A defesa dos Direitos Humanos das comunidades tradicionais retratadas na obra literária do romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979) e das atuais populações indígenas, afrodescendentes e ribeirinhas cabocas.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Nas águas do dilúvio a casa de Dalcídio em Cachoeira do rio Arari se transforma em navio encantado.
Batido de vento e chuva em meio à indiferença dos poderosos da cultura nacional, que nem os tesos de camotins pisoteados pelo gado do vento, rês sem dono; entregue à triste ignorância local e olvidado pela soberba arqueologia do esquecimento mundial; o chalé do "Chove" tombado no patrimônio municipal foi, literalmente, tombado ao chão, sem dó nem um pio de ai Jesus! Sem tugir nem mugir, vítima expiatória no altar da leniência oficial.
Tomara que não aconteça, porém o primeiro ecomuseu da Amazônia ou museu comunitário marajoara - O Nosso Museu do Marajó - se arisca a ter destino igual ao do chalé do Chove. Todavia, apesar da ruína material; na paisagem cultural da obra de Dalcídio Jurandir e na memória coletiva de seus fiéis leitores a casa de Alfredo continua de pé, imbatível, cheia de amor e fé na Criaturada grande. A majestosa árvore Folha-Miúda, plantada em letras imortais no espaço entre o chalé e a beira do rio ancestral do índio sutil; renasceu feito perfeito ecomuseu guardando, a par da Criaturada; sonhos e pesadelos do menino Alfredo com o caroço mágico de tucumã sempre à mão e no alto pássaros a tecer ninhos nas verdes ramas, por onde o pirralho contemplava estrelas no infinito.
Hoje a velha Cachoeira do rio Arari, no sonho da criaturada, é vasto museu ao ar livre que se torna cobra-canoa Boiuna para atravessar a baía do Marajó rumo a Belém do Grão-Pará e o rio Arari para a outra margem em direção à vila de Ponta de Pedras onde o romancista nasceu. O Chalé se alberga agora na imaginação de "cacos de índio", bezerro de duas cabeças, o horroroso Viramundo e mais instrumentos de tortura de escravos, computadores socioeducativos do Gallo, peças de cerâmica marajoara salvas das patas dos búfalos e a diversidade dos acervos memoriais do museu do padre dos pescadores, afilhado de São Pedro Safadinho. A salvo de mil e um dilúvios de temporada invernosa e da falência da fábrica Oleica, pela invenção do sui generis museu, em meio a balanços de perdas e ganhos dos incentivos fiscais da velha SUDAM; transformada por acaso em curral das éguas... Antes que o padre para nunca mais, saindo de Santa Cruz rio abaixo; viesse se mudar, de mala e cuia, em Cachoeira a fim dele não implodir logo na primeira fase do inacreditável museu marajoara. O museu é nosso e esse rio é nossa rua, cheio de encantos mil na pletora de caruanas que desafiam a física quântica na universidade da maré.
A partir dessa vetusta arca de noé ou jangada de cerâmica marajoara, braços de rios, lagos e igarapés tecem a rede aquática reunindo 16 municípios, cada um com seu ecomuseu ou museu comunitário interligado a Cachoeira do Arari pelo mesmo curso de rio e mar da memória. Já dizia o payaçu dos índios Antônio Vieira, em carta a el-rei, que ele foi levar a Mapuá as pazes do reino de Portugal com "índios cristãos" (na verdade, tupinambás inimigos hereditários dos "malvados" (marajós), ditos nheengaíbas) aos pagãos rebeldes da Ilha dos Nheengaíbas (Marajó). Diz ele que viajou com tropa de Cametá por dias e noites contínuos através de ruas, travessas e praças d'água dentre floresta submersa.
Mundo hídrico onde homens se moviam mais de braços e remos, do que andavam a pé. Ali na vastidão de águas amazônicas montaria não era cavalo ou boi de sela, mas canoa a remos... Tal é o caso da casa-ecomuseu a bem navegar águas da memória: ancorar em Soure e Salvaterra a salvar o palimpsesto que o jovem Dalcídio trazia de Gurupá, passagem das Ilhas com estada no rio Baquiá; um bordejo na casa dos Alcântaras, em Belém; voltar a Cachoeira pernoitando na ilha de Santana para descobrir que o menino Alfredo já era homem feito e a Ponta de Pedras em canoa a remo através do Furo das Laranjeiras e do Rio Canal para varar ao Marajó-Açu que deu nome a toda ilha grande... Pegar o Ita do Norte para o Rio de Janeiro, viajar ao Guaíba, passar por Porto Alegre para escrever o primeiro romance proletário brasileiro, Linha do Parque, na cidade portuária de Rio Grande... Depois na mansarda da rua das Laranjeiras, que nem um frade beneditino, navegar e navegar o rio da memória até ancorar, enfim, em Ribanceira, derradeiro romance, sito à margem do maior rio do mundo, Amazonas. Em Gurupá, lembranças do fim da época da Borracha ao pé forte português que rompeu a "linha" de Tordesilhas.
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