onde a Floresta Amazônica e o que ela guarda em seu subsolo atiça a cobiça estrangeira. Contudo, dizer assim sem maiores explicações o motivo pelo qual se comemora o dia da Amazônia, é comparável a um recorte de jornal encontrado no fundo da gaveta sem mais nem menos. Há que ter em mente o Estado do Amazonas desde as suas origens até os dias de hoje e a perspectiva do amanhã. A luta de Ajuricaba dos Manaus contra o cativeiro dos índios pelas "tropas de resgate" (eufemismo para caçadores de escravos), a Cabanagem (1835-1840), o golpe da Menoridade de Dom Pedro II (1840), com que as guerras da Regência tiveram termo... 

Eu quero dizer por aqui, que se na corrente do rio de Heráclito não existissem antecedentes não haveria Amazônia brasileira, não teríamos nenhum dia da Amazônia. Várias datas históricas poderiam ser consideradas "o dia da Amazônia". Antes de todos, o dia em que se chamou "rio das Amazonas"... Vão logo sabendo que isto não aconteceu pelo fato do "descobrimento" pelo espanhol Francisco de Orellana e o suposto encontro dos espanhóis com as mulheres guerreiras chamadas Icamiabas ou Cunhãteko-ima ("mulheres sem marido"). Segundo o escrivão da jornada, frei Gaspar de Carvajal, o rio foi chamado Rio Grande de Orellana... Cem anos depois, Pedro Teixeira subiu o grande "rio das Amazonas", desde Belém do Pará até Quito (Equador) com alguns soldados portugueses e 1.200 índios Tupinambás (1637 - 1639). 

A "Amazônia", então, era chamada Maranhão e Grão-Pará e antes de ser portuguesa, foi francesa: num caso e noutrro graças à Nação Tupinambá: e já se sabe que a utopia selvagem da Yby Marãey (Terra sem Mal) foi o fio condutor da saga desta gente desde o Paraguai até os confins do Alto Amazonas... O desafio em achar uma data magna envolvendo o guerreiro Tupinambá durante o processo de invenção da Amazônia não é fácil de achar e ter consenso.

Minha data magna da Amazônia eu já a declarei diversas vezes. Ela foi promovida por acaso ou obra da divina Providência no dia 27 de Agosto de 1659; quando o padre Antônio Vieira, conseguiu impedir a "guerra justa" (extinção e cativeiro), ou seja o genocídio dos Marajoaras. E fazer as pazes entre os Nheengaíbas e portugueses do Pará aliados aos Tupinambás. 

Nesse dia, diz o Padre grande; os Nheengaíbas aceitaram a soberania do reino de Portugal e a fé em Jesus Cristo. Deste modo, o Pará dali em diante contando com a amizade daqueles índios inimigos hereditários dos ditos Tupinambás invasores das Ilhas e caçadores de "negros da terra" (escravos indígenas) e, por extensão, inimigos dos portugueses aliados aos antropófagos, deu-se por encerrada uma guerra suja de mais de quarenta anos para conquista do "rio Babel" ou das "Almazonas"... 

Entretanto, custa aceitar o 27 de Agosto como verdadeiro DIA DA AMAZÔNIA, porque esta história passada no rio dos Mapuá, na ilha do Marajó, é considerada 'inverossímil' e não tem interesse acadêmico. Todavia, os fatos históricos relacionados não dependem fundamentalmente da célebre carta do padre Antônio Vieira ao rei de Portugal, de 29/11/1659 publicada em 11/02/1660... O que vale é que a esperada "guerra justa" não aconteceu, os famigerados Nheengaíbas dali em diante pacificados seguiram o padre e foram com ele fundar as aldeias missionárias de Aricará (1659, Melgaço, 1758) e Arucará (1659, Portel, 1758). Por último, se de fato não houve a paz negociada - seja lá como foi em realidade -, e consentida pelos rebeldes dando fim às suas rixas hereditárias; por que então os colonos se desesperaram e botaram os padres fora do Pará a ponta pés, em 1661? 

O nosso famoso Grito do Ipiranga não passou de uma fábula romântica com pintura épica. Mas, o 7 de Setembro é o que vale. Embora historiadores relembrem que o Brasil, de fato, estava independente desde 20 de Agosto de 1822: dia em que, por esta mesma razão histórica, comemora-se o Dia do Maçom.  

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Louvado seja!

Na imagem, o papa francisco interage com uma menina que está no colo da mãe acenando. Papa Francisco com crianças.
O NOME DISTO É EMPATIA: Francisco, o Papa das periferias; além de comunista primitivo que nem os cristãos dos primeiros dias da igreja aramaica de Jesus Cristo, o hermano argentino é o mais budista de todos quantos calçaram as sandálias do Pescador.




