quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

lembranças da Carta do Marajó-Açu.

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vista panorâmica da cidade de Ponta de Pedras, situada à margem esquerda do rio Marajó-Açu (foto captada by Google / blog Hiroshi Bogea). Em primeiro plano, entrada do bairro do Campinho onde Dalcídio Jurandir nasceu, no dia 10 de janeiro de 1909, em casa de seu tio Manoel Ramos, de quem Bernardino Ferreira dos Santos Filho fala ("Nas margens do Marajó-Açu": edição do autor, Belém do Pará, 1993, página 99). 

MEMÓRIA DO GDM


Durante vinte anos, de 20 de dezembro de 1994 até fins de 2014, um grupo de filhos e amigos do Marajó dedicou-se ao denominado GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM) tendo por base além da Constituição Federal, da Constituição do Estado do Pará e Leis Orgânicas dos Municípios alvo; a Carta do Marajó-Açu assinada na cidade de Ponta de Pedras, em 30 de abril de 1995, no encerramento do décimo e último Encontro em Defesa do Marajó.

Cria da Sociedade de Proteção dos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN), herdeiro da educação socioambiental e dez Encontros Em Defesa do Marajó anuais realizados em municípios marajoaras em cursos de extensão da Pro-Reitoria de Extensão (PROEX), da Universidade Federal do Pará (UFPA),  nos anos 80 e 90, desde a criação do campus da UFPA em Soure (1986); por duas décadas o GDM, deliberadamente, sem organização formal, sem sede oficial e sem estatutos; manteve-se fiel ao princípio cidadão de convivência reunindo crentes e não crentes, membros de partidos e ideologias diferentes no único propósito de convergir na defesa da gente e da cultura marajoara. 

Creio que a prática solidária é o maior exemplo que o GDM deixou às novas gerações militantes da causa marajoara. Por isto resolvi escrever estas lembranças, naturalmente, com as falhas da memória. 

Como militantes adotamos a premissa: "Nós nada fazemos, todavia enquanto cidadãos pressionamos eleitos e autoridades a fazer o que devem". Ou seja, sem radicalismos e sem faltar à civilidade, eramos um incômodo grupo de pressão atentos para não nos deixar seduzir pelo poder, mas agir sobre ele sempre que possível. 

Na verdade, o GDM "morreu" quando seus derradeiros militantes aderiram ao Movimento Marajó Forte na esperança maior de ver prosperar a candidatura da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó) à Reserva da Biosfera reconhecida pelo programa O Homem e a Biosfera (MaB), da UNESCO. E, por fim, a criação da Universidade Federal do Marajó

O sonho da Carta do Marajó-Açu , contudo, não morreu. Estuário de muitos sonhos que se renovam, o balanço de 2017 aponta a um considerável nível de consciência e amadurecimento que merece reflexão coletiva e compartilhamento. Grandes desafios nos aguardam em 2018, todavia acumulamos conhecimentos e energias que darão, com certeza, às novas gerações discernimento para fazer progredir o desenvolvimento humano da Criaturada grande de Dalcídio. 

Que é o que mais deve nos interessar. 


CIRCULO OPERÁRIO by <a href='http://www.panoramio.com/photo/53097015' target='_blank'>CARLINHO TEIXEIRA</a>
Círculo Operário de Ponta de Pedras (foto Carlinho Teixeira): onde a Carta do Marajó-Açu foi assinada sob coordenação do Pro-Reitor de Extensão da UFPA, Camilo Martins Viana; presenças de Bernardino Ribeiro, Prefeito de Ponta de Pedras; Pedro Lucena, Prefeito de Cachoeira do Arari; Ademar Feio, representante do Museu do Marajó; Antônia Teixeira, representante da Associação Musical Antônio Malato (AMAM), José Varella Pereira, representante do Grupo em Defesa do Marajó (GDM) e mais pessoas. 


O QUE A GENTE AINDA HÁ DE QUERER? 

* Repatriamento da cerâmica arqueológica, mediante prévio fortalecimento do Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, com amparo oficial à Associação O Nosso Museu do Marajó a fim de preparar a comunidade ao acontecimento histórico. Capacitar associados do museu a participar de atividades educacionais, culturais e turísticas integradas a projeto de cooperação internacional coordenado pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) junto a museus estrangeiros detentores de peças e coleções de cerâmica marajoara.

* Uma educação ribeirinha integral respeitosa das tradições do povo marajoara afro-ameríndio descendente, culminando na criação de universidade multicampi envolvendo toda comunidade de municípios da mesorregião Marajó. De modo que as comunidades venham a ser protagonistas da demanda pelo IDH, do reconhecimento da Reserva da Biosfera do Marajó e outros esquemas semelhantes visando a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

* Um sistema integrado de Saúde física, mental e social contemplando a diversidade étnica e cultural da gente marajoara, fundado no diálogo entre a medicina moderna e tradicional dos pajés, curadores, rezadeiras e parteiras. Com que Marajó possa se apresentar como referência regional de sustentabilidade no Brasil e no mundo em meio à Mudança Climática.

Em suma, esta é uma atualização dos anseios expressos, há 22 anos, na Carta do Marajó-Açu.



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Academia Brasileira de Letras (ABL), o escritor Jorge Amado
entrega o Prêmio Machado de Assis 1972 a Dalcídio Jurandir.

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Foto da comemoração do Centenário de Dalcídio Jurandir, em Ponta de Pedras, no dia 10-01-2009 – com a presença dos filhos José Roberto e Margarida (acervo fotográfico da Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, Niterói-RJ).

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Nas águas do dilúvio a casa de Dalcídio em Cachoeira do rio Arari se transforma em navio encantado.

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Batido de vento e chuva em meio à indiferença dos poderosos da cultura nacional, que nem os tesos de camotins pisoteados pelo gado do vento, rês sem dono; entregue à triste ignorância local e olvidado pela soberba arqueologia do esquecimento mundial; o chalé do "Chove" tombado no patrimônio municipal foi, literalmente, tombado ao chão, sem dó nem um pio de ai Jesus! Sem tugir nem mugir, vítima expiatória no altar da leniência oficial. 

Tomara que não aconteça, porém o primeiro ecomuseu da Amazônia ou museu comunitário marajoara - O Nosso Museu do Marajó - se arisca a ter destino igual ao do chalé do Chove. Todavia, apesar da ruína material; na paisagem cultural da obra de Dalcídio Jurandir e na memória coletiva de seus fiéis leitores a casa de Alfredo continua de pé, imbatível, cheia de amor e fé na Criaturada grande. A majestosa árvore Folha-Miúda, plantada em letras imortais no espaço entre o chalé e a beira do rio ancestral do índio sutil; renasceu feito perfeito ecomuseu guardando, a par da Criaturada; sonhos e pesadelos do menino Alfredo com o caroço mágico de tucumã sempre à mão e no alto pássaros a tecer ninhos nas verdes ramas, por onde o pirralho contemplava estrelas no infinito. 

Hoje a velha Cachoeira do rio Arari, no sonho da criaturada, é vasto museu ao ar livre que se torna cobra-canoa Boiuna para atravessar a baía do Marajó rumo a Belém do Grão-Pará e o rio Arari para a outra margem em direção à vila de Ponta de Pedras onde o romancista nasceu. O Chalé se alberga agora na imaginação de "cacos de índio", bezerro de duas cabeças, o horroroso Viramundo e mais instrumentos de tortura de escravos, computadores socioeducativos do Gallo, peças de cerâmica marajoara salvas das patas dos búfalos e a diversidade dos acervos memoriais do museu do padre dos pescadores, afilhado de São Pedro Safadinho. A salvo de mil e um dilúvios de temporada invernosa e da falência da fábrica Oleica, pela invenção do sui generis museu, em meio a balanços de perdas e ganhos dos incentivos fiscais da velha SUDAM; transformada por acaso em curral das éguas... Antes que o padre para nunca mais, saindo de Santa Cruz rio abaixo; viesse se mudar, de mala e cuia, em Cachoeira a fim dele não implodir logo na primeira fase do inacreditável museu marajoara. O museu é nosso e esse rio é nossa rua, cheio de encantos mil na pletora de caruanas que desafiam a física quântica na universidade da maré.

A partir dessa vetusta arca de noé ou jangada de cerâmica marajoara, braços de rios, lagos e igarapés tecem a rede aquática reunindo 16 municípios, cada um com seu ecomuseu ou museu comunitário interligado a Cachoeira do Arari pelo mesmo curso de rio e mar da memória. Já dizia o payaçu dos índios Antônio Vieira, em carta a el-rei, que ele foi levar a Mapuá as pazes do reino de Portugal com "índios cristãos" (na verdade, tupinambás inimigos hereditários dos "malvados" (marajós), ditos nheengaíbas) aos pagãos rebeldes da Ilha dos Nheengaíbas (Marajó). Diz ele que viajou com tropa de Cametá por dias e noites contínuos através de ruas, travessas e praças d'água dentre floresta submersa. 

