domingo, 23 de dezembro de 2018

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR ELEITO: em nome da Criaturada grande de Dalcídio.

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Belém do Pará, 23 de dezembro de 2013. 

Excelentíssimo SenhoHelder Zahluth Barbalho:



BOAS FESTAS E FELIZ ANO NOVO. 


Como o senhor está a par do noticiário da imprensa, O Nosso Museu do Marajó em Cachoeira do Arari fechou as portas por falta de manutenção, risco de incêndio e desabamento devido a várias infiltrações de chuva, segundo laudo técnico dos Bombeiros acionados pelo Ministério Público Estadual (MPE) em acordo com a Diretoria do referido Museu. A comunidade teme que eventual demora de recursos resulte ainda em maior prejuízo para o turismo cultural do município e microrregião Arari, numa hora em que emprego e renda local fazem a diferença.

De longa data, acompanho as atividades do MdM como amigo de Giovanni Gallo desde fins de 1994 e voluntário a partir de 2003, após o falecimento do fundador. Ademais, sou nativo de Ponta de Pedras (Ilha do Marajó) e sobrinho por parte paterna do escritor de "Chove nos campos de Cachoeira", aos 81 anos de idade me sinto na obrigação de colaborar em tudo que seja possível para o bem viver da gente marajoara.

Em 1983, o prédio do MdM se encontrava em ruína abandonado pela empresa Oleaginosas de Cachoeira do Arari (OLEICA), com dívida de financiamento junto ao Banco da Amazônia, quando foi adaptado para servir de sede ao museu transferido de Santa Cruz do Arari, numa operação assistida pelo governo estadual durante gestão de Jader Barbalho que possibilitou venda das instalações do MdM em Santa Cruz do Arari e resgate da dívida da OLEICA. Na prática, uma permuta avalizada pelo governo do Estado: dizendo isto como precedente para a intervenção necessária. O museu instalado em Cachoeira do Arari no mesmo ano do Sesquicentenário da cidade (1983) foi reinaugurado em 1984. 

A possível parceria estratégica que poderia ter sido feita em 1983 - Comunidade-Museu - Município - Estado -, deixou de ser formalizada mediante protocolo. Oxalá agora, sob seu governo venha a acontecer para o bem não apenas de Cachoeira, mas também de todos municípios integrados na Associação dos Municípios do Marajó (AMAM) através de rede de extensão de ecomuseus e museus comunitários da mesorregião Marajó.

Em 34 anos, as instalações do MdM em Cachoeira do Arari tiveram apenas ligeiro conserto de estrutura do telhado, cerca de 2010. Ocasião quando irrompeu grave desacordo interno levado à lide judiciária, que acabou pelo afastando da antiga diretoria e rompimento de amizade com importantes colaboradores ligados ao Museu Goeldi, inclusive que vinha dando ajuda indispensável. Decorridos oito anos daquele infausto acontecimento, finalmente foi eleita diretoria de consenso e pacificados os associado. Porém, já o tempo pediu providências urgentes para evitar a ruína do museu que o padre Gallo inventou às margens do lago Arari, em 1973. 

Por certo, inúmeros amigos e amigas do Museu do Marajó estão pedindo sua atenção para o drama deste nosso museu comunitário, o mais significativo da cultura marajoara na grande ilha. Portanto não quero roubar vosso precioso tempo para chover no molhado, mas sim solicitar um olhar especial pela gente que foi o motivo principal de criação do museu. 

Tenho certeza de que já estarão anotadas providências imediatas para fazer os reparos necessários a fim do museu voltar a atender o público no importante município do Polo Turístico Marajó. Entretanto, com sua cordial benevolência ousarei falar em nome da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir - que são as populações tradicionais das Ilhas, Baixo Amazonas, Marajó e Belém retratadas na série literária Extremo-Norte, que deu o Prêmio Machado de Assis (1972), da Academia Brasileira de Letras (ABL), ao autor paraense até hoje único romancista da Amazônia destacado pela dita premiação.

É claro que se vivos fossem Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 1909 - Rio de Janeiro, 1979) e Giovanni Gallo (Turim, 1927 - Belém, 2003) este caboco que vos fala não precisaria sair de seu canto de subúrbio para manifestar os cuidados de mais de 200 mil marajoaras que ainda não sabem ler nem escrever. Um museu para analfabetos? Pois foi esse museu alfabetizador, sim, que o padre dos pescadores fez! Como nós não sabemos!