Bispos católicos de todo mundo já preparam malas de viagem rumo à "cidade eterna" onde eles de diferentes partes do mundo em crise vão se reunir a chamado do Papa para meditar - isto mesmo, o Sínodo deve ser uma profunda meditação coletiva, na qual a inteligência infinita da Vida possa se conectar com esta nossa vida finita -, entre os dias 6 e 27 de outubro de 2019, buscando inspiração para salvar a Amazônia da cobiça desvairada do deus Dinheiro, que botou fogo na Floresta Amazônica. 

Diziam os antigos, "todos caminhos levam a Roma"... Hoje, entretanto, os caminhos das Índias levam ao novo império romano em Washington D. C. Todavia, a velha Roma conquistada pelo sangue derramado dos mártires parece renascer cheia de graça e redenção para toda humanidade e clama pela justiça e a paz para toda família humana em harmonia com todos mais seres vivos em nossa casa comum, mãe Terra. 

Francisco de Assis batizou o mandato pastoral de Francisco de Buenos Aires... E eu que não creio, me pego cantando a singela canção "Gente humilde" desses dois ateus que são Chico Buarque e Vinícius de Moraes. E peço a Deus por minha gente, a criaturada de Dalcídio... Então, eu queria em nome desta gente pedir aos dois bispos do Marajó, dom Teodoro sumano espiritano cabo-verdiano e dom frei Evaristo benquisto franciscano catarinense, um favorzinho especial: no Sínodo da Amazônia falem da Paz de Mapuá, de 27 de Agosto de 1659 , celebrada na igreja indígena do Santo Cristo do rio dos Mapuá entre o padre Antônio Vieira, superior da Missão da Companhia de Jesus no estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará e os caciques rebeldes chamados Nheengaíbas (cf. padre Serafim Leite, "História da Companhia de Jesus no Brasil", IV tomo). 

Esta incrível história dos Jesuítas na Amazônia, entre árvores e esquecimento, completou 360 anos no último dia 27 próximo passado. Os senhores do tempo, declaram que este acontecimento não tem interesse acadêmico, posto que a carta que o padre grande dos índios escreveu ao rei Alfonso VI é inverossímil... Inverossímil, dizem. Embora um filósofo antigo tenha sentenciado que a verdade está na boca dos ignorantes, dos loucos e dos poetas. O padre grande dos índios, ignorante ele não era, nem louco, mas sim poeta e profeta do reino de Jesus Cristo consumado na terra...

Na Terra sem males, acrescento eu. O certo é que os índios, quilombolas e cabocos ainda estão à margem da História depois da grave denúncia de Bartolomeu de Las Casas, em que Antônio Vieira se inspirou na missão na Amazônia, entre 1652 e 1661, quando foi violentamente expulso para ser condenado no tribunal da Inquisição sob acusação de heresia judaizante.

Boa viagem aos Bispos do Marajó, sucesso ao Sínodo da Amazônia, saúde e vida longa ao Papa Francisco!

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Com a palavra, a Criaturada e suas multivozes na aquanarrativa do Índio Sutil

A imagem pode conter: 1 pessoa, texto





Não sou parteiro, mas por acaso assisti o parto de nossas duas feiras anuais, a do Livro e a de Turismo... Em minha fraca porém franca opinião estes dois eventos poderiam ser transformados em bienais alternadas: melhor uma só a cada anos, porém com mais tempo de preparação e divulgação face os escassos recursos disponíveis. Bienal do Livro AmazônicoBienal de Turismo da Amazônia. Assim nossos colegas da SECULT e parceiros da cultura e da SETUR e seus colaboradores, respectivamente, teriam tempo de respirar e oportunidade de promover maior integração entre a Cultura e o Turismo com benefícios mútuos aos dois setores complementares. 

Digo isto apenas pela ocasião que se apresenta para expressar sentimento próprio de outros tempos, no quais me achava por dentro dos acontecimentos. Mas na verdade, quero aproveitar para elogiar encaminhamentos tomados a respeito da indústria editorial do estado e incentivo aos escritores paraenses, dando à Imprensa Oficial maior versatilidade sem perda de sua finalidade institucional. 
Vida longa para Editora Pública e parabéns a toda equipe da IOEPA.

Frisar coincidência do Dia 27 de Agosto, 360 anos da Paz de Mapuá entre o 'payaçu dos índio', padre Antônio Vieira e os 7 Caciques Nheengaíbas; e a RODA DE CONVERSA com os dalcidianos Paulo Nunes, Edilson Pantoja e Fernando Farias; e também o lançamento das novas edições de Chove nos campos de Cachoeira e Chão dos Lobos, pela editora Pará.Grafo. Enfim, expressar gratidão em nome da Criaturada grande de Dalcídio, pela significativa homenagem ao romancista da Amazônia na escolha do nome da Editora Pública do Pará Dalcídio Jurandir.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Biosfera, que bicho é esse?