Mundo hídrico onde homens se moviam mais de braços e remos, do que andavam a pé. Ali na vastidão de águas amazônicas montaria não era cavalo ou boi de sela, mas canoa a remos... Tal é o caso da casa-ecomuseu a bem navegar águas da memória: ancorar em Soure e Salvaterra a salvar o palimpsesto que o jovem Dalcídio trazia de Gurupá, passagem das Ilhas com estada no rio Baquiá; um bordejo na casa dos Alcântaras, em Belém; voltar a Cachoeira pernoitando na ilha de Santana para descobrir que o menino Alfredo já era homem feito e a Ponta de Pedras em canoa a remo através do Furo das Laranjeiras e do Rio Canal para varar ao Marajó-Açu que deu nome a toda ilha grande... Pegar o Ita do Norte para o Rio de Janeiro, viajar ao Guaíba, passar por Porto Alegre para escrever o primeiro romance proletário brasileiro, Linha do Parque, na cidade portuária de Rio Grande... Depois na mansarda da rua das Laranjeiras, que nem um frade beneditino, navegar e navegar o rio da memória até ancorar, enfim, em Ribanceira, derradeiro romance, sito à margem do maior rio do mundo, Amazonas. Em Gurupá, lembranças do fim da época da Borracha ao pé forte português que rompeu a "linha" de Tordesilhas. 









domingo, 27 de agosto de 2017

A MIRACULOSA ADESÃO DO MARAJÓ MALVADO AO REINO DE DOM SEBASTIÃO RESSUSCITADO EM CAMETÁ.

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Naquela data apagada e distante de 27 de Agosto de 1659, no calendário histórico do Brasil e Portugal entre chuvas e esquecimentos da floresta amazônica, por acaso ou milagre no coração da ilha grande do Marajó, deu-se a impossível Paz dos Nheengaíbas encerrando 44 anos de guerra colonial envolvendo Espanha e Portugal de uma parte e França, Holanda e Inglaterra de outra. Guerra amazônica a partir da tomada da França Equinocial (São Luís do Maranhão) por portugueses e tupinambás de Jaguaribe (Ceará), em 1615, debaixo da União Ibérica (1580-1640), durante o reinado de Felipe II de Espanha, primeiro de Portugal a partir de 1581 até a Restauração da independência da monarquia portuguesa, em 1640. Felipe expandiu o domínio espanhol a Portugal, Flórida e Filipinas, estabelecendo o famoso império onde o sol nunca se punha.


CONTEXTOS E PRETEXTOS

Hoje mais uma vez, desde 1999 com a Novíssima Viagem Filosófica, lembro a lábia do padre grande a descrever em grandes tintas uma história largamente inverossímil posto que delirante e termina nos surpreendendo por revelar, há três séculos e meio, uma geografia de outro mundo onde diversas criaturas comparecem ao cenário amazônico a sair diretamente do paleolítico para um pesadelo colonial a par da destruição das Índias pintada pelo dominicano Las Casas.

E apesar de tudo, arvorar o estandarte da esperança humana e da paz mundial no reino de Jesus Cristo na terra mediante aquelas maquiavélicas tratativas de pazes com o Marajó rebelde em acordo com famigerados nheengaíbas e com eles - conforme a utopia evangelizadora das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia e a profecia messiânica do livro de Isaías de um novo amanhecer para o mundo inteiro -, tímido fundamento das aldeias irmãs de Aricará (Melgaço 1758) e Arucará (Portel 1758): prova material da missão para além de toda retórica e invenção, encalhando três séculos e meio depois no pior IDH do Brasil (Melgaço - Pará).  

Deve agora o viajante do tempo, nesta trilha indelével da terra Tapuia, andar armado de imaginação pelas margens do texto seiscentista que o padre grande dos índios deixou junto à metáfora da carta-patente enviada aos caciques da língua ruim na ilha dos Nheengaíbas e que, talvez, somente em 2030 com ajuda do Papa Francisco e o concurso especial da ONU descendentes dos nheengaíbas a poderão ler sem erro. Se houver amanhã para a Criaturada grande de Dalcídio Jurandir. 

Primeiramente, sem que Vieira tivesse escrito uma linha seque sobre este assunto primordial da história indígena da Amazônia portuguesa; convém lembrar do front ardido entre guerreiros Tupinambás e guerrilheiros Nheengaíbas, respectivamente, nas margens direita e esquerda do Pará antes de qualquer europeu dar as caras por estas paragens do meio do mundo.

Recordar a complicada e invisível linha cartográfica ultramarina do tratado luso-castelhano de Tordesilhas (1494) na Amazônia: famoso "testamento de Adão" homologado pelo papa Alexandre VI para evitar a guerra entre os reis de Espanha e Portugal e, no entanto, mais depressa atiçou a cobiça da França, Holanda e Inglaterra ao saque das Índias Ocidentais para desgraça geral de índios e índias. 

Enfim, o viajante destes desmedidos sertões e até então desconhecidos rios da Babel indígena não pode esquecer da morte de El-Rei Dom Sebastião em batalha contra os mouros no Marrocos, no ano de 1578. Há que lembrar que até hoje o rei está vivo na cultura popular, notadamente na figura pétrea de Rei Sabá na beira-mar de São João de Pirabas, no Pará. 

O extraordinário processo da lenda maravilhosa do sebastianismo urdido pelas esperanças do povo português, que nem o culto do Espírito Santo nas ilhas dos Açores chegou ao Brasil com casais de imigrantes. E o prodígio poético dos versos proféticos do sapateiro Bandarra, nato da vila de Trancoso (Portugal), chegados também na bagagem cultural dos açorianos no Maranhão e Grão-Pará, enganados estes uns por falsas promessas do paraíso nas terras de virgens florestas equatoriais. Estavam cegos, ainda que lhes tivessem avisado dos índios antropófagos, das doenças tropicais e das feras da selva os pobres não veem perigos quando sonham encontrar tesouros, tal qual no ano de 1654 o padre Vieira falou no Sermão aos Peixes, em São Luís vindo de Belém do Pará, quando estava ele em viagem a Portugal em demanda da lei de abolição dos cativeiros de 1655.

Preso em seu labirinto, o padre grande dos índios recebeu a notícia da morte do rei amigo e protetor como uma sentença fatal contra a Missão do Maranhão, Ceará e Grão-Pará: em seu espírito o célebre "estalo" poderia adverti-lo de que precisava antecipar a partida e retornar a Europa. Seus inimigos escravagistas e antissemitas não tardaram a lhe preparar a cama. Isto é, a armadilha. Em sua solidão no Grão-Pará afastado da corte ele iria arriscar tudo, como se poderá perceber do encadeamento de acontecimentos entre 1656 até sua violenta expulsão pelos colonos do Pará, em 1661, e deportação a Portugal onde o Santo Ofício já o esperava colhendo a teia de intrigas coloniais.

A Câmara de Belém do Grão-Pará havia requerido ao governador do estado do Maranhão e Grão-Pará, Andre Vidal de Negreiros no cargo de 1555 a 1656, a "guerra justa" (extermínio e cativeiro) contra os índios nheengaíbas acusados de pirataria e rebeldia. Vidal de Negreiros era aliado de Vieira na execução da lei de liberdade dos índios (1655), autorizado pelo rei a castigar os índios das ilhas, o governador adiou as operações dando tempo aos padres de Santo Alexandre de evitar a guerra que, pela voz de Vieira advertia que a guerra contra os nheengaíbas seria impossível de vencer. 

Sobretudo pelo fato de que os "índios cristãos" (tupinambás catequizados) depois de quarenta anos de correrias, massacres, fadigas, epidemias e cativeiro já não possuíam o antigo ardor guerreiro. Enquanto os bárbaros falantes da língua ruim, confiados na fortaleza natural de sua ilha recortada de canais, hábeis canoeiros com suas canoas à vela e população estimada em vinte e tantos mil habitantes, mais depressa poderiam revidar do que vir a ser dizimados como ovelhas. 

Evidentemente, o convento de São Alexandre havia escravos indígenas capturados pelo tupinambás entre os próprios nheengaíbas... Logo, esses cativos através da língua-geral informavam a maioria de dados que Vieira repassava em cartas. O governador Vidal de Negreiros chegou a propor à Câmara de Belém a transferência da capital do Pará para Joanes, na ilha do Marajó. Todavia os moradores da Cidade do Pará não aceitaram, insistindo na "guerra justa" para extinção e cativeiro dos odiados Nheengaíbas... 

