sábado, 10 de agosto de 2019

Palavras ao vento

A imagem pode conter: céu, oceano, crepúsculo, árvore, atividades ao ar livre, natureza e água
paisagem ribeirinha vista da Baia do Sol (ilha do Mosqueiro, município de Belém do Pará), foto de Nelma Alho. A Baia do Sol é um privilegiado lugar de memória da ecocultura amazônica. Ponto de observação fronteiro à foz do rio Aracy ("mãe do dia", a aurora), tributário do Furo das Marinhas, pelo lado do nascente e no poente a ilha do Marajó, onde antigos buscadores da mítica "Terra sem Mal" na saga dos Tupinambás viam o Araquiçaua ('lugar onde o sol ata a rede" para dormir) apontar o rumo da utopia onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte. 



Como falar do paraíso sonhado na terra dos Tapuias a quem vive no inferno verde? Dito de maneira simples, Comunicação é ação de transmitir uma mensagem e, se for o caso, receber resposta. Como eu poderia dizer isto à finada minha comadre Didi, pessoa simples e trabalhadora, que não sabia ler nem escrever que nem metade da população, de meio milhão de habitantes, do maior arquipélago fluviomarinho do planeta? 

Comadre Didi era uma preta admirável dotada de viva inteligência natural e presença de espírito. Ela era descendente de escravos de meu bisavô Pedro Perez de Castro, camponês galego imigrante no Pará nos idos do século XIX casado com herdeira do sítio Fé em Deus, remanescente de sesmaria no Baixo Arari, na ilha do Marajó... A comadre vivia numa barraca assoalhada de juçara e coberta de palha de inajá com o compadre Manduquinha, cafuzo manhoso metido a pajé, a cara dele não negava a origem aruaque que ele nem desconfiava ter, o casal teve um "filho homem" e quatro filhas "mulher" pra cumprir a sina da criaturada grande de Dalcídio: esta gente que até hoje não teve notícia real da Abolição de 1888... Criaturada aliás que nunca ouviu falar, pois analfabeta de pai e mãe não teve chances de ler o único romancista marajoara premiado pela Academia Brasileira de Letras (ABL), famoso autor de "Chove nos campos de Cachoeira", filho de preta com branco descendente de português, nascido numa casa pobre de chão batido, no bairro do Campinho, na vila de Ponta de Pedras.

Os parentes da comadre, segundo a memória do lugar seriam descendentes de antigos moradores do sítio Enseadinha, provavelmente assentados no lugar a mando do Barão de Marajó, governador da Província do Pará; que no fim do serviço de escavação do canal os alforriou. Assim, temos hoje o chamado Rio do Canal, que encurtou o tempo de viagem entre as vilas de Cachoeira e de Ponta de Pedras. No arriscado trabalho braçal, consta que alguns escravos morreram soterrados por desabamento de barranco, cuja lembrança deu origem ao sítio Terras Caídas. No tempo em que eu morei naquelas paragens, tal qual meus compadres e 'pareceiros' eu não sabia nada... Era eu tão ignorante quanto eles. Masporém, agora que sou velho e vi o mundo, depois que engoli sapos e comi o pão que o Diabo amassou; e que todo dia estudo ainda acho-me na obrigação de escrever a todos e a ninguém dando conta destas notícias. Claro, não sou dono da verdade... O dono da verdade não achou a quem vender nem emprestar. 

Vejam agora breve notícia sobre a viagem do nosso governador do Estado ao Marajó em 8 de agosto de 2019 comparável, de certo modo; à "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (Lisboa, 1783), do sábio de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira, que conclui por dizer que Marajó havia potencial de uma Província: agora vejam - 236 anos depois! -, o que o jovem Helder Barbalho, levado pela mão do destino; foi fazer na antiga Ilha dos bravos Nheengaíbas pacificada há 360 anos pelo "padre grande dos índios" Antônio Vieira, em 27 de agosto de 1659: instalar 'pro tempore' a capital do Estado do Pará na cidade de Breves e nomear o ex-Prefeito deste município o sr. Xarão Leão, no cargo de Secretário Regional de Governo do Marajó... Ora, lembrar o acordo de paz de Mapuá, significa dizer: se não fosse aquela gente hoje aqui no Grão-Pará não teria Amazônia brasileira nenhuma.