Resultado de imagem para imagens por do sol na foz do rio Arari ilha Marajó





para a Criaturada grande de Dalcídio



Aos 19 anos de idade, em 1956, fiz minha primeira viagem ao lago ancestral da Cultura Marajoara, o lago Arari. Nada, entretanto, de romantismo ou culto aos antepassados... Coisa trivial do escambo antigo que nós, cabocos descendentes de índios, quilombolas e casais dos Açores... É aquilo que nós chamamos marretagem, cá entre nós: vai sal, cachaça, café, açúcar e frutas da terra pra lá e, vem pra cá na troca de baixada canoa cheia de peixe seco, jacaré vivo na peia, carne de capivara salgada...

Naquele tempo, a gente dizia apenas Lago e nada mais; era a despensa grande da gente e já se sabia que o Lago não era um lago qualquer... Fui e voltei numa canoa boa a cabo de remo, três dias e três noites, na companhia de um caboco só que nem eu; nunca dantes eu tinha me atrevido a viajar 'prasquelas' bandas. 

Que maravilha! Já contei esta história 'uns par de vezes'... O "camarado" conhecia bem o caminho do Itaguari até Cachoeira daí pra cima até o Lago, nadinha era só na lembrança de um tipo de portulano memorizado de tantos causos que um tio dele contava, goiaba (marreteiro de Ponta de Pedras) que nem uns tantos quantos canoeiros que abasteciam a vila. Eu não conhecia nada desde a boca do rio Arari a montante. Sabia sim alguma coisa por meus pais contarem. Então, para mim o Arari parecia a caminho do jardim do Éden nas estórias... 

Eu não sabia e nem poderia adivinhar que, daquela inesquecível viagem em diante até hoje, há 60 anos passados, além da malária me pegar de novo pra valer, ficaria eu com uma sina de contador de causos, paresque por fado de algum caruana daqueles que vagam ao romper do dia nas extremas paragens de muita antiguidade. Foi assim que viajei pra fora de mim mesmo e vi o mundo. Não o vasto mundo de Drummond como eu queria ver, masporém aquilo que a minha merecendência deu. Por esta sina eu me tornei defensor dativo da Criaturada grande de Dalcidio e por via deste fado me engajei ao Museu do Marajó donde fui um dos proponentes da Reserva da Biosfera do Marajó: e assim acabei participando por acaso da ressuscitação da Academia do Peixe Frito em preparativos criativos ao Centenário de nascimento de Dalcídio Jurandir. Para, enfim, chegar hoje a ser voluntário do Ecomuseu da Amazônia levado pela minha última utopia, isto tudinho que vou contar mais adiante.

Por enquanto, o tempo ruge para voltar aos começos da conversa e terminar de contar minha breve experiência de marreteiro "goiaba". Voltei, pois, do Lago arriado de tamanhas febres e após o apurado da incipiente marretagem fui depressa à cidade grande me tratar da maleita em casa de minha tia quase mãe e, mais tarde, convalescer na casa de minha avó, no velho Itaguari de minha infância distante. Aí é que deu-se a coisa: após a sesta vovó tirou, com muito cuidado, do baú de seus guardados o romance "Marajó" escrito por tio Dalcídio... Eu era mesmo semi-analfabeto, um caboco ribeirinho completo. Aos trancos e barrancos, li o livro sagrado da vovó de cabo a rabo, mal e porcamente como pode ser a leitura por um pobre aluno primário do interior: mesmo assim não consegui parar de ler até a última linha. Cuja é o triste fim de Orminda, esquecida pelos homens e o mundo festeiro; na velha barraca de chão batido coberta de palhas onde a bela desejada nasceu, no bairro pobre do Campinho, em Ponta de Pedras, o mesmo onde premiado romancista da Amazônia veio ao mundo.

Já disse isto umas mil e tantas vezes: nas páginas do "Marajó" foi quando, pela primeira vez, eu vi a Criaturada grande sair do primeiro romance sociológico brasileiro pela porta afora para ir embora se confundir com a gente que passava todo dia pela rua da casa ou pelo rio do sítio onde eu parava naquele tempo desde o bairrozinho o Fim do Mundo, no qual dei os primeiros passos desta minha já longa vida... 

Caíram-me, então, as escamas dos olhos. E nunca mais tive sossego, pois isto é um fado tal qual a sina do tio chamado "índio sutil" por Jorge Amado, embora Dalcídio fosse visivelmente mulato, filho de branco com preta. Logo me dei conta de ser eu um caboco com alma de preto, neto de índia com cara de branco. Esta mistura fina tem diversos inconvenientes numa sociedade racista e profundamente desigual, masporém também tem lá suas vantagens...