A Junta das Missões solicitou, então, adiar a guerra enquanto uma missão de paz com escolta militar e remadores tupinambás era dirigida à ilha dos Nheengaíbas sob ordens do padre João de Souto Maior auxiliados pelo padre Salvador do Vale. A missão terminou em desastre com mortos e feridos atacados de surpresa pelos insulanos, em fins de 1655. O ano de 1656 acrescentou à morte de Dom João IV o desastre da viagem ao ouro do rio Pacajá, onde Souto Maior morreu de febres e fadiga junto com companheiros de aventura. 

Nestas trágicas circunstâncias, em Cametá Vieira escreveu a célebre carta secreta ao bispo do Japão, com título de As Esperanças de Portugal datada de 29 de abril de 1659: documento especulativo no qual se adivinha inspiração no trabalho As Esperanças de Israel de autoria de Menassé ben Israel, rabino da comunidade portuguesa de Amsterdã (Holanda), nascido Manoel Soeiro, na Ilha da Madeira (Portugal). Menasse ben Israel foi mestre do filósofo Baruch de Espinosa e a cabo de uma divergência teológica irremediável terminou por excomungá-lo do judaísmo. Em sua obra, Israel sustentava que os índios da América seriam descendentes das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia, o que Vieira nunca assumiu explicitamente, mas inúmeras vezes manifestou preferência pela "liberdade" do índio em detrimento da escravidão dos negros. Sendo que o payaçu dos índios, havia uma avó afrodescendente por parte paterna, criada da casa do conde de Unhão...

Por que Vieira não esperou chegar a Portugal de regresso para começar a batalha do Quinto Império? Talvez por que antes de partir definitivamente do Maranhão e Grão-Pará quisesse ele dar constância de seu zelo para afastar das águas amazônicas a presença do Herege holandês: explicação da parte final da carta com a notícia das pazes dos Nheengaíbas dali em diante amigos dos portugueses e súditos do rei de Portugal. 

Diz o padre, o Pará com esses Nheengaíbas por sentinela na guarita do Norte fica seguro a qualquer pretensão estrangeira. Significa dizer, sem este acordo com os índios da ilha do Marajó "malvado", o Pará poderia ter sido holandês em continuidade do comércio e amizade com os mesmos Tucujus, Aruãs, Anajás, Mariocais e outros mais (nuaruaques ou nheengaíbas) desde fins do século XVI. Daquela maneira, o padre Antônio Vieira certamente queria dar resposta a seus acusadores do Papel Forte (conselho a Dom João IV para trocar Pernambuco pelo reconhecimento da independência de Portugal favorecendo ao reingresso de capitais e famílias de judeus portugueses ao país natal). 

Esta falha foi motivo de desgosto do rei e atrito no seio da Companhia de Jesus que intimou o padre jesuíta a ser missionário no Maranhão ou sair da ordem. Que melhor oportunidade para regressar a Portugal, agora que a rainha viúva estava na regência do filho durante a menoridade deste? A notícia da paz dos Nheengaíbas ficou por último na longa carta impressa em Lisboa em 11/02/1660, apenas três meses depois de escrita no Pará e envidada ao reino.

Significativamente, com o conhecimento desta carta e sabedor da expulsão do padre (1661) e desgraça deste em Portugal perante o Santo Ofício, o secretário de estado Dom Antônio de Sousa de Macedo deliberou requerer para si e seus herdeiros a Ilha dos Nheengaíbas (Marajó) como capitania da Ilha Grande de Joanes (1665). Seria talvez uma maneira de salvar o mínimo do plano civilizador do padre grande. Para tanto dirigiu requerimento a Dom Afonso VI, cerca de 1663, não antes de se cercar de cuidados pedindo informações ao governador da Capitania do Grão Pará, Luís Vasconcelos de Sequeira e do capitão-mor Aires de Sousa Chichorro, da dita capitania.  

No requerimento, o donatário animado pelas informações recebidas, inclusive sobre o Pesqueiro Real com os índios Joanes que já estava em curso, prometeu fundar uma vila com nome de Santo Antônio para sede da capitania e destinar aos índios da ilha grande seus próprios territórios tradicionais, além de zelar pela segurança da fronteira vizinha e expansão da conquista lusitana no rio das Amazonas.

Entretanto, apesar da boa intenção do patriarca dos Barões de Joanes, sabe-se que nem as promessas do padre Antônio Vieira aos seus nheengaíbas, nem os compromissos da capitania resultaram em bem para os desiludidos e abandonados índios. Os quais debandaram com a notícia da prisão e expulsão do payaçu e novamente caçados como escravos pelos colonizadores voltaram a seus costumeiros assaltos às aldeias de "índios mansos" (escravos dos portugueses), praticando contrabando em parceria com traficantes da Guiana francesa, os quais atravessavam por dentro do rio Jari vindo sair debaixo dos canhões do forte de Gurupá, passando pintados de urucu junto a índios de verdade. 

Assim, de nada valiam as cartas de sesmaria pois os Aruãs façanhudos e seus parentes continuavam os mesmos "marajós" valentes e malvados a se defender dos inimigos com suas emboscadas mortais. Até que, em 1680, vencendo o medo dos índios bravios, desertores e escravos fugidos (mocambos) existentes nos centros da ilha, o carpinteiro Francisco Rodrigues Pereira atravessou umas cabeças de gado e cavalos cabo-verdiano que estavam em Belém e levantou o primeiro curral no rio Mauá, hoje no município de Cachoeira do Arari. 


A "HISTÓRIA DO FUTURO"AINDA TERÁ FUTURO?

Diz a sabedoria popular: A rico não devas e a pobre não prometas. As promessas e compromissos de Portugal inseparáveis do uti possidetis de 1750, no que tange a Amazônia lusitana, passaram por sucessão hereditária ao Império do Brasil mediante a Adesão do Pará à Independência em 1823. Trata-se, evidentemente, de uma longa cadeia de sucessão condominial de uns cinco mil anos passados considerada a criaturada grande paleo-Índia. 

No meio da ancestralidade nativa se insere a primeira civilização amazônica - a Cultura Marajoara -, todavia desta não se teve notícia antes do século XVIII, com a segunda expulsão dos Jesuítas (1759): por ironia da história, 100 anos depois da Paz de Mapuá! Quando o inspetor da ilha do Marajó, Florentino da Silveira Frade, fazia inventário para o Marquês de Pombal desapropriar as fazendas da Missão dos padres e topou ele, pela primeira vez, com um teso (sítio arqueológico), no dia 20 de novembro de 1756. Coincidência atualmente com o DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA e que eu acho deveria ser oficializado também como o Dia Nacional da Cultura Marajoara, lembrando inclusive que os primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul foram arrancados pelo navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón, piloto de Cristóvão Colombo; da ilha "Marinatambalo" [Marajó], cerca de 20 e poucos dias de janeiro de 1500.

Florentino ficou muito admirado da engenharia do barro pelos antigos índios do Marajó, construtores de aldeias suspensas acima de campos e "ilhas" de matos inundáveis onde tiveram malocas, cemitério e roças férteis com manivas excelentes que ele cuidou de arrancar, levar e replantar atestando a precocidade da planta e alta qualidade da mandioca cultivada há muitas gerações à ilharga de "igaçabas" [comotis] de cerâmica guardando caveiras de muita antiguidade.

Era o teso do Pacoval do rio Arari (cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó, 1783), sito ao Igarapé do Severino, donde foram levadas as primeiras cerâmicas marajoaras pré-colombianas para a Exposição de Chicago (EUA, 1898). Deste sítio arqueológico, provavelmente, ladrões de gado recolheram "cacos de índio" que chegaram às mãos de amigos do padre Giovanni Gallo, de Santa Cruz do Arari, com que o pároco começou, em 1973, o famoso O Nosso Museu do Marajó.  

Hoje, cerca de 600 mil marajoaras estão desnorteados a ver navios e não enxergam uma saída para a crise da região. Que nem o padre grande dos índios encontrava-se em seu labirinto amazônico, até o famoso "estalo" lhe ocorrer a ressurreição de Dom João IV que nem antes Dom Sebastião havia voltado à vida na pessoa do Conde de Bragança. Foi então que Vieira, vencendo seus receios sobre as águas profundas do rio dos Tocantins, a caminho de Cametá, proclamou "Bandarra é verdadeiro profeta!". 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A VOZ DO MARAJÓ

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Padre Antônio Vieira (Lisboa-Portugal, 1608 - Salvador-Bahia, 1697) - Primeiro comunicador da ilha do Marajó no mundo português, deu em primeira mão a notícia da paz de 27 de Agosto de 1659 entre Nheengaíbas e Portugueses, celebrada na Igreja do Santo Cristo da aldeia dos Mapuás (agora Reserva Extrativista de Mapuá - Breves), segundo a Carta a El-Rei Dom Afonso VI datada de 29/11/1659 publicada em 11/02/1660.  Naquela carta histórica, pela primeira vez, se tem melhor descrição da famigerada ilha grande vista ao longe e da gente que nela habitava falada como "canibal", acusação que pesou sobre habitantes da aldeia de Joanes que, supostamente, haviam assassinado e devorado o padre Luiz Figueira e seus companheiros náufragos na Baía do Sol, em 1643. O próprio "padre grande" contribuiu para divulgar o preconceito somente comprovado falso pelos estudos etnográficos de Kurt Nimuendajú, no século XX. 