Para estes analfabetos de pai e mãe e para outros também mal sabendo rabiscar e soletrar, o padre Giovanni Gallo inventou um criativo método de "ver com a ponta dos dedos". É uma maneira expedita de fazer "cegos" enxergar aquilo mesmo que eles estão cegos de tanto ver, como diria o padre Antônio Vieira em seu "Sermão aos Peixes" (1654), em São Luís do Maranhão, quase fugindo dos colonos iracundos do Grão-Pará para ir pedir ao rei de Portugal a lei de abolição dos cativeiros dos índios (1655). 

Não carece repetir que a tal lei real nunca foi deveras aplicada e que ainda hoje perdura o trabalho escravo em nossas regiões periféricas, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Embora tenha sido historicamente com base na lei de abolição dos cativeiros que o 'padre grande dos índios' alcançou a paz com os rebeldes Nheengaíbas (Marajoaras), em Mapuá (Breves), no dia 27 de agosto de 1659. Deste acordo de paz, escreveu o padre ao rei dom Afonso VI, ficou o Pará seguro da cobiça estrangeira (carta de 29/11/1659 - publicada em 11/02/1660). 

Em suma, Senhor Governador, para esta gente à margem da História o museu em apreço é uma tábua de salvação. O Estado deve colocar aí sua mão, mas conservar o caráter comunitário dele. Convidar oficialmente a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC) a participar do mutirão será um atalho para chegar ao IBRAM. Por arremate, o Senhor Governador poderá examinar junto à SECULT possibilidade de remanejar projeto de reconstrução da casa do escritor Dalcídio Jurandir em Cachoeira do Arari, que se acha arquivado, para o edificar em espaço turístico e cultural anexo ao Museu do Marajó.

São estas preocupações que me trazem à presença de Vossa Excelência às vésperas de natal, pelas quais ficaremos eternamente gratos se poderem ser levadas em consideração em nome da Criaturada grande de Dalcídio, 

Saudações marajoaras!
José Varella Pereira.   


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ARCO DO SESQUICENTENÁRIO DE CACHOEIRA DO ARARI,
ANO DA MUDANÇA DE SEDE DO MUSEU DO MARAJÓ.
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sábado, 22 de dezembro de 2018

AÇÃO COLETIVA EM DEFESA DO MUSEU DO MARAJÓ, DA AMAZÔNIA MARAJOARA E DO ESTADO DO PARÁ.



"Em Janeiro de 2009, Cachoeira do Arari homenageou DALCÍDIO JURANDIR, pelo seu centenário de nascimento, com uma caminhada muito animada com cantorias com Ronaldo Silva, as crianças  com seus instrumentos rústicos e contando com a ajuda de muitas outras pessoas para chegar até a casa onde morou o maior romancista da Amazônia onde foi feita a homenagem final. Registrei minha presença na janela de Dalcídio, aliás eu e meu neto Bruno. Este ano na Semana Santa,estive em Cachoeira e pra meu espanto, da casa não restou nada além de mato, embora tenha sido tombada pelo Governo  do nosso Estado" 

Marli Braga Dias, blog Encanto Caboclo.




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O chalé original retratado nas paginas do romance
seminal "Chove nos campos de Cachoeira", de Dalcídio
Jurandir. Objeto de projeto para reconstrução pelo
Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico
e Cultural, da SECULT-PA. 





CERTIDÃO DE TOMBAMENTO
NÚMERO DE PUBLICAÇÃO: 192270
GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA
DIRETORIA DE PATRIMÔNIO
DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO
ARTÍSTICO E CULTURAL
CERTIDÃO DE TOMBAMENTO