Por isto, mais uma vez, estou a escrever sobre reservas da biosfera na espera do programa mundial 'O Homem e a Biosfera', querendo ver logo a Criaturada grande de Dalcídio amparada dentro desta rede. Reservas da vida, áreas protegidas onde homens, plantas e bichos possam se entender e "conversar" melhor uns com os outros. Ora, não foi por acaso no "Grande Sertão:Veredas" que Guimarães Rosa ouviu buritizeiro dizer "mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende"?  Mestre de seu ofício, Dalcidio então pelos olhos acesos de Alfredo seguiu os passos do avô Bibiano, em "Passagem dos Inocentes", na trilha do igarapé a contemplar o preto velho entre palmeiras de miriti, homem e troncos tão iguais pelas mãos do destino da terra... 


Não mexa com quem está quieto

A primeira vez que ouvi falar em " reserva da biosfera" foi em meio a uma inesperada e ardida polêmica... Todo mundo deve saber que a ilha do Marajó, embora fazendo parte de um feudo enorme da elite de Belém do Pará, é unha e carne com o pessoalzinho de Macapá... Então, um migrante paraibano como tantos outros nordestinos que vem tentar a sorte no Norte, masporém este um como poucos havia ele paresque se dado bem com o bom povo do Amapá, calhou de prosperar na política e ser eleito deputado federal. Ele conseguiu a par de outros mais as boas graças
do então diligente presidente e depois senador José Sarney, a fim de estender benefícios da Zona Franca de Manaus a Macapá e Santana. 

Ora, quando o Amapá melhora Marajó festeja como coisa sua, devido o fato do antigo parentesco entre estas gentes pertencentes à área cultural guianense; existente desde as ilhas do Pará até Trinidad e Tobago, no mar do Caribe. Por isto, antes de virar território federal e depois estado, o Amapá e ilha do Marajó eram uma coisa só pertencente à província e depois estado do Pará. De modo e maneira que, se o estado vizinho piora; a gente marajoara vai embora buscar emprego lá nas Guianas, no outro lado da fronteira do Oiapoque... "Outro problema interessante da área geocultural guianense, da qual o Marajó faz parte; reside na palavra-chave Parigoto. Fontes dos séculos XVII e XVIII registram esta palavra nas línguas veiculares desde a foz do Amazonas até o rio Suriname. Aqui se acha uma província ou distrito de nome Pará. Povo Palikur possui clã de nome Parauyune. Em caribe do litoral do litoral, parigoto ou em Palikur parauyune, tem a mesma significação: "gente do mar". No Brasil, Pará, em Nheengatu, quer dizer "mar" (cf. José Marajó Varela, "Breve História da Amazônia Marajoara").

Masporém nas cortes de Paris e Brasília dizer estas coisas é meio complicado de entender que esta gente do extremo-norte brasileiro, descendente de pretos de mocambo e índios misturados com brancos indesejados na Europa, não cuida de saber nadinha de tratados de fronteira, demarcações de limites, leis e regulamentos de comércio, alfândegas, vistos e passaportes etecetera e tal.

Garimpeiros e imigrantes clandestinos não sabem dos feitos históricos de Cabralzinho, nunca ouviram falar do cacique Guamá dos Aruã e Mexiana, tampouco da tropa de guarda-costa do sargento-mor da Vigia Francisco de Melo Palheta ou do furto do café de Caiena, nada da ocupação de Caiena por tropas paraenses a mando do regente do reino de Portugal, no reinado de dona Maria I, a louca; com a Família Real portuguesa refugiada no Rio de Janeiro debaixo das asas protetoras do império britânico... 

Povão desnorteado, sem passado e sem futuro; tirador de zero na prova de culturas amazônicas sobre a lenda, por exemplo, do casamento do príncipe Caiena, filho do rei galibi Ceperu; com a princesa Belém, filha do rei mameluco Brasil: refugiados econômicos só sabem buscar fortuna na rota do El-Dorado como fado e nada mais. O deputado novo amapaense preocupava-se, sinceramente paresque, com que a novidade levasse a milhares de cabocos marajoaras a 'invadir' Macapá atraídos pelos supostos ganhos da Zona de Processamento de Exportação Macapá-Santana ( ZPE Macapá-Santana). Então, o deputado pensou em algo que incentivasse a caboclada a ficar em sossego pelas ilhas do Pará: foi assim que a gente soube pela imprensa que iam criar uma tal 'reserva da biosfera' na ilha do Marajó. Diz-que, pra caboco ficar quieto e não ir perturbar a felicidade dos vizinhos. 

