quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

lembranças da Carta do Marajó-Açu.

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vista panorâmica da cidade de Ponta de Pedras, situada à margem esquerda do rio Marajó-Açu (foto captada by Google / blog Hiroshi Bogea). Em primeiro plano, entrada do bairro do Campinho onde Dalcídio Jurandir nasceu, no dia 10 de janeiro de 1909, em casa de seu tio Manoel Ramos, de quem Bernardino Ferreira dos Santos Filho fala ("Nas margens do Marajó-Açu": edição do autor, Belém do Pará, 1993, página 99). 

MEMÓRIA DO GDM


Durante vinte anos, de 20 de dezembro de 1994 até fins de 2014, um grupo de filhos e amigos do Marajó dedicou-se ao denominado GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM) tendo por base além da Constituição Federal, da Constituição do Estado do Pará e Leis Orgânicas dos Municípios alvo; a Carta do Marajó-Açu assinada na cidade de Ponta de Pedras, em 30 de abril de 1995, no encerramento do décimo e último Encontro em Defesa do Marajó.

Cria da Sociedade de Proteção dos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN), herdeiro da educação socioambiental e dez Encontros Em Defesa do Marajó anuais realizados em municípios marajoaras em cursos de extensão da Pro-Reitoria de Extensão (PROEX), da Universidade Federal do Pará (UFPA),  nos anos 80 e 90, desde a criação do campus da UFPA em Soure (1986); por duas décadas o GDM, deliberadamente, sem organização formal, sem sede oficial e sem estatutos; manteve-se fiel ao princípio cidadão de convivência reunindo crentes e não crentes, membros de partidos e ideologias diferentes no único propósito de convergir na defesa da gente e da cultura marajoara. 

Creio que a prática solidária é o maior exemplo que o GDM deixou às novas gerações militantes da causa marajoara. Por isto resolvi escrever estas lembranças, naturalmente, com as falhas da memória. 

Como militantes adotamos a premissa: "Nós nada fazemos, todavia enquanto cidadãos pressionamos eleitos e autoridades a fazer o que devem". Ou seja, sem radicalismos e sem faltar à civilidade, eramos um incômodo grupo de pressão atentos para não nos deixar seduzir pelo poder, mas agir sobre ele sempre que possível. 

Na verdade, o GDM "morreu" quando seus derradeiros militantes aderiram ao Movimento Marajó Forte na esperança maior de ver prosperar a candidatura da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó) à Reserva da Biosfera reconhecida pelo programa O Homem e a Biosfera (MaB), da UNESCO. E, por fim, a criação da Universidade Federal do Marajó

O sonho da Carta do Marajó-Açu , contudo, não morreu. Estuário de muitos sonhos que se renovam, o balanço de 2017 aponta a um considerável nível de consciência e amadurecimento que merece reflexão coletiva e compartilhamento. Grandes desafios nos aguardam em 2018, todavia acumulamos conhecimentos e energias que darão, com certeza, às novas gerações discernimento para fazer progredir o desenvolvimento humano da Criaturada grande de Dalcídio. 

Que é o que mais deve nos interessar. 


CIRCULO OPERÁRIO by <a href='http://www.panoramio.com/photo/53097015' target='_blank'>CARLINHO TEIXEIRA</a>
Círculo Operário de Ponta de Pedras (foto Carlinho Teixeira): onde a Carta do Marajó-Açu foi assinada sob coordenação do Pro-Reitor de Extensão da UFPA, Camilo Martins Viana; presenças de Bernardino Ribeiro, Prefeito de Ponta de Pedras; Pedro Lucena, Prefeito de Cachoeira do Arari; Ademar Feio, representante do Museu do Marajó; Antônia Teixeira, representante da Associação Musical Antônio Malato (AMAM), José Varella Pereira, representante do Grupo em Defesa do Marajó (GDM) e mais pessoas. 


O QUE A GENTE AINDA HÁ DE QUERER? 

* Repatriamento da cerâmica arqueológica, mediante prévio fortalecimento do Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, com amparo oficial à Associação O Nosso Museu do Marajó a fim de preparar a comunidade ao acontecimento histórico. Capacitar associados do museu a participar de atividades educacionais, culturais e turísticas integradas a projeto de cooperação internacional coordenado pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) junto a museus estrangeiros detentores de peças e coleções de cerâmica marajoara.

* Uma educação ribeirinha integral respeitosa das tradições do povo marajoara afro-ameríndio descendente, culminando na criação de universidade multicampi envolvendo toda comunidade de municípios da mesorregião Marajó. De modo que as comunidades venham a ser protagonistas da demanda pelo IDH, do reconhecimento da Reserva da Biosfera do Marajó e outros esquemas semelhantes visando a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

* Um sistema integrado de Saúde física, mental e social contemplando a diversidade étnica e cultural da gente marajoara, fundado no diálogo entre a medicina moderna e tradicional dos pajés, curadores, rezadeiras e parteiras. Com que Marajó possa se apresentar como referência regional de sustentabilidade no Brasil e no mundo em meio à Mudança Climática.

Em suma, esta é uma atualização dos anseios expressos, há 22 anos, na Carta do Marajó-Açu.