De acordo com a Lei Estadual n° 5.629 de 20.12.1990, que "dispõe sobre a preservação e
proteção do patrimônio histórico, artístico, natural e cultural do Estado do Pará", a partir da
presente data fica TOMBADO sob a denominação "Antiga Residência do Escritor
Dalcídio Jurandir" o bem imóvel sito à Avenida Coronel Bento Miranda, n° 621, esquina
com a Travessa Alfredo Pereira, bairro de Petrópolis, município de Cachoeira do Arari,
Arquipélago do Marajó, Estado do Pará.
O tombamento, na forma da Lei, deverá ser inscrito no Livro Tombo n° 03 -Livro de bens
imóveis de valor histórico, arquitetônico, urbanístico, rural, paisagístico,
como: obras, cidades, edifícios e sítios urbanos ou rurais , pertencente ao
Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), da Secretaria de
Estado de Cultura (SECULT).
O bem tombado terá área de entorno definida por raio de 100m, medidos a partir do limite
do terreno onde o imóvel está localizado, conforme dispõe a Lei Estadual n° 5.629/1990,
art. 30, parágrafo único.
Publique-se e cumpra-se.
Secretaria de Estado de Cultura, 14 de dezembro de 2010.
LUIZ FLÁVIO MOURA DE CARVALHO
Diretor Departamento De Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural/DPHAC/DPAT/SECULT
LÉLIA MARIA DA SILVA FERNANDES
Diretora de Patrimônio -DPAT/SECULT
Homologo:
CINCINATO MARQUES DE SOUZA JUNIOR
Secretário de Estado de Cultura -SECULT 






TENTATIVA DE PSICOANÁLISE DO 'CARMA' DO MARAJÓ.


A palavra 'carma' vem do sânscrito karma, língua culta da Índia antiga; que significa 'ação'. Ela aparece em textos hinduístas e budistas cerca de 600 anos antes de Jesus Cristo. O carma, pois, se refere ao longo processo histórico de formação e evolução da mãe Terra com todas suas crias, desde o barro dos começos do mundo até os dias de hoje na era do ciberespaço. Numa palavra, o carma é o primitivo nome da História natural e cultural confundidas, para o bem e o mal, na vida de cada criatura...

E o Marajó velho de guerra com isto? 5 mil anos de ocupação humana das terras baixas da América do Sul; 1600 anos da Cultura Marajoara, a primeira ecocivilização da Amazônia contemplam a Criaturada grande de Dalcídio Jurandir! 

Para decifrar o carma marajoara a gente quer fazer parte da cidadania brasileira e do mundo ora em reconstrução. A Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA Marajó) deve ser reconhecida como Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia, no Programa Homem e Biosfera (MaB), da UNESCO. Com esta unidade de conservação do bioma fluvial-marítimo amazônico (segunda na Amazônia brasileira e sétima da rede brasileira de reservas da biosfera, em conjunto com os biomas da Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Serra do Cipó, Pantanal e Amazônia Central), as populações tradicionais da Amazônia Marajoara serão chamadas a assumir protagonismo nunca dantes neste país.

Biosfera diz respeito à vida de todos seres da Geosfera, incluindo o Homem. E o conjunto de seres pensantes forma a Noosfera considerada a terceira etapa de existência de nosso planeta: as ações do longo passado da Terra estão sempre presentes e podem eventualmente ser modificadas no futuro. Cada bioma e ecossistema tem vida própria: noutras palavras, 'carma' singular.

Qual a peça mais velha e a mais nova do Museu?

O visitante do Museu do Marajó não deve adentrar à exposição sem antes saber quais são as peças a mais antiga e a mais nova do acervo. O carma individual do viajante, nesse instante, se confundirá com o tecido de ações coletivas que geraram o musēum (templo das musas), lugar sagrado de inspiração e consciência. Consciente do aqui e agora de um museu criado com "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica pré-colombiana deixadas ao leu pelo arrombamento e o saque dos 'tesos', sítios arqueológicos), o viajante do mundo há de refletir a respeito de todos os museus do mundo. Para que eles servem? Uma urna marajoara de mais de mil anos de existência pode acordar a consciência da brasilidade para a existência das primeiras nações do gigante da América do Sul.

É claro que as ações individuais do menino italiano Giovanni terminaram por o converter em missionário jesuíta na misteriosa e canibalesca Amazônia (cf. Giovanni Gallo, "O homem que implodiu", autobiografia) e, consciente e inconscientemente, no berço da civilização marajoara ele leva o choque fatal da implosão de sua vida individual de cosmopolita de primeiro mundo para se batizar humildemente caboco nas águas do Arari. Rio de extintas araras 'unas' (azuis)... Quando digo choque do padre dos pescadores na modesta paróquia de Santa Cruz do Arari (ler "Marajó, a ditadura da água) penso eu no carente bairro do Choque, na histórica Cachoeira do Arari onde o padre insubmisso ao bispo e tenaz opositor ao prefeito foi asilar-se. 