"Como é que é, seu Zé?"... Reserva da Biosfera, diz-que... A gente ficou foi em pé de guerra, o Marajó velho não pode escutar nenhuma novidade sem ficar desconfiado de que os "brancos" de costume estão a tramar ainda mais 'seis Marias' (sesmarias)... Pronto, acabou! Nunca mais se falou em "biosfera" e reserva de fera nenhuma. Já bastavam aqueles índios "ferozes" de antigamente, que felizmente todos viraram portugueses bem batizados, graças a Deus.


memória da Carta do Marajó-Açu: criação do GDM

Eu não gosto de ser contra uma coisa só para ser do contra. Comecei a procurar que diabo é Biosfera e o que seria uma reserva dessas. Por feliz oportunidade voltei, em 1994, a trabalhar na Prefeitura de Ponta de Pedras onde outrora fui secretário municipal entre 1966 até 1968... A primeira coisa que o prefeito me encarregou foi ser interlocutor do professor Camilo Viana, pro-reitor de Extensão da UFPA, meu velho mestre; na organização do décimo Encontro em Defesa do Marajó (28-30/04/1995), quando foi assinada em Ponta de Pedras a Carta do Marajó-Açu, resumo dos encontros anteriores e roteiro para o vir a ser. Na Pro-Reitoria de Extensão da UFPA nasceu, na preparação daquele encontro, o GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM), no dia 20/12/1994 e ele se dissolveu vinte anos depois, em 2014, para embarcar no Movimento Marajó Forte

Quem aprende na universidade da maré, sabe que no vertiginoso rio de Heráclito nada é fixo, nada é permanente, nada fica para sempre... "Na Amazônia a única coisa certa é que tudo é incerto", dizia o francês Paul le Cointe, que foi cônsul da França em Belém, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), estudou a flora amazônica e enterrou seus ossos no país que se chama Pará.

Eu quando era gente não cheguei a tanto, mas também fui vice-cônsul do Brasil no consulado em Caiena com jurisdição consular nas dependências francesas das ilhas da Martinica e Guadalupe; fui membro do IGHP na cadeira do dito Paul le Cointe, aprendi coisas interessantes nas fronteiras das Amazônias, sobretudo a respeito dos povos indígenas. São diversas as regiões amazônicas, delas a Amazônia Marajoara é minha mátria ancestral, para mim o centro do mundo... 

Meu ativismo no GDM foi credencial para receber honroso convite de Adenauer Góes, em 1999, a fim de assumir a chefia de gabinete da PARATUR, em 2001 passei a desempenhar funções de assessor institucional da mesma empresa de turismo estadual, onde permaneci até 2007. Com apoio do amigo Adenauer publiquei os ensaios diletantes Novíssima Viagem Filosófica (1999) e Amazônia Latina e a Terra sem mal (2002); viajamos juntos a Holanda e França (2004) arquitetando a primeira Feira Internacional de Turismo da Amazônia (FITA), fomos a Brasília a procura de patrocínio oficial junto à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que não regateou apoio.

Entrei na PARATUR 'pra passar uma chuva' a pedido do amigo do GDM Adenauer Góes, acabei passando lá oito anos da minha vida, finalmente aposentado me fiz blogueiro da rede social, ativista do Twitter e do Facebook onde posso ser encontrado quase todos os dias... A PARATUR foi uma escola para mim: quando entrei na empresa estatal de turismo nada eu tinha a ver com a chamada "indústria sem chaminés' e quando de lá saí continuei ignorante do assunto: todavia, aprendi que o Turismo é instrumento sócio-econômico de mudança política de maior relevância. E, portanto, entrei para o partido do turismo (ecoturismo de base na comunidade, melhor dizendo).


brevíssima história da Reserva da Biosfera Marajó

Foi na PARATUR, portanto, que a história da Reserva da Biosfera Marajó voltou a me perturbar. Eu gostaria de fazer algo pela Criaturada grande durante minha participação no órgão oficial de turismo onde cheguei graças ao GDM: eis a questão...  Adenauer contratou Francisco Lacerda, do Mato Grosso, para consultor de projeto de ecoturismo ele que já tinha experiência na EMBRATUR. Eu e Lacerda ficamos amigos. Sabendo eu que a Reserva da Biosfera do Pantanal vinha de ser implantada perguntei a ele como a coisa estava indo lá. O termo "biosfera" foi exposto a primeira vez pelo geólogo austríaco Eduard Suess, em 1875, significando o habitat de todos seres vivos. Mais tarde, em 1926, o conceito estendeu-se para o seu atual significado pelo geoquímico russo Vladimir Vernadskyque reconhecendo a biosfera como um sistema integrado de processos bióticos e abióticos. 

Em 1971, foi lançado o Programa Homem e a Biosfera da UNESCO (MAB), um programa científico de cooperação internacional para melhoria das relações humanas com seu meio ambiente. O MAB combina ciência naturais e sociais, economia e educação a fim de desenvolver a qualidade de vida humana e a partilha equitativa de benefícios visando a harmonia entre desenvolvimento econômico, social e cultural de modo sustentável. 

