quinta-feira, 30 de maio de 2019

Amigos do Museu do Marajó mobilizam-se em defesa da obra de Giovanni Gallo.

INVENÇÃO DO PRIMEIRO ECOMUSEU BRASILEIRO NO BERÇO DA ANCESTRAL CULTURA MARAJOARA. 



Giovanni Gallo (Turim - Itália, 27/04/1927 -- Belém do Pará, Brasil - 07/03/2003), foi um padre jesuíta italiano naturalizado brasileiro; criador do MUSEU DO MARAJÓ (1973) e autor dos livros "Marajó, a ditadura da água", "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" e da autobiografia "O homem que implodiu". Em 1981, recebeu título de Cidadão do Pará outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará e em 2000, o título de Cidadão do Turismo Paraense, do governo estadual. .




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Depois de 35 anos a funcionar na velha fábrica de indústria extrativista Oleoginosas Cachoeira do Arari (Oleica), adaptada em mutirão para receber o padre Gallo e o acervo vindo da vizinha Santa Cruz rio acima, o incrível O Nosso Museu do Marajó fechou suas portas sob determinação do Ministério Público em vista de laudo técnico do corpo de bombeiros diante de risco de incêndio, infiltrações de água de chuva, rachaduras de paredes e má conservação de material. Isto, enfim, não foi uma grande novidade nem o fato de que o museu vive de parcos recursos e da teimosia de uns poucos voluntários da comunidade... Como um velho barco fatigado de muitas viagens contra ventos e marés, o museu do Gallo encostou na beira e pediu ajuda... Uma longa e atribulada história que bem representa a longa e atribulada história do Povo Marajoara que se perde em tempos imemoriais dos povos indígenas do "Golfão Marajoara" (cf. Aziz Ab'Saber) onde o maior arquipélago fluvio-marinho do mundo preside os embates entre o gigante Amazonas e o oceano Atlântico, Amazônia Marajoara.

O "museu do Gallo" nasceu de um sonho impossível e nunca teve vida fácil desde seus primeiros dias em forma, por acaso, de "ecomuseu", no ano de 1973, tão simples e tão pobre ele nasceu tendo por parteiro o padre de uma pobre paróquia de interior; paradoxalmente em meio a um rico e antigo patrimônio natural e cultural que o Brasil menosprezou e o mundo esqueceu. 

Entretanto, contra todo pessimismo e dificuldades o bisonho arremedo de museu do padre de Santa Cruz do Arari floresceu e se transformou em um perturbador museu comunitário que questionava a consciência acadêmica, ainda no mesmo lugar, no ano de 1981, já com nome de Museu do Marajó. A pequena lagarta contestadora da beira do lago Arari virou borboleta libertária nos campos de Cachoeira!

A notícia inusitada chegou ao mundo pelas páginas dos jornais com reportagens semanais atrevidas do padre italiano que mexeu fundo com as "raízes" do premiado romancista do Marajó, inclusive através da fiel correspondência entre Maria de Belém Menezes, em Belém do Pará, e o romancista Dalcídio Jurandir, no Rio de Janeiro; dois dos melhores amigos do padre Gallo desde então. Curioso que o escritor era agnóstico e missivista filha do poeta Bruno de Menezes, conhecido anarquista e fundador da iconoclástica Academia do Peixe Frito. 

Comovido com o trabalho corajoso do padre, o autor de "Chove nos campos de Cachoeira" escreveu em carta a sua amiga Maria de Belém elogios à inventiva de Giovanni Gallo como fotógrafo extraordinário (poucos sabiam que ele era daltônico) na arte de registrar a paisagem humana em preto e branco. Dalcídio dizia da sua incontida admiração pelo etnógrafo que o padre se revelou entre os pescadores de Jenipapo, as crianças risonhas apesar da pobreza "são meus netos marajoaras" (citado na orelha da primeira edição do livro-reportagem de Giovanni Gallo, "Marajó, a ditadura da água".