Compelido a bater em retirada daquele seu sui-generis eco-museu avant la lettre chamado O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari (1973-1981), que viria a surpreender o criador do conceito de ecomuseu, Hugues de Varine. Por acaso, o ecomuseu do lago Arari de fato, veio a ser precursor do museu comunitário O Nosso Museu do Marajó (1981), transferido apressadamente, em 1983, para instalações virando tapera e curral de éguas da falimentar fábrica Oleoginosas de Cachoeira do Arari (OLEICA).

Recebido de braços abertos pelo povo e autoridades, o Museu do Marajó em Cachoeira abriu suas portas em 1984. O padre iria purgar ainda os seus pecados no altar do Museu e finalmente enterrar os seus ossos, em 2003, antes de ser declarado e crismado pelo povo reincarnação de um grande pajé e cacique marajoara. Se o povo português sob inspiração do poeta trovador Bandarra pôde ressuscitar o rei dom Sebastião, por que a curiosa gente marajoara com a fé ancestral do caruanas não poderia operar semelhante prodígio que o antigo fado lhe outorga?

Quem sabe história e geografia da Amazônia Marajoara concorda com a afirmação de que é do Pará a primeira cultura complexa da Amazônia e a arte primeva do Brasil - a Cerâmica Marajoara -, que hoje se acha espalhada por grandes museus nacionais e estrangeiros. Parte desse patrimônio disperso fora da ilha ancestral da amazonidade foi definitivamente perdida no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. Fato que representa uma dupla alienação para a gente marajoara - a Criaturada grande de Dalcídio Jurandir -, despossuída de história e desterrada de seu chão ancestral.

Em 1939, em Salvaterra então pertencente a Soure, o índio sutil ganhador do Prêmio Machado de Assis de 1972; deu início à série literária Extremo Norte, com o romance Chove nos campos de Cachoeira seguido de Marajó. Roteiro literário passando pelas Ilhas, Baixo Amazonas, Belém, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul... O padre Giovanni Gallo sem conhecer Hugues de Varine inventou o nosso primeiro ecomuseu e sem ler Dalcídio criou o inovador museu comunitário da terra adotiva do escritor de "Chove nos campos de Cachoeira". Na juventude, o futuro romancista queria ser enterrado debaixo da árvore Folha Miúda na beira do rio em frente ao chalé, quando morreu (1979) o sepultaram no Rio de Janeiro... Tantos rios na vida desse marajoara fora de série. O padre envelheceu e morreu no chão de Dalcídio, escreveu três livros, plantou um bosque ao lado do museu no qual um pé da idolatrada Folha Miúda, preparou o teso para demonstração aos turistas, que lhe serviu de túmulo. 

Por tudo isto acredito que está mais do que na hora de levantar o Chalé no Choque ao pé do Museu: boa vizinhança entre o romancista da criaturada grande e o padre dos pescadores.


Guia básica para um projeto de remodelação do Museu




Em primeiro lugar, cientes do carma que nos toca como coletividade, carece acordar sobre aonde queremos chegar. Modestos no tamanho da passada, mas ambiciosos do esperançar da chegada do futuro. 


Com esse objetivo em mente, será útil uma agenda a par da AGENDA 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a partir de um Protocolo-Quadro entre a Associação O Nosso Museu do Marajó e a Prefeitura Municipal de Cachoeira, possibilitando a esta dotar o MUSEU DO MARAJÓ de orçamento financeiro corrente e representação jurídica com interveniente perante a União, Estado do Pará e organismos internacionais para trato de assunto de interesse do museu;

Mediante o instrumento supracitado, promover concurso para elaboração de projeto contemplando hipótese de repatriamento de cerâmica arqueológica que se acha em museus estrangeiros ou remoção de peças de cerâmica marajoara de museus nacionais para um novo e adaptado Museu do Marajó no futuro;

Reconstrução do chalé de Dalcídio Jurandir no conjunto de equipamentos museológicos do Museu do Marajó para fins de turismo literário, conforme projeto de 2010, que acha no Departamento do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (SECULT-PA);

Em convênio com a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC), confiar a esta interesses do Museu do Marajó junto ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), notadamente para criação de extensão ecomuseal do MdM destinada a envolver o município de Cachoeira do Arari em sua totalidade e os mais municípios marajoaras, sobretudo Soure, Salvaterra, Ponta de Pedras e Santa Cruz do Arari na rota gastronômica do queijo do Marajó.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

NOVOS DESAFIOS PARA CONSERVAÇÃO DO MUSEU DO MARAJÓ.