1º ENCONTRO DE COMUNICADORES DO MARAJÓ,
Salvaterra - Pará, 8 de Setembro de 2017.


Comunicação é uma palavra derivada do termo latino "communicare", que significa "partilhar, participar algo, tornar comum". Através da comunicação, os seres humanos e os animais partilham diferentes informações entre si, tornando o ato de comunicar uma atividade essencial para a vida em sociedade.



No próximo dia 8 de setembro ocorrerá o primeiro ENCONTRO DE COMUNICADORES DO MARAJÓ, em Salvaterra, Marajó-PA, a ter lugar no Centro de Convenções da Pousada dos Guarás. O evento vai reunir nomes da comunicação e da política nacional a respeito da importância da comunicação social para o desenvolvimento local e a integração regional do Marajó, com seus 16 municípios somando em conjunto população aproximada de 600 mil habitantes.

Evento organizado pela Federação Nacional dos Comunicadores (Fenacom), Regional Marajó, com objetivo de aproximar todos envolvidos no processo de comunicação dos municípios da região, mapeando comunicadores que atuam no Marajó, seja em mídias convencionais ou redes sociais fortalecendo a troca de informações e minimizando o isolamento geográfico entre os marajoaras, que dificulta e prejudica o desenvolvimento da vasta e rica região das ilhas.

Segundo Dário Pedrosa, da Regional Marajó/Fenacom, “Não sabemos ainda quantos veículos temos no total e nem quantos profissionais atuam, mas estamos avançando na identificação deste mapa e temos bons resultados. Só no grupo de whatsapp, que é a ferramenta que estamos usando agora para esta integração, já temos mais de 90 profissionais envolvidos, mas ainda faltam uns dois municípios”, pontuou ele.

A programação do encontro e mais informações sobre o evento podem ser obtidas junto à Fenacom Marajó pelo whatsapp (091) 98209-5478. Cá do meu cantinho, o Nheengaíba saúda os patrocinadores e participantes do primeiro Encontro, desejando-lhes que o mesmo se reproduza por muitas oportunidades no futuro e aproveita a ocasião para frisar os seguintes pontos, que após o encontro de Salvaterra ou no decorrer dele, possam merecer a reflexão no sentido do aperfeiçoamento ético e social da relação comunicador - público alvo:


1) Em primeiro lugar, é justo preocupar-se pela educação continuada dos comunicadores sociais voltados para comunidades regionais portadoras de cultura tradicional, como é o caso das diversas localidades da mesorregião Marajó. O cuidado com este trabalho pode ser recompensado pela preservação do patrimônio cultural e a conservação do meio ambiente, valorizando o turismo, hospitalidade de nossas cidades e a qualidade de vida da população.


2) Todavia, os comunicadores do Marajó devem estar cientes de que cerca de 50% dos marajoaras não sabem ler nem escrever. Além destes últimos, grande parte dos que sabem ler e escrever é constituída de analfabetos funcionais incapazes de interpretar um texto, não tem hábito de leitura nem acesso a livros. É claro que a comunicação fica muito prejudicada num meio social assim em desvantagem a empregos e investimentos públicos ou privados nos municípios. 


3) Em tais circunstâncias dramáticas advindas do baixo IDH, nós devemos levar em conta a importância estratégica da radiodifusão, especialmente da rede de rádios comunitárias em conexão diária com a Rádio Cultura do Pará, por exemploSomam-se a isso diversas rádios Web como oportunidade de levar informação e entretenimento a comunidades das ilhas do "maior arquipélago fluviomarinho do mundo". Mais de 2000 mil ilhas onde, aproximadamente, 500 e tantos "aldeias" (comunidades locais) "escondem", a bem dizer, a gente marajoara citada com destaque na Constituição do Estado do Pará como destinatária da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (Parágrafo 2º, VI, Art. 13). A primeira APA da Amazônia e que, pela dimensão e complexidade, deveria ser motivo de atenção nacional e internacional, levando a bom termo a candidatura do Marajó como a sétima Reserva da Biosfera brasileira dentre a Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Serra do Espinhaço, Pantanal e Amazônia Central, no programa Homem e Biosfera (MaB), da UNESCO.

4) Em assunto de comunicação social no Marajó, o onipresente radinho de pilha é "gênero" de primeira necessidade, objeto de estimação que já teve, tem e terá papel fundamental na comunicação da cidade para o mato e beira de igarapé. A notícia em lá chegando, cria pernas e bocas por meio da famosa "rádio cipó"... Claro está que os Comunicadores do Marajó devem ter grande consideração da rádio cipó como aliada e extensão da rede de rádios comunitárias, com um zelo verdadeiramente antropológico. 

5) Ora, não quero nem posso esperar que comunicadores se tornem educadores para alfabetizar esta gente largada aí em plena maré entre chuvas e esquecimentos. Porém acho que os Comunicadores solidários podem e devem chegar juntos a professores e professoras. Dar uma palavra de vez em quando para mobilizar todo mundo em favor da AGENDA 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), lembrando a prefeitos, vereadores e deputados que o ANALFABETISMO é um estigma da sociedade e que ninguém pode mais ficar pra trás.

6) O maior inimigo da gente marajoara é o analfabetismo que escraviza e exclui o povo das oportunidades que surgem. Não podem as cidades crescer e sentirem-se seguras cercadas pelo interior sofrido... Os comunicadores devemos ter humildade de aprender duplamente: com os humildes que no dia a dia abastecem as melhores classe sociais e que tem ainda parte do conhecimento tradicional que se vai perdendo irremediavelmente... De outra parte com as universidades atuando em nossa região, através da extensão em educação continuada de modo a fazer desta Comunicação um instrumento de justiça e paz para todos.

7) Próximo a completar meus 80 anos de idade, sei que é inteiramente possível a cada uma de nossas cidades se tornar uma cidade educadora e que outras terras usaram com sucesso rádio, TV, igrejas, clubes, associações, voluntários e uma infinidade de recursos para derrotar o analfabetismo. Quisera eu, então, ter a merecendência de escutar ou ler notícia oficial declarando nosso Marajó velho de guerra LIVRE DE ANALFABETISMO. Para isto, acredito e boto fé que Salvaterra, que em 1939 com seus caruanas inspiradores, teve a subida honra de assistir o parto do romance "Chove nos campos de Cachoeira" e "Marajó", ambos de autoria do nosso "índio sutil" Prêmio Machado de Assis (1972), Dalcídio Jurandir; poderá esta antiga vila dar partida a um processo de comunicação libertadora.

Desde já desejo feliz e frutuoso Encontro a todas e todos Comunicadores do Marajó e seus convidados.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A História serve pra quê?

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"E é admirável a propriedade desta diferença, porque em toda aquela terra, em que os rios são infinitos, e os maiores, e mais caudalosos do mundo, quase  todos os campos estão alagados e cobertos de água doce, não se vendo em muitas jornadas, mais que bosques, palmares e arvoredos altíssimos, todos com as raízes e troncos metidos na água; sendo raríssimos os lugares por espaço de cento, duzentas e mais léguas, em que se possa tomar porto, navegando-se sempre por entre árvores espessíssimas de uma e outra parte, por ruas, travessas e praças de água, que a natureza deixou descobertas e desempedidas do arvoredo. E posto que estes alagadiços sejam ordinários em toda aquela costa, vê-se este destroço e roubo, que os rios fizeram à terra, muito mais particularmente naquele vastíssimo Arquipélago do rio chamado Orelhana e agora das Amazonas...

(História do Futuro, Padre Antonio Vieira, Lisboa 1718, Belém: SECULT, 1998, p. 301) 



Primeiramente, o "vastíssimo Arquipélago" de que, há 350 anos, o payaçu dos índios falou nas páginas barrocas da profética História do Futuro, é de fato o maior arquipélago fluviomarinho do planeta (chamado na historiografia colonial ilha dos Nheengaíbasilha dos AruansIlha Grande de Joanes, ilha do Marajó, em tempo pré-colombiano dito Analau Yohynkaku em língua aruã) do fim da história neocolonial da Amazônia.

O arquipélago do Marajó situado no delta-estuário do rio Amazonas é um mundo com potencial de Países Baixos dos trópicos: foi aí que nasceu a ecocivilização amazônica. E vocês sabem que, comparada a outras mais velhas, uma jovem civilização do Trópico Úmido de pouco mais de mil anos é uma criança que ainda tem muito para crescer. Para que isto aconteça, urge a gente marajoara se descolonizar. 