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Academia Brasileira de Letras (ABL), o escritor Jorge Amado
entrega o Prêmio Machado de Assis 1972 a Dalcídio Jurandir.

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Foto da comemoração do Centenário de Dalcídio Jurandir, em Ponta de Pedras, no dia 10-01-2009 – com a presença dos filhos José Roberto e Margarida (acervo fotográfico da Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, Niterói-RJ).

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Nas águas do dilúvio a casa de Dalcídio em Cachoeira do rio Arari se transforma em navio encantado.

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Batido de vento e chuva em meio à indiferença dos poderosos da cultura nacional, que nem os tesos de camotins pisoteados pelo gado do vento, rês sem dono; entregue à triste ignorância local e olvidado pela soberba arqueologia do esquecimento mundial; o chalé do "Chove" tombado no patrimônio municipal foi, literalmente, tombado ao chão, sem dó nem um pio de ai Jesus! Sem tugir nem mugir, vítima expiatória no altar da leniência oficial. 

Tomara que não aconteça, porém o primeiro ecomuseu da Amazônia ou museu comunitário marajoara - O Nosso Museu do Marajó - se arisca a ter destino igual ao do chalé do Chove. Todavia, apesar da ruína material; na paisagem cultural da obra de Dalcídio Jurandir e na memória coletiva de seus fiéis leitores a casa de Alfredo continua de pé, imbatível, cheia de amor e fé na Criaturada grande. A majestosa árvore Folha-Miúda, plantada em letras imortais no espaço entre o chalé e a beira do rio ancestral do índio sutil; renasceu feito perfeito ecomuseu guardando, a par da Criaturada; sonhos e pesadelos do menino Alfredo com o caroço mágico de tucumã sempre à mão e no alto pássaros a tecer ninhos nas verdes ramas, por onde o pirralho contemplava estrelas no infinito. 

Hoje a velha Cachoeira do rio Arari, no sonho da criaturada, é vasto museu ao ar livre que se torna cobra-canoa Boiuna para atravessar a baía do Marajó rumo a Belém do Grão-Pará e o rio Arari para a outra margem em direção à vila de Ponta de Pedras onde o romancista nasceu. O Chalé se alberga agora na imaginação de "cacos de índio", bezerro de duas cabeças, o horroroso Viramundo e mais instrumentos de tortura de escravos, computadores socioeducativos do Gallo, peças de cerâmica marajoara salvas das patas dos búfalos e a diversidade dos acervos memoriais do museu do padre dos pescadores, afilhado de São Pedro Safadinho. A salvo de mil e um dilúvios de temporada invernosa e da falência da fábrica Oleica, pela invenção do sui generis museu, em meio a balanços de perdas e ganhos dos incentivos fiscais da velha SUDAM; transformada por acaso em curral das éguas... Antes que o padre para nunca mais, saindo de Santa Cruz rio abaixo; viesse se mudar, de mala e cuia, em Cachoeira a fim dele não implodir logo na primeira fase do inacreditável museu marajoara. O museu é nosso e esse rio é nossa rua, cheio de encantos mil na pletora de caruanas que desafiam a física quântica na universidade da maré.

A partir dessa vetusta arca de noé ou jangada de cerâmica marajoara, braços de rios, lagos e igarapés tecem a rede aquática reunindo 16 municípios, cada um com seu ecomuseu ou museu comunitário interligado a Cachoeira do Arari pelo mesmo curso de rio e mar da memória. Já dizia o payaçu dos índios Antônio Vieira, em carta a el-rei, que ele foi levar a Mapuá as pazes do reino de Portugal com "índios cristãos" (na verdade, tupinambás inimigos hereditários dos "malvados" (marajós), ditos nheengaíbas) aos pagãos rebeldes da Ilha dos Nheengaíbas (Marajó). Diz ele que viajou com tropa de Cametá por dias e noites contínuos através de ruas, travessas e praças d'água dentre floresta submersa. 

Mundo hídrico onde homens se moviam mais de braços e remos, do que andavam a pé. Ali na vastidão de águas amazônicas montaria não era cavalo ou boi de sela, mas canoa a remos... Tal é o caso da casa-ecomuseu a bem navegar águas da memória: ancorar em Soure e Salvaterra a salvar o palimpsesto que o jovem Dalcídio trazia de Gurupá, passagem das Ilhas com estada no rio Baquiá; um bordejo na casa dos Alcântaras, em Belém; voltar a Cachoeira pernoitando na ilha de Santana para descobrir que o menino Alfredo já era homem feito e a Ponta de Pedras em canoa a remo através do Furo das Laranjeiras e do Rio Canal para varar ao Marajó-Açu que deu nome a toda ilha grande... Pegar o Ita do Norte para o Rio de Janeiro, viajar ao Guaíba, passar por Porto Alegre para escrever o primeiro romance proletário brasileiro, Linha do Parque, na cidade portuária de Rio Grande... Depois na mansarda da rua das Laranjeiras, que nem um frade beneditino, navegar e navegar o rio da memória até ancorar, enfim, em Ribanceira, derradeiro romance, sito à margem do maior rio do mundo, Amazonas. Em Gurupá, lembranças do fim da época da Borracha ao pé forte português que rompeu a "linha" de Tordesilhas.