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O tempo não para! O velho galpão da falida fábrica OLEICA, recuperado em mutirão, nos anos 80, para abrigar o museu do padre Gallo em mudança de Santa Cruz do Arari, de mala e cuia, depois de 35 anos dá sinais de que não aguentará mais uma invernada. Cachoeira já tem o trauma de ter deixado o chalé de Dalcídio Jurandir cair ao chão...

O Glorioso São Sebastião não permita esta gente assistir a pior decadência depois da morte do padre Giovanni Gallo (Turim, Itália; 27/04/1927 - Belém do Pará, 07/03/2003); a completar 16 anos de falecimento no próximo ano! Já a estrutura do telhado recebeu conserto uma vez. Porém, agora parece ser inadiável a reforma do prédio principal do conjunto (exposição Giovanni Gallo, reserva técnica arquelógica, albergue, oficina, casa do Gallo e Fazendola), este reclama projeto mais arrojado e, portanto, mais caro. O museu não poderá arcar o custo com seus próprios recursos.

Em Cachoeira do Arari até os pobres moradores do bairro ribeirinho do Choque, vizinho ao museu, sabem que a associação comunitária tem feito das tripas coração a fim de manter as portas do museu abertas ao público. O famoso museu, atrativo turístico número um da cidade; funciona à base de amigos e voluntários apesar de extrema boa vontade da comunidade não tem renda. Desde sua fundação o museu registra crise após crise... Todavia, teimoso como seu criador, resiste e vai sobrevivendo aos invernos na falta de recursos financeiros e de profissionais.

Então, a diretoria recentemente eleita terá que enfrentar novos desafios. Bombeiros teriam sido chamados para avaliar riscos, começando pela insuficiência de extintores de incêndio e o estado geral do prédio da empresa falida construído nos anos 70 com incentivos fiscais da SUDAM. Com a venda da antiga sede do museu em Santa Cruz do Arari ao governo estadual, padre Gallo pôde saldar a dívida deixada pela OLEICA e receber a fábrica para dar lugar ao museu. O que se diz hoje é que o tempo de duração do antigo galpão se acabou (vem aí mais um inverno daqueles retratados no clássico "Chove nos campos de Cachoeira").


O NOSSO MUSEU DO MARAJÓ

Nós todos somos responsáveis pela conservação da obra do padre Giovanni Gallo em Marajó. Isto é, o resgate da memória da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir! A cultura do Povo Marajoara, que foi a primeira intenção do padre, em 1973, com a invenção avant la lettre do primeiro ecomuseu brasileiro, O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari, precursor do Nosso Museu do Marajó (1981). 








Como bem disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, chove nos campos de Cachoeira e Dalcídio Jurandir já morreu... Digo eu agora, chove também sobre a campa do padre Gallo, chove indiferentemente, como a chuva do esquecimento sobre todos mortos do mundo: que permanecerão vivos entre os vivos pelo feito da memória. Se é verdade que a verdadeira morte é o esquecimento, nós queremos ser lembrados pelas futuras gerações como aqueles e aquelas que não deixaram esquecer a história extraordinária do Museu do Marajó. 

Humildemente, suscito ideias estúrdias para que os antigos marajós de mais de mil anos de existência sejam conhecidos do Brasil e do mundo: meu préstimo é deveras insignificante, mas poderá acordar o sol de uma primeira manhã nos campos do Marajó para esta gente que o mundo esqueceu, ver renascer a primeira ECOCIVILIZAÇÃO da Amazônia, na lição fecunda da Amazônia Marajoara, de Denise Schaan e Agenor Sarraf.

Repito, 'ecocivilização' palavra esta que os referidos autores não escreveram na obra, mas eu copio de Ignacy Sachs, economista polonês, naturalizado francês nascido em 1927, mesmo ano em que Giovanni Gallo nasceu; também referido como 'ecossocioeconomista', por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico, aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental. Quer dizer, consultando o passado e aprendendo com ele, é o futuro que me interessa!