A Amazônia Marajoara, formada de uma parte insular e parte continental bem definidas, tem mais ou menos duas mil ilhas, grandes e pequenas, mais a rica microrregião continental de Portel, totalizando 104 mil quilômetros quadrados de superfície. Este antigo espaço territorial abriga hoje mais de 500 "aldeias" (comunidades locais), 16 municípios com suas respectivas cidades; onde algo como 600 mil marajoaras se acham no mundo e revelam potencial geopolítico de futuro estado amazônico brasileiro. Ou até de país independente, se assim as condições históricas e políticas regionais ensejarem no porvir; à semelhança de São Tomé e Príncipe, Timor Leste ou Cabo Verde este país constituído por dez ilhas somando cerca de 4.000 mil quilômetros quadrados e tendo menos de 500 mil habitantes, membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). 

A história da ilha da Madeira e região autônoma dos Açores, em Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe tem contributo fundamental na colonização do Maranhão e Grão-Pará: além de escravos e colonos com seus hábitos, costumes e sangue que se mesclaram à população mestiça paraense em geral e marajoara em particular, foi o gado vacum e o cavalo cabo-verdiano que inauguraram as fazenda da ilha do Marajó.

Seria bom para a "humanidade filha da animalidade" (Edgar Morin) que a História sirva para construir a paz. "A Geografia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra" (Yves Lacoste). A geografia da grande nação indígena Tupinambá, por exemplo, fez a guerra antropofágica em demanda da mítica Yby marãey (Terra sem mal) desde Piratininga (São Paulo) até as nascentes do Paraná-Uaçu (Amazonas), passando pela Paraíba e a Tapuya tetama (terra Tapuia, Pará).

A religião dos Tupinambás era a vingança (segundo Florestan Fernandes). Para este povo original brasileiro, disse o antropólogo francês Pierre Clastres, "se a guerra não existisse era preciso inventar"... Nossa herança bárbara entre outras bárbaras heranças nossas e do resto do mundo. Quem nunca tiver inventado uma estória para dar começo a uma guerra sem pé nem cabeça, que atire a primeira flecha.

Dito isto, uma nuvem de flechas taparia a luz do sol sobre a Terra de infinitos males. E o fim da História iria além da invenção da Bomba Atômica. A ironia da história Tupinambá - nosso famoso Bom Selvagem conquistador do rio das Amazonas e que levou ao velho mundo a sugestão da Revolução Francesa de 1789, segundo os filósofos Montaigne e Rousseau - é que os profetas caraíbas queriam, acima de tudo, o direito à Preguiça com sombra e água fresca para poder dormir e sonhar.  

Sonhar com a utopia selvagem daquele lugar que habita a alma do brasileiro: Onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte... Pensando bem, pode-se dizer que os profetas da Terra sem mal sonharam com a Agenda 2030 da ONU avant la lettre... Mas, a contradição, como tudo na vida, está em que para conquistar o paraíso carecia fazer a guerra. Aí a conquista virava um inferno...

Dom Sebastião foi a guerra no Marrocos e morreu, ressuscitou na pele de Dom João IV, pelas trovas poderosas do poeta sapateiro Bandarra. Com a morte de Dom João IV, o prodígio do poeta de Trancoso foi invocado, em vão, pelo Padre Antônio Vieira que tentou ressuscitar o rei de Portugal mediante a utopia evangelizadora e ecumênica do Quinto Império do mundo. 

Porém, sem teologias complicadas, proclamas e trombetas a morte de Dom Sebastião deu nascimento em paz no mar de Pirabas ao singelo mito do Rei Sabá no berço natural da religião afro-amazônica dos pescadores do Salgado. Anchieta com a graça do divino Espírito Santo já havia convertido, nas bandas do Sul, a bárbara antropofagia em sagrada eucaristia do Coração de Jesus. 

Se isto não é milagre canônico, é quase. Considerando as circunstâncias de tempo e lugar. Pois deste modo arriscadíssimo e improvável sob todos pontos de vista Deus naturalizou-se brasileiro... "Fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará" (Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico).

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Nheengaíbas do Século XXI


Navio vapor da Companhia de Navegação e Transportes do Amazonas (1852), do Barão de Mauá. Singrando o rio Madeira durante a "política chinesa" do Império do Brasil (1822-1889) a fim de fechar o rio Amazonas à cobiça estrangeira. Todavia, endividado perante a Inglaterra para sustentar a guerra no Paraguai (1864 -1870), o Império brasileiro viu-se obrigado a ceder às pressões dos Estados Unidos, Inglaterra e França e abrir o Amazonas em 1867, antecedendo o "boom" da Borracha que acabou na crise global de 1929. Levando inclusive ao cultivo da Hevea brasiliesis para a colônia inglesa do Ceilão (Sri Lanka), no Sudeste Asiático. 



"... neste dia se acabou de conquistar o Estado do Maranhão, porque com os nheengaíbas por inimigos, seria o Pará de qualquer nação estrangeira que se confederasse com eles; e com os nheengaíbas por vassalos e por amigos, fica o Pará seguro, e impenetrável a todo o poder estranho."
 Padre Antonio Vieira, Carta para El-Rei Nosso Senhor, 11/02/1660. 




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capela de São Francisco de Borja,
fazenda Malato, antiga São Francisco Xavier,
primeira sesmaria dos Jesuítas na ilha do Marajó.




Mas, logo agora, que vão tirar o ensino de História nas escolas! Quando vem com o diabo a extração de petróleo e gás da foz do Amazonas e costa do Amapá; assim como a soja vem no rastro da extração de madeira e expansão da pecuária de corte na Amazônia. Muito desanimador o império absolutista do PIB queimando estoques, como alerta o professor Ladislau Dowbor, cujo ônus pesará insustentavelmente sobre nossos filhos e netos.

A gente não pode querer converter acionistas das multinacionais de commodities, por bem ou por mal, em candidatos a beatos. Todavia, uma empresa com sede na Holanda, como a LDC, que investe na Amazônia e compra a primeira fazenda dos Jesuítas na grande ilha do Marajó; deve informar este fato relevante a seus acionistas e clientes para que eles saibam que poderão colaborar na realização dos ODS da Agenda 2030 Marajó. Mas, se nem mesmos os potenciais beneficiários nada souberem sobres estas coisas? E os senhores representantes do povo e gestores públicos saberão por acaso?

Eu já nem sei mais se vale a pena falar de novo sobre a história dos Jesuítas na ilha do Marajó. Para quê? Para dizer que o Papa Francisco além de argentino é o primeiro jesuíta no trono do Pescador? Mas, Jesus Cristo, São Pedro, São Paulo e os mais discípulos cristãos primitivos eram judeus... E se os donos da Louis Dreyfus Company  (LDC), de origem judaica francesa; quisessem um bom motivo para marketing socioambiental sustentável na Amazônia? Que eles fariam da notícia histórica da amizade entre o rabino português da comunidade de Amsterdã (Holanda) Menassé ben Israel (aliás Manuel Soeiro), nascido na ilha da Madeira (Portugal) e o famoso padre António Vieira, missionário na Amazônia e autor da célebre carta secreta ao bispo do Japão, denominada "As Esperanças de Portugal", escrita em viagem a Cametá?

O curioso é que Vieira caiu em desgraça ao defender o retorno dos judeus expulsos de Portugal e por apoiar como outros jesuítas a tese de Menassé ben Israel, na obra "As esperanças de Israel", que dizia ser os índios americanos descendentes das tribos perdidas do Cativeiro da Babilônia. Uma bela encrenca que custou ao "payaçu" dos índios condenação por "heresia judaizante" proferida pelo tribunal da Inquisição.

Ora, se os descendentes dos Nheengaíbas do século XVII que são os cabocos marajoaras do século XXI, em vez de analfabetos, soubessem história; em vez de beijar as mãos de quem lhes oferece um prato de lentilhas e migalhas de pão que o diabo amassou; iriam de fato reclamar direitos que nunca tiveram. Por isto, saber ler e escrever pode ser perigoso numa parte sensível do "celeiro do mundo" como o delta-estuário do maior rio do mundo. Mas, infelizmente, são raros cabocos que aprendem a verdadeira história do Marajó. 

Não quero ser pessimista a respeito da compra da histórica fazenda Malato, em Ponta de Pedras, em face de Vila do Conde, pela empresa LDC, para construir porto de transbordo de grãos vindos em balsas de Mato Grosso para exportação a China, segundo difusas notícias que circulam na rede. 