Quando da criação legal da APA - Marajó, em 1989, supostamente para desestimular construção de um presídio federal de segurança máxima na ilha do Marajó; se as autoridades do Estado do Pará estivessem sintonizadas com o movimento ecológico a fim de preservar o maior arquipélago fluviomarinho do Planeta, poderiam imediatamente candidatar a recém-criada área de proteção ambiental a ser reconhecida pelo MAB como reserva da biosfera. Porém, isto não sucedeu e até hoje a APA - Marajó padece de insuficiência em sua efetiva implantação. Enquanto solicitação da sociedade civil marajoara espera, desde 2003, a candidatura oficial do arquipélago ao MAB. É justo reconhecer o governo Ana Júlia Carepa (2007-2010) como honrosa exceção no assunto, embora ela também não tenha dada a prioridade que precisava para hoje o Pará contar com uma Reserva da Biosfera em seu território fluvial e marítimo com destaque à proteção da faixa de mangues.

Existem atualmente 701 unidades de conservação ambiental em 124 países em todo mundo, incluindo 21 reservas transfronteiriças; formando a Rede Mundial de Reservas da Biosfera. Sete delas no Brasil Mata Atlântica criada somente em 1992, Cinturão Verde da Cidade de São Paulo integrado à RB Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Caatinga criada em 2001, Amazônia Central ou Floresta Amazônica e Serra do Espinhaço: o esquema brasileiro ao contrário da maioria de reservas da biosfera, contempla os biomas de maneira que apenas as sete reservas brasileiras cobrem a maior parte de áreas protegidas da Biosfera planetária como um todo.  Caso ainda venha a ser reconhecida pelo MAB a Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia (RBMAZ) a rede brasileira passaria a contar com oito unidade, duas na Amazônia Brasileira dentre onze, então, localizadas no Brasil, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia.

Antes da Reserva da Biosfera do Pantanal, não havia dia que a TV não mostrasse repressão à caça e pesca ilegal no Pantanal. Aí eu perguntei ao Lacerda, como os fazendeiros estavam vendo a novidade. Fui informado que, no município de Bonito (MS), por exemplo, o ecoturismo havia transformado aquilo que parecia já não tomar jeito... Adenauer na presidência da PARATUR deu-nos carta branca para iniciar articulações com a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) sobre formação de um grupo de fazendeiros interessados a visitar o município de Bonito a fim de trocar informações diretas com seus homólogos pantaneiros a respeito da evolução da Reserva da Biosfera do Pantanal. Uma parceria foi firmada entre AMAM e PARATUR na qual o ecoturismo era a parte de estudo para projeto de reserva da biosfera na ilha do Marajó. 

Em março de 2003, faleceu o padre Giovanni Gallo, fundador do Museu do Marajó. Este fato veio a ter importantes consequências. Em minha cabeça este museu comunitário deveria ter papel central na coordenação e mobilização das comunidades marajoara no processo de uma possível Reserva da Biosfera, atuando como braço sócio-educativo e cultural da Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM). Na realidade, apesar de toda gente idolatrar o padre Gallo e colocar nos píncaros da lua o museu por ele inventado; nunca os poderes político e econômico da região prestou a atenção que criador e criatura merecem.

Quando eu servi no então Consulado do Brasil em Caiena (hoje Consulado-Geral atuando como mini-embaixada na Guiana francesa, subordinado diretamente a Brasília) um dos objetivos da missão consular era melhorar a imagem brasileira no outro lado da fronteira atingida pela imigração dita "clandestina" de brasileiros oriundos em maior parte de nossas regiões Norte e Nordeste: verdadeiros refugiados econômicos... Desta maneira, realizamos trocas de visitas de caráter esportivo e cultural, um protocolo de intenções foi assinado entre a AMAM e sua homóloga Associação de Prefeitos Municipais da Guiana: uma delegação de autoridades municipais guianenses visitou Marajó, recebida em Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari onde o Museu do Marajó foi alvo de admiração dos visitantes. Na ocasião, durante reunião no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Soure, o coordenador do mesmo, professor Ricardo Barros se esforçou por sensibilizar o chefe da delegação guianense, deputado Elie Castor; sobre oportunidade de projeto em cooperação para construção de barco-escola. Em sua fala, o coordenador do campus acentuou a notável pobreza da gente marajoara. Em resposta, o deputado e prefeito municipal guianense sublinhou a oportunidade de parcerias em diferentes setores, todavia discordou do discurso da pobreza dizendo ele ver tantas riquezas nesta famosa ilha que ele com seus colegas vinham de conhecer.