Sachs hoje com 91 anos de idade, dez a mais que eu; visitou nos anos 90 o então famoso Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (POEMA), da Universidade Federal do Pará em cooperação internacional. Ele saiu decepcionado criticando o programa que comparou a "aspirina para tratar câncer". Uma crítica que, no fundo, perdura e se generaliza quando se trata de inclusão social com desenvolvimentos sustentável dirigindo-se ao cerne do sistema mundial como ainda vemos nos dias de hoje, com respeito ao Acordo de Paris de 2015 e à Agenda 2030 da ONU dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os Marajós não se vem por ai... Nem mesmo a Criaturada se identifica nos romances de Dalcídio ou na obra de Giovanni Gallo, pelo fato de que metade da população de mais de 500 mil habitantes é analfabeta e Cachoeira é apenas um dentre 16 municípios. A rede escolar da sede municipal, que poderia ser direcionada para estudo regular do museu, depois da morte do padre somente por iniciativa individual de uns poucos professores tem pesquisa de alunos no museu. O desafio é achar Cachoeira no mapa histórico do "maior arquipélago fluviomarinho do Planeta"... Referência aos mais municípios da comunidade marajoara. É preciso situar a Criaturada nesta peculiar região amazônica... 

A Amazônia é mais que a Floresta Amazônica, que integra os países amazônicos (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana francesa). A Amazônia brasileira é composta pelos estados do Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Pará, Tocantins e partes do Maranhão e Mato Grosso: o conceito dado pelo Barão do Marajó (José Coelho da Gama e Abreu) na obra As Regiões Amazônicas... No estado do Pará, Marajó, Salgado e Bragantina fazem parte da Amazônia Atlântica e o ensino geográfico deve mostrar este fato aos alunos. Claro, educando os professores continuamente, sendo os primeiros a defender o Museu do Marajó em rede de ecomuseus e museus comunitários das microrregiões.

O Marajó é mais que uma ilha grande na boca do maior rio do mundo... O Marajó é um mundo! O Museu do Marajó precisa se integrar ao Marajó profundo para cumprir sua missão de acordo com o sonho de Giovanni Gallo.


Que nós podemos fazer?

Desunidos nada nós poderemos fazer, se não apenas assistir o museu do padre Giovanni Gallo desabar como o chalé de Dalcídio Jurandir tombou ao chão sob o peso de infinitos invernos e negligências. Os supostos herdeiros do Gallo, se quisessem, poderiam talvez colocar a venda o cobiçado terreno para alguma empresa. O que eu não acredita que queiram de fato, mas seus verdadeiros herdeiros depois de passados os anos irão resistiriam à tentação do negócio?.. Sem dúvida, para dourar a pílula, possíveis compradores do terreno remanescente da OLEICA e lobistas profissionais poderiam dizer, como de costume, que o hipotético empreendimento iria "acabar com a pobreza da gente marajoara"...

Mas esta, então, seria a derradeira derrota de Dalcídio, Gallo e de todos nós herdeiros do sonho impossível da renascença marajoara. Melhor não olhar para trás e nunca mais por os pés na ilha onde nasceu a primeira ecocivilização da Amazônia.

Meu palpite não passa disto que de fato é, um simples palpite. Diria eu primeiramente, escrevam ao Brasil e ao mundo e digam o que pretendem. Mas, não usem vagas palavras e devaneios. Digam objetivamente, concretamente, às autoridades e à sociedade em geral aquilo que a Criaturada precisa e que O NOSSO MUSEU DO MARAJÓ faria, caso tivesse os recursos que o padre nunca teve.

Queixem-se ao Papa, mandem cartas ao Bill Gattes por exemplo, para tratamento de água na zona rural: ninguém sabe que vivemos cercados de água por todos os lados e também sob nuvens carregadas de chuva - a metáfora do Chove nos campos de Cachoeira e de Marajó, a ditadura da água está pronta, esperando interlocutor de prestígio nacional e internacional -, e se apesar de tudo não morremos de sede durante o verão. morremos lentamente por doenças crônicas veiculadas por água sem o devido tratamento. Por último, as águas do rio Arari estão a receber defensivos e fertilizantes de plantation de arroz. 