Até agora, temos mais especulações que informações fidedignas. Embrulhados no mito da primeira noite do mundo, nós da Criaturada não sabemos direito a história do Malato e muito menos da LDC. Oxalá os projetistas do empreendimento da multinacional holandesa no Marajó tenham grandeza de perceber que não estão botando as mãos num espaço amazônico vazio. Na verdade, com o histórico que a Louis Dreyfys Company (LDC) tem, aqui no Marajó ela terá oportunidade incomparável para abrilhantar sua imagem de responsabilidade social e ecológica compatível com a fama mundial da Holanda.

Com medo de que deste casamento entre a velha multinacional holandesa e o Marajó da cultura indígena milenar; não se acabe tendo, exclusivamente, um trocadilho infame dizendo que LDC quer dizer Lucro Dos Compradores. Ou, pior, Logro Dos Coitadinhos...  A fazenda Malato tem longa história que vai se enraizar na guerra civil e genocídio que se chama Cabanagem (1835-1840) e, mais longe, no longínquo passado da comunidade ribeirinha local do Araraiana ("povo arara", em Aruak), do Urinduba, Bacabal com seu quilombo e adjacências até o Paricatuba no romance "Marajó" - o primeiro romance sociológico brasileiro, segundo Vicente Salles - de Dalcídio Jurandir e São Miguel com seu provável passado oriundo de casais dos Açores, um patrimônio histórico e natural cuja memória a gente não lembra mais do que a história oral contada por alguns de nossos avós. 

A capela de São Francisco, por exemplo, com seu passado memorial daria base a belo ecomuseu ou museu comunitário fora de série integrado à escola de ensino integral no sistema municipal e estadual de educação. Os felizes compradores da fazenda Malato farão bom negócio, se além dos sócios brasileiros e estrangeiros do empreendimento se aconselharem com consultores da Mudança Climática junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. O PNUD já atua na cadeia produtiva do açaí no município de Afuá. E a LDC já é parceira do PNUMA, programa da ONU para o meio ambiente e negócios sustentáveis, que poderia perfeitamente ser interlocutor da Criaturada (populações tradicionais) articulando-a à Unicef e UNESCO no intercâmbio do Marajó como um todo em interface com o sistema da ONU e do governo federal do Brasil. 

Nós não podemos ter medo de falar, gentilmente é claro; mas com firmeza e sem complexo de inferioridade, com os grandes patrões  "brancos" da globalização. Nós somos, em carne e osso, a população de mais de meio milhão de habitantes do maior arquipélago fluviomarinho do planeta. Somos nós a humanidade da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó), não só a terra nua, as águas, árvores, animais e seres encantados que nela existem... Tudo isto que nossa elite bocó latifundiária sempre pôs por terra, achando que uma APA ou fosse lá o que fosse em sentido socioambiental iria "engessar" o progresso. Tanto não engessa nem engessou, que o "Progresso" S/A está chegando a galope e trazendo banzeiro pelas beiras. 

Aliás é preciso refrescar a memória dos inimigos do Meio Ambiente de que o Mato Grosso faz parte do Pantanal. E o Marajó é o Pantanal paraense, cuja APA merece ser declarada reserva da biosfera pelo MaB / UNESCO tal qual a Reserva da Biosfera do Pantanal!

Os cabocos não conhecem a tal de LDC, em compensação a LDC não conhece os tais cabocos: talvez a multinacional agora dona do Malato tenha contratado consultor certo para escolha hidrogeográfica do porto requerido, em águas profundas e abrigadas do delta-estuário do Amazonas. Mas não tanto no que diz a respeito à verdadeira história dos confrades jesuítas do Papa Francisco na construção territorial e cultural do Marajó. A joia da coroa do Grão-Pará (Amazônia colonial portuguesa). Com certeza, esta antiga coroa lusa está sob atenção do português Antônio Guterres, que conhece bem a China das negociações para Portugal devolver a colônia portuguesa de Cantão, e vem de ser eleito Secretário-Geral da ONU; grande interessado na Agenda 2030, com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), sobretudo com referência a África, que não nos é estranha de nenhuma maneira.

Com ou sem LDC a servir de ponte para a expertise batava vir a se interessar pelos "Países Baixos" do trópico úmido sul-americano, que é a nossa Amazônia Marajoara; é importante criar a expertise amazônida, quanto antes, mediante reconfiguração da cooperação entre universidades e entidades nacionais de pesquisa. Com exemplo na revitalização de rios e canais naturais de navegação da Amazônia. Eu penso nas bacias do Arari, Anajás e Arumã que, antigamente, fizeram a Veneza marajoara e guardaram em segredo a civilização pré-colombiana até bem mais que os fins do Século das Luzes.


Acima, na gravura do século XVIII, Vieira embarca à força para sair do Maranhão. O jesuíta se interessava por assuntos espinhosos, o que lhe rendeu problemas na região. (Fundação Biblioteca Nacional)
Acima, na gravura do século XVIII, Vieira embarca à força para sair do Maranhão. O jesuíta se interessava por assuntos espinhosos, o que lhe rendeu problemas na região. (Fundação Biblioteca Nacional)

domingo, 12 de fevereiro de 2017

lembranças do GDM em busca de bom futuro para a Criaturada grande de Dalcídio.


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TODOS JUNTOS NA MESMA CANOA


Já dizia o líder do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), Theodomiro Teixeira de Azevedo, "o que não vem pelo amor, vem pela dor"... Desde a anistia de 1840 sobre os mortos e as ruínas da Cabanagem (1835-1840) - a violentíssima guerra civil na Amazônia-, que o Império do Brasil (1821-1889) e depois a República teve tempo mais que suficiente para corrigir as remotas causas da insurreição dos excluídos. Karl Marx (1818-1883) constatou que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. 

No passado distante a Câmara de Belém, em 1656, pediu a "guerra justa" (cativeiro e extinção) contra os Nheengaíbas [índios do Marajó] acusados de pirataria contra canoas de "drogas do sertão" (extração florestal) e "tropas de resgate" (eufemismo para caça aos índios para servir de escravo dito "negro da terra"). Autorizada para o governador do Maranhão e Grão Pará, André Vidal de Negreiros (1606-1680) executar, foi adiada pela enérgica ação do superior das Missões, padre Antônio Vieira, contra a guerra "impossível de vencer". 

A guerra foi definitivamente afastada pela paz de Mapuá de 1659 entre os Nheengaíbas, portugueses e "índios cristãos" (tupinambás) aliados a estes, sobre as fantásticas tratativas e celebração inverossímil destas pazes Vieira escreveu a carta de 29 de novembro de 1659, à regente dona Luísa de Gusmão. Menos fantasioso e duradouro da referida pacificação dos rebeldes ficou sendo a fundação das aldeias missionárias de Aricará (Melgaço) e Arucará (Portel) para onde Vieira levou nheengaíbas de Mapuá.

Privados da mina de negros da terra que queriam conquistar, os colonos do Pará expulsaram com violência os padres, em 1661. E a coroa esquecida dos esforços jesuítas para pacificar aquela ilha rebelde esbulhou os direitos dos índios, conforme a lei de 1655 de abolição do cativeiro dos índios. Que foi doada ao secretário de estado Antônio de Sousa de Macedo, em 1665, para ser a capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757). No mesmo tempo, os desiludidos Nheengaíbas sem mais nenhum defensor, Vieira lutava sozinho para se defender no tribunal da Inquisição onde foi condenado por heresia judaizante.

Claro está, que os índios do Marajó entraram na história da Amazônia como marisco entre o mar e o rochedo. Mas, os nheengaíbas de outrora acusados de pirataria e lesados pela doação da capitania de Joanes, não baixaram a guarda impedindo de fato o inicio da colonização da ilha do Marajó durante 64 após a fundação de Belém do Para. No ano de 1723, o cacique dos Aruã e Mexiana chamado Guamá levava ainda perigo às ilhargas da Cidade dos portugueses, acampando por largo tempo no rio que tem seu nome (ver Armando Levy Cardoso, na obra Toponímia Brasílica, sobre o topônimo Guamá). 

A universidade brasileira ainda não fez a competente leitura do papel histórico dos povos indígenas na invenção da Amazônia. Sem arcos e remos tupinambás, sobretudo, sem o mito da Yby marãey (terra sem mal); não se poderia ter conquistado o grandíssimo rio das Amazonas. Entretanto, a pergunta que não quer calar: qual a razão dos caciques Nheengaíbas (na verdade as diversas etnias Nuaruaques da babel de línguas "dificultosas") ter feito adesão à pobre e belicosa colônia de Portugal entregue aos cariuás (malvados), apoiada pelo inimigo hereditário dos índios das ilhas; em prejuízo da velha amizade e do frutuoso comércio com os panaquiris (holandeses)?

A provável resposta se acha nas ilhas do Caribe, onde o Pará tem seu velho porto (histórico) de mar. Na antropologia Aruak e na história oral das migrações através da ilha de Trinidad para a Terra Firme (continente) em busca do Arapari (pais do Cruzeiro do Sul). Nos ritos mágicos e religiosos afro-amazônicos.