Reciprocamente, uma delegação de prefeitos e vereadores marajoaras foi organizada pela AMAM em visita a Guiana francesa. Esta histórica visita se tornou de fato em semana brasileira, conduzida oficialmente pelo presidente da associação, Fernando Lobato, prefeito de Santa Cruz do Arari, recepcionado pelo prefeito municipal de Sinnamary e deputado francês à Assembleia Nacional de Paris, senhor Elie Castor; que fora o principal articulador pelo lado francês naquele pioneiro intercâmbio de vizinhança transfronteiriça entre o Norte brasileiro e a Guiana francesa. 

No peculiar sistema político da França, autoridades eleitas podem eventualmente acumular cargos de níveis municipal, regional e nacional. Deste modo, o deputado do Partido Socialista Guianense (PSG) também pôde exercer a presidência do Conselho de Administração (governo executivo) a par do Conselho Regional (de natureza legislativa), ambos eletivos e que na atualidade não existem mais depois da última reforma das dependências ultramarinas da França. Herança do império napoleônico. 

O intercâmbio interregional franco-brasileiro àquela altura, última década do século XX; deveras não foi apenas um passeio entre vizinhos: com reflexo na famosa ponte franco-brasileira sobre o rio Oiapoque as respectivas delegações flanaram sobre décadas de história e conflitos coloniais por vezes sangrentos... A verdade é que poucos ali presentes, de parte a parte, compreenderam o motivo daquela inovadora experiência que viria a ser interrompida por processo contra a administração do senhor Elie Castor, no Conselho administrativo da Guiana; e sua súbita morte na prisão na metrópole francesa. Da parte brasileira, a dolorosa doença e morte do padre Giovanni Gallo (Turim, 1927 - Belém-PA, 2003), guindado naturalmente à condição de "embaixador" da Cultura Marajoara; representou a pá de cal daquele intercâmbio fronteiriço no qual, com certeza, a proposta de Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia seria elemento de integração de maior relevo, chancelado pelo programa O Homem e a Biosfera (MaB), da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura  (UNESCO), pertencente ao sistema da ONU, com sede em Paris. 

Como sabem, o Museu do Marajó nasceu em Santa Cruz do Arari no ano de 1973. Infelizmente, longe disto fomentar a paz social e o desenvolvimento local deu margem a desentendimentos abordados na obra autobiográfica do padre, O homem que implodiu... Na dita obra o leitor fica sabendo da partida dolorosa e chegada de Giovanni recebido de braços abertos pelas autoridades e o povo de Cachoeira do Arari, ano de 1983, e reabertura do museu ao público no Sesquicentenário do município, em 1984. Foi então que morto e enterrado o padre, o município de Santa Cruz se reconciliou com a sua memória patrocinando Exposição Itinerante do Museu do Marajó, com abertura no dia 7 de Setembro de 2003. Convidado, fiz palestra em nome da Companhia Paraense de Turismo (PARATUR) sobre a Cultura Marajoara na Câmara Municipal, terminando pelos presentes em assinar a Carta do Lago Arari ao Presidente da República.

Uma leitura destas não se fazia naquelas datas e ainda hoje acredito que raros pesquisadores se interessariam pelo assunto, naturalmente no capítulo da decolonização das periferias dos países americanos. Sabemos que a Amazônia é periferia da Periferia. O que ainda não percebemos é que das diversas regiões amazônicas, a Amazônia Marajoara - primeira cultura complexa da Amazônia -, apesar da riqueza natural e cultural apresenta ainda vergonhoso subdesenvolvimento humano. 

O Museu do Marajó nascido por necessidade e acaso em forma de ecomuseu e em sua evolução transformado em museu comunitário, indubitavelmente, deveria ser estrela de maior grandeza do MaB na Reserva da Biosfera no bioma fluvial e marinho da Amazônia. A morte física do padre Gallo, enterrado na imitação de teso ao lado do museu que ele mesmo inventou a partir de "cacos de índio" e da transformação da ruína de uma fábrica falida, em indústria cultural e turística "sem chaminés"; longe de constituir um término de história, poderá ainda ser a semente que há de ser árvore frondosa com sombra e frutos consagrados ao desenvolvimento humano da Criaturada grande de Dalcídio.

Com tamanhas esperanças tive eu elevada honra de representar o Museu do Marajó na I Reunião Regional Preparatória à primeira Conferência Estadual e Nacional de Meio Ambiente, realizada na histórica cidade de Muaná, na Ilha do Marajó, no dia 8 de outubro de 2003. Foi no lugar de memória da Adesão do Pará à Independência do Brasil na data maior de 28 de Maio de 1823, que foi assinada a Carta de Muaná solicitando providências para candidatura da Reserva da Biosfera do Marajó. Assinaram o documento, salvo engano, a prefeita de Muaná Ortensia Guimarães, o bispo diocesano de Ponta de Pedras, dom Alessio Sacardo; o secretário-executivo da AMAM, Leonardo Lobato; professor Vivaldo Reis, do Grupo de Estudos do Baixo Amazonas (GEBAM), Edna Marajoara, da Cooperativa de Mulheres Extrativistas do Marajó (CEMEM), Francisco de Paula Lucena, da ONG Campa, Sergio Prates, do Fórum De Desenvolvimento Local (DELIS), José Varella Pereira, pelo Museu do Marajó e outros presente.