Se vocês acreditam que o padre dos pescadores fez um museu de "cacos de índio" só pra inglês ver; vocês não leram os livros que ele escreveu ou se leram entenderam poucas coisas. Vejam lá! Esta será talvez a ultima vez que me meto neste assunto. Se eu fosse dizer em que eu mais acredito, daria prioridade: 

1) Protocolo-quadro entre a Associação O Nosso Museu do Marajó e a Prefeitura Municipal de Cachoeira, possibilitando a esta a dotar o MUSEU DO MARAJÓ de orçamento financeiro corrente e representação jurídica com interveniente perante a União, Estado do Pará e organismos internacionais para trato de assunto de interesse do museu; 

2) Mediante o instrumento supracitado, promover concurso para elaboração de projeto contemplando hipótese de repatriamento de cerâmica arqueológica que se acha em museus estrangeiros ou remoção de peças de cerâmica marajoara de museus nacionais para um novo e adaptado Museu do Marajó no futuro; 

3) Reconstrução do chalé de Dalcídio Jurandir no conjunto de equipamentos museológicos do Museu do Marajó para fins de turismo literário, conforme projeto de 2010, que acha no Departamento do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (SECULT-PA); 

4) Em convênio com a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC), confiar a esta interesses do Museu do Marajó junto ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), notadamente criação de extensão ecomuseal do MdM destinada a envolver o município de Cachoeira do Arari em sua totalidade e os mais municípios marajoaras, sobretudo Soure, Salvaterra, Ponta de Pedras e Santa Cruz do Arari na rota gastronômica do queijo do Marajó.

Obrigado a quem leu com paciência estas mal traçadas linhas e, mais ainda, a quem tiver a gentileza de criticar e emendar alguma coisa.








domingo, 2 de setembro de 2018

O TURISMO É A VOCAÇÃO ECONÔMICA DO MARAJÓ E O DIA DE ALFREDO A GRANDE CELEBRAÇÃO DA CRIATURADA DE DALCÍDIO.

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romance seminal do ciclo Extremo-Norte (capa da 1ª ed., 1941), com o qual Dalcídio Jurandir iniciou o ciclo romanesco Extremo Norte acrescentado do romance proletário "Linha do Parque", com tema do Rio Grande do Sul; que constitui o conjunto de obras literárias do autor distinguido pelo Prêmio Machado de Assis (1972), da Academia Brasileira de Letras (ABL).



Quis a história do povo marajoara que dois homens extraordinários, o nativo Dalcídio Jurandir e o italiano Giovanni Gallo; que não se conheceram na vida, na morte se tornassem inseparáveis e indispensáveis para desenvolvimento humano solidário da gente a mais despossuída da Amazônia Marajoara. Então, pensando sobre este fato eu me pergunto, por que não unir as suas obras num projeto original voltado à Agenda 2030 dos ODS - Marajó com foco no bairro pobre do Choque, da cidade de Cachoeira do Arari; com referência à necessária atualização do PLANO MARAJÓ  para 2019-2022? O bairro do Choque teria este nome devido a frequentes choques do peixe elétrico Puraqué (Electrophorus electricus), na fala narajoara; nome vulgar 'Poraquê' no restante do país; causado a moradores das palafitas em suas idas e vindas do centro da cidade. Aí foi instalada numa área da margem do rio Arari, supostamente "terra de marinha" (vide Secretaria do Patrimônio da União - SPU), com financiamento público pela SUDAM, a fábrica de extração de óleo de ucuúba (Virola surinamensis) e andiroba (Carapa guianensis) denominada "Oleaginosas de Cachoeira do Arari - OLEICA", a qual veio a falir e ficou inadimplente, deixando o prédio em ruína e o terreno abandonado entregue ao pasto de cavalos soltos que espontaneamente adotaram as instalações como "curral das éguas". 

Em conflito aberto com governantes do município de Santa Cruz do Arari e o bispo diocesano de Ponta de Pedras (O homem que implodiu, Giovanni Gallo: Secult, Belém-PA, 1996), padre Gallo cerca de 1983 vendeu ao governo estadual instalações do Museu do Marajó no referido município e com os recursos obtidos adquiriu a massa falida da OLEICA e saldou a dívida da empresa que passou a ser sede e patrimônio do MdM. Com ajuda da Prefeitura de Cachoeira do Arari, a comunidade atendeu em peso o chamado para mutirão de limpeza das instalações e do terreno invadido pelo mato, Gallo jogou-se de corpo e alma a refazer a exposição que foi terminada em 1984, com abertura do museu ao público naquele ano. Assim começou a fase cachoeirense do "museu do padre Gallo". 