Em 1983, sob pressão dos agudos conflitos constantes do livro autobiográfico "O homem que implodiu", padre Giovanni Gallo deixou sua querida Santa Cruz do Arari para nunca mais voltar. Ele desembarcou de mala e cuia na acolhedora Cachoeira do Arari a carregar toda aquela tralha bizarra e o peso dos conflitos acumulados naquela estranha experiência que o transformou de filho de proletário italiano em "caboclo marajoara" e lhe deu, merecidamente, direito à nacionalidade brasileira. 

Camillo Vianna diria que o padre dos pescadores do Arari -- chamado pela gente humilde Galo, Galinho, Lalá -- era de fato "o marajoara que veio de longe"... Quase dois anos depois da chegada na nova sede para limpar a fábrica convertida em curral de éguas, arruinada e inadimplente junto ao Banco da Amazônia. Gallo não recebeu de graça o espólio da usina Oleica, teve ele que pagar a dívida pública pendente dos antigos proprietários e vender o patrimônio do museu em Santa Cruz para o governo estadual. O senador Jader Barbalho, então governador do Pará, sensibilizado por amigos do padre concordou em facilitar a operação pacificadora em Santa Cruz com a remoção do museu para Cachoeira. Fato histórico notável que o filho do ex´governador agora, governador Helder Barbalho; aos 16 anos da morte de Giovanni Gallo tenha comparecido expressamente ao arruinado Museu do Marajó acompanhado da Secretária de Estado de Cultura, Úrsala Vidal; para prestar solidariedade à comunidade e dar providências assinando púbico compromisso no sentido de um projeto de revitalização da fase cachoeirense do Museu do Marajó. Iniciada por acaso, como a precedente fase de Santa Cruz, na coincidência do Sesquicentenário de emancipação do município de Cachoeira do Arari. 

Foi pena que o caboco amigo Vadiquinho, quando foi cutucar o padre Gallo na casa paroquial de Santa Cruz com um enigmático pacote de "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica encontrados ao léu, ajuntado dos restos de saque de sítios arqueológicos), feito presente de grego, não soubesse nadinha de arqueologia nem coisa nenhuma da história do Pará colonial velho de guerra: "... um amigo meu, o Vadiquinho, largou um embrulho em cima da minha mesa, com um sorriso um tanto provocador.
    -- aqui estão uns negócios que não prestam, como o senhor gosta. (Giovanni Gallo, "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" / "Aproveitando as coisas que não prestam": 3ª ed. Edições O Museu do Marajó, Cachoeira do Arari, 2005). 

Se o amigo Vadiquinho e seus parentes soubessem àquela hora o real valor dos "cacos de índio" oferecidos ao padre que gostava de "coisas que não prestam"; a singular história do lugar, seria ele com os seus a memória viva do território. Tal qual como o museólogo Hugues de Verine ensina. Assim, o enraizamento do conhecimento planetário, também, já estaria adiantado na comunidade local. 
Pena que "o homem que implodiu" não tivesse lido Dalcídio antes de inventar o museu. E que o padre dos pescadores do Jenipapo não se tivesse dado conta de que, no mesmo ano de 1972, em que o "índio sutil" saudado por Jorge Amado na Academia Brasileira de Letras, recebia o Prêmio Machado de Assis, no Rio de Janeiro; já em Santa Cruz do Arari sob "a ditadura da água" estaria inventando, por acaso, com os ditos "cacos de índio", o embrião do futuro renascimento da antiga Cultura Marajoara de mais de 1500 anos.

Pena que, em 1977 dois anos antes falecimento do escritor marajoara, em visita à fazenda Montenegro, em Chaves, Jorge Amado não tivesse conseguido ir a Ponta de Pedras, terra natal de seu camarada Dalcídio; e que também não tivesse ele tido oportunidade de ir a Cachoeira ver o chalé de Alfredo no romance "Chove nos campos de Cachoeira" e ainda em Santa Cruz conhecer o padre Giovanni Gallo com seu "sui generis" ecomuseu caboco (cf. Rodolfo A. Steiner, "A Ilha do Marajó na visita de Jorge Amado", edição do autor: Belém do Pará, 2004).