A Carta de Muaná, ao contrário do esperado, não teve boa recepção pelo Governo do Estado do Pará: entre a Ilha e a Cidade grande parecia que a petição fora engolida pela cobra grande... O longo braço do latifúndio havia carimbado o indeferimento sumário de tal ideia... No Centro Turístico e Culturar Tancredo Neves (CENTUR) onde se realizou a I Conferência Estadual de Meio Ambiente precisou reação exaltada para a moção de Muaná prosseguir rumo a Brasília, logo uma nova petição agora com milhares de assinaturas, obrigou o pedido de Reserva da Biosfera do Marajó entrar em pauta e ser aprovada para seguir à discussão na I Conferência de Meio Ambiente, em Brasília. 

Na capital federal o pedido dos marajoaras não teve melhor recepção do que na capital estadual. Mas, o espirito de luta cabano se fez presente na pequena mas atrevida militância e foi assim, finalmente, que a proposta de Muaná foi debativa e aprovada no sentido de providência para candidatura, pelo Governo do Pará, do arquipélago do Marajó como reserva da biosfera. O governo paraense, entretanto, não moveu uma palha... 

Somente, no bojo do Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó, vulgo PLANO MARAJÓ, em 2007; a Reserva da Biosfera Marajó foi incluída no planejamento de ações do plano. Porém, enquanto era manifesta má vontade das autoridades e líderes empresariais paraenses, com raras exceções; sob equivocado juízo de que conservação ambiental "engessa o progresso"; responsáveis do MaB emitiam interesse pelo sucesso da proposta da Carta de Muaná. 

Para estes, a Reserva da biosfera marajoara deve visar sobretudo a faixa litorânea de mangues: deste modo, um primeiro passo deve ser iniciar o processo pela APA-MARAJÓ e continuar num segundo passo incluindo a faixa contínua de mangues do Amapá e Maranhão; para prosseguir pelas Guianas numa terceira fase. Masporém, a Criaturada sempre por fora dos debates...




Resultado de imagem para Astrocaryum vulgare


dormência do bioma do delta-estuário do Amazonas.

Se acaso o bioma do golfão marajoara, que nem o caroço lendário da primeira noite do mundo escondido dentro de uma semente de tucumã (Astrocaryum vulgare); carecia quebrar a dormência a fim do mito germinar do chão encharcado dos manguezais, campos alagados e varjas de maré nos embates titânicos do rio gigantesco e o mar profundo, pelas ilhargas do maior arquipélago fluviomarinho do planeta Terra. 

O interminável dia sem descanso dos negros da terra, sem lua, sem estrelas no céu, sem sonhos num mundo de dor e sofrimentos infinitos dominado pela cobra grande Boiuna, mãe dos peixes e dos homens. Sem quebrar o caroço do tucumã mágico não se poderia jamais quebrar o encantamento e quebrar a dormência pré-histórica. Na lenda amazônica, foram três escravos da mãe d'água mandados buscar a primeira noite escondida dentro de um caroço de tucumã no fundo do rio. 

Desta maneira inusitada, a humanidade filha da animalidade (cf. Edgar Morin) fica bem retratada na mitologia marajoara. Os escravos desobedeceram a matriarca opressora, que queria dar a sua filha a noite mítica como presente de casamento. Pobres homens transformados em macacos da noite por quebrar o segredo imemorial. 

Assim surgiu a primeira noite do mundo, com suas criaturas noturnas e a expectativa da primeira manhã da Criaturada depois da grande noite dos tempos míticos. Seria interessante estas cogitações despertar o empolgante programa da UNESCO para vir se revitalizar abeberando-se das grandes águas da Amazônia Marajoara nestas horas de crise Climática e queimadas assustadoras da Floresta Amazônica. 

"Deus criou o homem para dormir e sonhar", disse o índio herege ao inquisidor da primeira Visitação do Santo Ofício na Bahia (cf. "A heresia dos índios", de Ronaldo Vainfas). Deus ou Natura, penso eu com o filósofo Espinosa, deve ter criado o homem para sonhar com a Terra sem Males. A gente precisa saber. 



Foto de Palmira de Nazaré registrando entrega do primeiro exemplar da obra "Ato dos Ribeiros" ao seu autor Carlos Eduardo Ramos e o blogueiro da Criaturada José Marajó Varela, com 'boneca" do terceiro ensaio de sua autoria "Breve História da Amazônia Marajoara", na toca do caboco marajoara (Marambaia, Belém-PA, 23/08/2019).