Claro ninguém pensou nestes fatos, nem a ex-Governadora Ana Júlia ou o ex-Presidente Lula pensaram, quando eles foram juntos lançar o Plano Marajó, em Breves, em 2007... Não pensaram, por certo, porque seus assessores não sabiam. Estes últimos não sabiam porque seus professores não lhes ensinaram, e ainda que soubessem achariam que não vale a pena falar de História pra caboco quase preto de tão pobre. 

Mas, se os precedentes governadores tivessem, de fato, promovido a alfabetização da gente marajoara todos agora com a vinda do Governador Helder Barbalho, herdeiro político do Senador Jader Barbalho; estariam soltando fogos, comemorando e  dançando... Eu lá não estive presente porque não fui convidado, agradeço pois não iria do mesmo modo, agora que me considero como asilado fora da ilha que orgulhosamente tenho como o centro do mundo. Compreendo perfeitamente o escritor português José Saramago, quando ele disse: é preciso sair da ilha para ver a ilha... Este é o caso, longe da ilha do Marajó mais aprendi e aprendo ainda a conhecer o Marajó. Sei que os governantes e seus auxiliares caiem numa espécie de torvelinho, uma loucura. A burocracia é uma máquina infernal para moer e triturar o idealismo e os compromissos sociais. Mas é preciso passar pelo moinho para saber e compreender como se perde tempo e dinheiro com essas coisas doidas. Tantos recursos já foram jogados fora, nos 16 municípios marajoaras, e nos tantos outros do "país" que se chama Pará. O que pensar do corre corre dos palácios, as agendas impositivas, as solenidades. Acredito, que nem mesmo o Papa Francisco com toda sua coragem apostólica consegue driblar séculos de liturgia estranha à iluminação do espírito humano.

Seja como for a gente não pode desanimar.  Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Para mim, a Baía do Sol é um lugar sagrado onde a gente pode meditar tranquilamente a respeito do passado e do futuro da nossa Amazônia: é lá que a universidade da maré mais faz sentido... O Turismo e a História se encontram nas entranhas da Baia do Sol: nenhum roteiro turístico amazônico pode ignorar a Amazônia Marajoara e as ilhas do Pará. O potencial turístico do Marajó esta na cara



Em Breves, o governador determinou importantes ordens de serviço, como por exemplo crédito rural para investimentos em manejo de açaí, mandioca e energia solar e agroecologia. O mais importante, lançamento do programa “Vamos Alfaletrar o Marajó”. O Governo promete ouvir os municípios através do Por Todo O Pará... Agora é preciso que os Municípios falem para o Estado ouvi-los alto e bom som! Quem fala, então em nome, de cada município? O Prefeito, certamente; o Presidente da Câmara Municipal e cada um dos Vereadores, sem dúvida. Os Deputados eleitos pela região na Assembleia Legislativa; autoridades e lideranças sociais atuando na área geográfica. Todos esses sim. Porém, o mais importante é que os representantes escutem a voz do Povo, só assim as demandas dos municípios terão legitimidade acima de acordos e conchavos. Que essa rodada pelos municípios do interior do Estado seja apenas do primeiro passo numa estrada de mil léguas, no planejamento estratégico em sintonia com a AGENDA 2030 dos #ObjetivosDoDesenvolvimentoSustentável.

O ano eleitoral de 2020 deixa todo mundo com pé atrás com as viagens de políticos carregando sacos de promessa. O Brasil vive um momento dramático, o Governador tem que ser trapezista e a oposição não pode deixar de fiscalizar e criticar o governo como os eleitores dela se esperam. O árbitro da peleja, entretanto, deve ser sempre aquela parcela da população mais letrada, de modo que a Democracia e o Desenvolvimento Sustentável sejam nossa última tábua se salvação.



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Governador Helder Barbalho em Cachoeira do Arari, ilha do Marajó, inaugurando abastecimento comunitário de água potável do programa estadual 'Água Para Todos'.


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