Comungando sentimentos profundos da Criaturada grande de Dalcídio, o alternativo GDM realizou o décimo e último Encontro em Defesa do Marajó, entre os dias 28 -30/04/1995, em Belém e Ponta de Pedras, onde foi assinada a Carta do Marajó-Açu contendo a súmula de reivindicações populares em saúde, educação, cultura e meio ambiente passando daquela data em diante a ser guia da militância marajoara durante os vinte anos de vida comunitária do GDM. 

Quatro anos mais tarde, os Bispos Católicos do Marajó, Dom Angelo Rivatto S.J. e Dom Frei José Luís Azcona OSA publicaram o documento eclesial de alarme sobre a pobreza extrema do povo marajoara, cuja apresentação em nome do GDM, este caboco que vos fala teve a honra de subscrever.

Chegou-se a 2003, com Lula lá e a esperança que venceu o medo. A 7 de setembro de 2003, o Museu do Marajó realizou exposição do retorno simbólico do padre Giovanni Gallo (Turim-Itália, 1927 - Belém-Brasil, 2003) a Santa Cruz do Arari. Pelo GDM proferi palestra na Câmara Municipal sobre a Cultura Marajoara e ao encerramento os presentes assinaram a Carta do Lago Arari dirigida ao Presidente da República pedindo providências para conservação do patrimônio histórico e cultural do Marajó.

No mesmo ano, o GDM em conjunto com outras entidades civis dentre as quais a Diocese de Ponta de Pedras, Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) e outras mais, assinou a Carta de Muaná, de 08/10/2003 na I Conferência Regional de Meio Ambiente reivindicando implantação da APA-Marajó (Art. 13, VI, parágrafo segundo, da Constituição do Estado do Pará) seguida de estudos e procedimentos a fim de candidatá-la ao título de Reserva da Biosfera na rede brasileira do programa da UNESCO O Homem e a Biosfera.

Nessa marcha, em 2006, os Bispos do Marajó Dom Alessio Saccardo e Dom Frei José Luís Azcona, interpretando os sentimentos gerais dos marajoaras levaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, pedido de estudos de emergência para controle da malária, assistência social e obras de infraestrutura. Enquanto se deveria elaborar plano de desenvolvimento regional de curto e médio prazos: criou-se assim sob supervisão da Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Rousseff, o Grupo Executivo de Acompanhamento de Ações no Arquipélago do Marajó (GEI-Marajó).

Em 2007, depois de várias reuniões preparatórias e cinco audiências públicas em diferentes municípios do Marajó, o Presidente Lula e a Governadora Ana Júlia foram a Breves para o lançamento oficial do tão esperado Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ). No ato solene, Lula entregou a uma moradora do Alto Anajás o primeiro Título de Autorização de Uso (TAU) de terras de marinha na antiga ilha dos Nheengaíbas. Ato tão singelo, quanto significativo que àquelas horas nem as autoridades nem o público perceberia a importância, a menos que anteriormente a Educação Nacional houvesse se empoderado de educadores da estirpe de Paulo Freire.

Mais um ano, o programa federativo Territórios da Cidadania - Marajó, através do CODETER, em 2008, fechou um ciclo histórico que se não pode perder na memória do povo marajoara. Infelizmente, o medo parece voltar atemorizando as esperanças da gente. 

                         BOSQUEJO HISTÓRICO

Mas, a resistência e a Defesa do Marajó apesar dos pesares continua de pé. Quando de fato começou a defesa do Marajó? Isto é, a resistência da brava gente marajoara contra a invasão das Ilhas e a inelutável perda territorial, da própria identidade e da memória histórica. Até os bichos tem direito natural a se defender, quanto mais seres humanos lesados em seus direitos fundamentais à vida e propriedade diante de ataques desferidos por outros seres humanos... Na lição do historiador José Honório Rodrigues (Teoria da História do Brasil) "Deus e a História não são para os mortos".... 

Diz ele que aos olhos do Eterno todos seres estão vivos (a meu modo de ver, eu acredito nisto se o Cosmo inteiro como a biosfera é dotado do que o filósofo da complexidade Edgar Morin chama de noosfera ou inteligência cósmica, energia misteriosa que os crentes chamam de Espírito Santo). 

A História propriamente dita - uma ciência evolutiva -, é pertencente às sucessivas gerações humanas, no fluxo continuo do interminável Presente, através da espiral evolutiva do espaço/tempo. Você pode não perceber ou não ter consciência na curta duração de uma vida individual: mas, de fato, o tempo não para... A não ser para quem morreu: e mesmo assim, o que o morto fez em vida continua a existir como a luz fóssil duma estrela extinta há milhões de anos a percorrer o espaço físico sem fim. 

Há "apenas" 5.000 anos, populações nômades palmilhavam as margens dos rios nas terras baixas da América do Sul. A ecologia das ilhas do Marajó, entre chuvas intensas e secas severas do delta-estuário do gigantesco Amazonas e embates furiosos com ventos e marés do oceano Atlântico, foi o atrativo maior para migração de animais predadores, aves aquáticas e gente do paleolítico em busca de piracemas. Daí nasceria a ecocivilização amazônica...

Por esse determinismo, informa a arqueóloga Denise Schaan, Cultura Marajoara, São Paulo: SENAC, 2010; o homem marajoara apegado à pesca de gapuia, por necessidade sob ditadura da água por natureza, acabou formando-se "engenheiro do Arari" (digo eu, plagiando o sumano arariuara Rosemiro Plamplona) na construção de aldeias suspensas, que nós chamamos tesos e os arqueólogos classificam como sítios arqueológicos.


Resultado de imagem para foto do emblema do GDM em defesa do Marajó

Assim, as diversas historiografias de décadas passadas formam como um álbum de família, que se renova de geração a geração em diferentes épocas históricas... A iconografia marajoara, por exemplo, faz parte do "álbum" nas fases arqueológicas mais antigas (cerca do ano 400 d.C. até próximo de 1600) e evidencia um tipo de linguagem ideográfica. Alguns acham que as urnas funerárias marajoaras, ricamente ornamentadas, onde matriarcas e caciques jaziam antes dos tesos ser arrombados e profanados por "civilizados", são como a pintura corporal de identidade dessas pessoas.

Havia guerra entre os diversos povos indígenas e etnias da região. Há evidência que os muitos grupos de língua e cultura Aruak do Amapá e ilhas do Pará travaram batalhas sangrentas contra invasores da grande nação Tupinambá, antes da chegada de europeus. Com a disputa colonial entre espanhóis e portugueses dentro da União Ibérica (1580-1640), de um lado; e holandeses, ingleses e franceses de outro; o conflito dos aruaques (chamados, pejorativamente, nheengaíbas) e tupinambás se intensificou debaixo da guerra colonial entre Católicos ibéricos e Hereges (protestantes franceses, ingleses e holandeses). 

Os antropófagos e vingativos Tupinambás, antes inimigos mortais dos Peró (portugueses) e amigos dos Mair (franceses) até o Maranhão, mudaram de partido quando perceberam que os Nheengaíbas eram invencíveis na guerra de guerrilhas defensivas com suas zarabatanas e dardos envenenados de curare, com suas canoas ligeiras com velas de jupati. Convocados a ser aliar ao inimigo de outrora contra Hereges e amigos destes, os famigerados Nheengaíbas. 

Provavelmente, a maior ambição dos conquistadores Tupinambás era uma espécie de paraíso selvagem, a chamada Terra sem males (lugar mítico onde não havia fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte), somente superado pela ilusão dos europeus em conquistar o país do El-Dorado. Os coloniais não podiam vencer a babel indígena sem catequizar e domesticar os selvagens, logo a missão era indispensável e os "índios cristãos" foram lançados contra Hereges e índios pagãos.

Por exemplo, o índio malvado Aruã dos séculos XVII e XVIII, se acabou manso e pacificamente no século XIX. Quando o criador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Domingos Soares Ferreira Penna (Mariana-MG 1816 - Belém-PA 1888), em Chaves, entrevistou o velho Anselmo José, último aruã e que mal se lembrava de poucas palavras da sua língua materna. Foi este derradeiro índio "nheengaíba" quem disse a Ferreira Penna que a ilha grande, para aquela gente, se chamava Analau Yohynkacu em língua aruã. 

Os índios do Marajó acusados de pirataria e ameaçados com a pena de cativeiro e extinção, com a "guerra justa" requerida pela Câmara de Belém ao rei, em 1656, foram defendidos pelo Padre grande Antônio Vieira (Lisboa-Portugal, 1608 - Salvador-Bahia, 1697): começa aí o primeiro passo na longa estrada da DEFESA DO MARAJÓ, em 361 anos até hoje, projetando-se ao futuro além do horizonte da AGENDA 2030.