Pena que nem Dalcídio e nem o Gallo, àquela altura, não se encontravam bem a par da "descolonização" dos museus lançada na França pós-1968. Se o padre dos pescadores arariuaras soubesse da ideia inovadora de Georges Revière e Hugues de Verine, este um não teria ido logo ver que o famoso lago Arari, inteiro, configura naturalmente um extraordinário ecomuseu? Dalcídio, no seu auto exílio carioca, não iria então compreender que o Marajó todinho -- uma grande ilha-museu -- poderia ter sua Criaturada grandemente favorecida pela ideia de vanguarda da museologia ecocultural, mais a cartografia socioambiental; que lhe é inerente? Assim, com uma Educação ribeirinha intensiva seriam preparadas as comunidades de seus dezesseis municípios a reivindicar o repatriamento do patrimônio cerâmico levado dos tesos (sítios arqueológicos) da ilha do Marajó para fora, sem bilhete e sem adeus. 

Então, com o Projeto de Revitalização do Museu do Marajó (2019) em curso, o velho museu do Gallo estará dentro, de fato, da Rede ODS Marajó / AGENDA 2030, com o Governo do Estado do Pará em primeiro plano e a Associação dos Municípios do Marajó (AMAM) e com tudo juntos... A Criaturada grande de Dalcídio carece, em primeiro lugar se alfabetizar com as lições de Paulo Freire. Em seguida, alfabetizada como merece, esta gente saberia cobrar do Estado-Nação (Governo Federal, Governo Estadual e Municípios do Marajó) a dívida histórica desde a doação da outrora Ilha dos Nheengaíbas para criação da Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757), sucedida pelo Diretório dos Índios (1757-1798). Pois a gente precisa saber que sem Educação não há solução. 

Porém a educação que esta gente precisa carece de Cidades Educativas -- no caso, uma comunidade de 16 Municípios, a partir de Cachoeira do Arari em cujo território, no longínquo ano de 1686, surgiu o primeiro curral de gado vencendo o medo dos índios bravios, desertores e escravos fugidos (quilombos), que existiam nos "mondongos", centros da ilha; e que talvez a chamada "jebre" (áreas insalubres onde piratas e ladões de gado se escondem) seja vestígio das antigas malocas de rebeldes "nheengaíbas". 

Local, todavia, ideal para sítio da convenção Ramsar de proteção mundial de áreas úmidas, assim que de área-núcleo da desejada Reserva da Biosfera que espera ainda pela boa vontade das autoridades a fim de se tornar realidade na rede brasileira de reservas da biosfera, a par da Mata Atlântica, Cinturão Verde de São Paulo, Cerrado, Pantanal, Caatinga e Amazônia Central.

A gente marajoara despossuída de sua civilização ancestral (cf. Denise Shaan, "Cultura Marajoara": ed. SENAC, São Paulo, 2010) foi no passado vítima da animosidade de seus próprios antepassados indígenas vivendo em guerra uns com os outros. Seguida da invasão antropofágica da brava nação Tupinambá vinda através do Nordeste brasileiro em busca da mítica Terra sem Mal, pouco antes da chegada de Colombo (1492) no Caribe e de Pinzón (1500) na foz do grande rio Santa Maria de La Mar Dulce (Amazonas).

Cabral ainda não havia "descoberto" o Brasil e já o espanhol Vicente Pinzón tinha assaltado e arrancado da ilha Marinatambalo (Marajó) 36 índios (provavelmente aruãs) como "negros da terra" (escravos indígenas). Desta maneira, nosso Marajó velho de guerra, depois de inventar a primeira ecocivilização das terras baixas da América tropical (ano 400 da Era cristã), saía mal da pré-história amazônica para começar pior ainda na história das Índias Ocidentais (1492). Mas, como dizem os cabocos velhos, "o homem põe e Deus dispõe"... Desde a antiga terra dos Sacacas (Salvaterra) o "índio sutil", ganhador do Prêmio Machado de Assis (1972) escreveu 10 romances do ciclo literário Extremo Norte para dar testemunha da sua Criaturada grande. E, graças à Maria de Belém Menezes, filha do Bruno de Menezes, ele viu logo à distância que Giovanni Gallo, como um valente campeador, estava a dar concretude à literatura dalcidiana. Agora é hora dos amigos destes dois grandes marajoaras levar avante a obra comum.