Os "nheengaibas" de ontem são os cabocos de hoje, saídos do mato à força de corda e baraço pelas "tropas de resgate" para amansar da peia nas aldeias das missões e, depois da língua-geral Nheengatu; aprender a falar português a peso de palmatória e se "civilizar" na marra sob ditado do famigerado Diretório dos Índios (1757-1798). Então, esses novos nheengaíbas entraram no terceiro milênio novamente acusados de ladrões de gado e piratas de rio, tal qual seus lesados antepassados. 

Esta gente que o mundo esqueceu, depois do Padre Vieira, teve como defensor o romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras-PA, 1909 - Rio de Janeiro-RJ, 1979), aquele missionário da Amazônia através de cartas e sermões; e este último através da literatura a partir dos romances Chove nos campos de Cachoeira e Marajó, escritos em 1939 na vila de Salvaterra, distrito de Soure. 

Trinta anos depois da lavratura do "Chove" e "Marajó", o carisma do payaçu dos índios reapareceu através da teologia libertária do bispo dom Angelo Rivatto S.J., na Prelazia de Ponta de Pedras (1967), que organizou o seminário Antônio Vieira e fundou a agrovila Antônio Vieira, por acaso, na antiga terra indígena dos Guaianazes [Guaianá] (Lugar de Vilar, 1758, segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, em Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó, Lisboa, 1783), numa cooperativa rural de cerca de 14 comunidades. 

No ciclo da Prelazia e depois Diocese de Ponta de Pedras, comparece em grande destaque o famoso padre Giovanni Gallo S.J. inventor do extraordinário O Nosso Museu do Marajó (Santa Cruz do Arari, 1972), autor das obras Marajó, a ditadura da água, Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara e O homem que implodiu. Este último uma autobiografia dilacerante em conflito aberto contra o bispo diocesano e o chefe político local. Com certeza, o padre dos pescadores do lago, atirou no que viu e acertou no que não viu: sem saber, ele acabou criando o primeiro ecomuseu e museu comunitário da Amazônia.

Enfim, transferido para Cachoeira do Arari, em 1981, o Museu do Marajó chegou a ser ao que é ou foi, não exatamente pela curiosidade do bezerro de duas cabeças, nem mesmo a vitoriosa campanha de venda de piranhas como souvenir. para levantar fundos para obras comunitárias. Mas, sim por "coisas que não prestam", os desprezíveis "cacos de índio" (fragmentos de peças arqueológicas deixadas ao relendo dos tesos saqueados para contrabando de cerâmica pré-colombiana), que a provocação do caboco Vadiquinho, por acaso, pelas mãos do vigário em seu labirinto para inventar a pastoral da paróquia fez mudar a história da resistência da gente marajoara.



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Camilo Martins Viana, decano dos ambientalistas da Amazônia.


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    GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ

Em 2012, através do Facebook, a dois anos para o GDM dar por terminada sua atividade, nós tentávamos nos comunicar à distância com a UFPA através da Pró-Reitoria de Extensão no campus Marajó (núcleos de Breves e Soure), a respeito da oportunidade para contribuir à história do desenvolvimento territorial do arquipélago do Marajó, em sua parceria com o CODETEM e AMAM estimulando TCC's de alunos sobre o movimento de educação ambiental coordenado pelos professores Marcondes Magalhães e Camilo Viana, entre os anos de 1985 a 1995. 

Foi nesse período que, no encerramento do ano letivo, aconteciam os chamados "Encontros em Defesa do Marajó" continuados de forma permanente durante vinte anos pelos voluntários do "Grupo em Defesa do Marajó - GDM", observando temática da Carta do Marajó-Açu, de Ponta de Pedras, de 30/04/1995. Assim, a UFPA poderia demonstrar perante a sociedade seu papel histórico indutor da integração dos municípios da mesorregião do Marajó, assumindo protagonismo do Protocolo de Cooperação entre estabelecimentos de ensino superior e pesquisa do Pará.

Não basta festejar vestibular e colação de grau se o povo analfabeto ficar isolado da produção acadêmica, entre chuvas e esquecimento, na vastidão de 500 e tantas comunidades-ilhas do maior arquipélago fluviomarinho do planeta Terra. É aí na Extensão que a porca torce o rabo nas ilhas do Marajó... Muitas vezes o caboco e sua família recebe de bom grado o pesquisador e passa a servir de graça como guia, informante, divide o açaí, o peixe frito e o camarão assado. Quando acaba, adeus dona Maria, seu Manuel e nenhuma linha do trabalho na comunidade que vai servir de dissertação de mestrado e tese de doutorado.

A universidade deve se convencer que numa região insular onde a informalidade reina, Descartes acaba falando só com seu próprio umbigo. Enquanto o acadêmico perde a viagem e a comunidade resta abestada como burro olhando para o palácio. Se antes de sintonizar o verbo para o povão entender o recado, a Universidade pensa logo na verba isto é sinal de que a vaca sagrada da santa Educação foi pro brejo. No caso, a temida jebre - zona dos Mondongos (pântanos, que merecem sítio Ramsar a par da APA que não ata nem desata e da Reserva da Biosfera mandada às calendas gregas, para não engessar o "progresso" do agronegócio dos arrozeiros de Cachoeira e já depressa o porto graneleiro de Ponta de Pedras) e da Contracosta - onde, depois de três séculos, ladrões de gado, piratas e outros excluídos e marginais da História vão se refugiar no convívio de fantasmas de velhos quilombos e mocambos. Onde outrora índios bravios, desertores e escravos fugidos iam esperar o tempo colonial passar. E já se sabe como acabou a história da Adesão de 15 de Agosto...

Todavia, para falar da atuação da UFPA em defesa do bom e velho Marajó carece lembrar de Camilo Vianna e Ana Rosa Bittencourt em atividades do CRUTAC / UFPA em Ponta de Pedras nos idos dos anos 60 do século passado. Hoje existe na cidade natal de Dalcídio Jurandir, além da escola-sede com nome do romancista da Amazônia, também uma escola da rede pública estadual com o nome da pranteada professora da UFPA. 

Na hipótese de TCC acima sugerido, talvez sem surpresa iríamos constar o fato de que quase ninguém sabe quem foi e o que Ana Rosa Bittencourt fez no município para ter seu nome "lembrado" numa escola de ensino público. Então talvez a gente local descobriria o que significa nesta história a sigla CRUTAC. Lembraria ainda do professor Camilo e suas quixotadas memoráveis em favor do meio ambiente e da brava gente brasileira. Camilo era, de verdade, a cara do CRUTAC para nós que nem sabíamos a história do CRUTAC e como e porque ele chegou ao Marajó... 

A nova geração não sabe o que significa CRUTAC, porém eu posso dizer que ele foi pai da SOPREN e avô do GDM. Tal qual o capitão-mor do Rio Grande do Norte veio ao Grão-Pará fundar a cidade de Belém, também daquele estado nordestino o CRUTAC veio dar vida nova à anêmica Extensão da UFPA, trazendo ao povo paraense a experiência da cidade de Santa Cruz (RN). CRUTAC – Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária é um programa pioneiro de extensão universitária, criado e implantado por Onofre Lopes, primeiro reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, em 1966.

Com esta semente nordestina plantada no solo pedregoso marajoara, onde migrantes expulsos pelas secas fizeram brotar a nossa agricultura familiar em Mangabeira; a Extensão Universitária fez sentido naquela terra dando frutos tais, como a cooperativa cabocla kibutziana da "Nella" (hoje ninguém sabe ninguém viu...), o badalado POEMA (programa em cooperação internacional Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia), deu chance a contestadores da opção preferencial da EMBRAPA pelos ricos, à experiência exitosa da Agricultura Familiar Sustentável em Jaguarajó. E ainda deu ao município o case de insucesso do projeto de execução descentralizada PED-GUAIANÁ financiado pelo Banco Mundial a fundo perdido, que perdeu a chance, mas não elogios técnicos e processo da Polícia Federal por malversação de recursos públicos.

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Já falei demais e ainda não disse como foi que o GDM se despediu da história marajoara, na esperança do Movimento Marajó Forte, em especial a campanha para criação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ. O MMF veio no bojo do NÃO à divisão do Pará no plebiscito sobre projetos dos estados do Carajás e Tapajós. Ultimamente, circulam vozes em torno do Bispo Emérito da Prelazia do Marajó, dom José Luís; em favor da criação de um certo Território Federal do Marajó e eu que, enquanto jovem repórter, escrevi artigo em apoio à ideia, depois de cinquenta anos de danças e contradanças em defesa da pobre gente marajoara; hoje diria NÃO. 

Já se a pergunta for a respeito da criação do Estado do Marajó eu digo SIM. E sim com a criação da Universidade Federal do Marajó e tudo, à condição de que afinal de contas, antes de 2030, seja o Povo Marajoara quem mais comande sua própria história.

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