15 anos depois de sua morte, agora com a cicatrização de feridas entre associados abertas na disputa de diretoria de 2010, entre presumíveis "herdeiros" da obra; se oferece uma tímida oportunidade de parceria entre a nova diretoria da "Associação comunitária O Nosso Museu do Marajó" e instituições públicas e privadas de renome, notadamente o IFPA e a UFPA que poderiam estimular o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) a contemplar uma nova fase da sua histórica presença no Marajó, além das pesquisas e atividades de extensão comunitária na Estação Científica Ferreira Penna (ECFP/MPEG), em área da Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona Caxiunã).

Com este ligeiro informe, gostaria em primeiro lugar, de enfatizar a Extensão Universitária na região marajoara desde a experiência do CRUTAC / UFPA, nos anos 70, que abriu caminho à interiorização da Universidade Federal do Pará e a implantação do Campus UFPA de Soure em 1986. Deste modo, eleger a Educação Inclusiva em todos níveis, a partir da creche comunitária até a pós-graduação; como estratégia democrática para o desenvolvimento sustentável, Logo, assim, assegurar amparado publico e privado ao MUSEU DO MARAJÓ (MdM) a par das esperanças de uma futura Universidade Federal do Marajó que deverá absorver e substituir - sem pressa e sem improviso -, os atuais campi da UFPA nesta região insular. É dizer, a universidade pública do futuro nas ilhas do delta-estuário amazônico já vem sendo gestada desde os Centros Rurais Universitários de Treinamento e Ações Comunitárias (CRUTACs), do final da década de 60.

Consequentemente, em parceria com a comunidade local deve-se atualizar e reforçar o MdM e estudar a possibilidade de prosseguir com o governo estadual o projeto, paralisado em 2010, da CASA/MUSEU DALCÍDIO JURANDIR inclusive reconstrução do "chalé de Alfredo" do romance Chove nos campos de Cachoeira.  Se houver acordo prévio, mediante assinatura de carta de intenção, por exemplo; a reconstrução do Chalé deveria considerar mudança do terreno original no bairro de Petrópolis para o bairro do Choque, de modo a constituir centro cultural conjunto com o MdM e suas dependências, tais como a Casa do Gallo, Arboreto, Fazendola, Reserva Técnica conveniada com o MPEG e outros anexos. 

A desvantagem de um novo Chalé em lugar diverso de sua história, pode ser amplamente compensado pela arquitetura no espírito da nova museologia, na qual não apenas certos prédios históricos, mas a memória do território inteiro predomina: quero frisar que além de Chove nos campos de Cachoeira, Marajó, Três casas e um rio até Ribanceira; o romanceiro dalcidiano constitui o mapa completo para turismo literário na área estuarina do Amazonas. O Museu do Marajó será mais marajoara do que jamais, com a possível incorporação do projeto estadual CASA/MUSEU DALCÍDIO JURANDIR através do qual o Estado do Pará reconhecerá, oficialmente, sua responsabilidade pela conservação e desenvolvimento da milenar Cultura Marajoara, por acaso, refeita com os "cacos de índio" do caboco Vadiquinho confiados à criatividade do padre dos pobres pescadores de Jenipapo. Ademais, para a comunidade urge lembrar que a União é dona e responsável pelos tesos (sítios arqueológicos). E, outrossim, o nosso prestativo Museu do Marajó é fiel depositário das peças arqueológicas que detém em termo de responsabilidade firmado com o IPHAN. Logo, me ocorre pensar que o referido museu comunitário tem direitos a reclamar perante a União e o Estado do Pará. E que nos todos juntos devemos auxiliar o museu a elevar os seus protestos diante do Poder Público. Penso que se a UFPA, IFPA e o MPEG já marcam presença ao "mutirão", a UFRA não deve se acanhar nem a UEPA poderia faltar.

Quando há boa vontade e espírito de solidariedade, os piores obstáculos podem ser vencidos. De maneira que, no bojo de tal projeto integrado em parceria público-privada, como o acima sugerido, com visão estratégica disciplinas de História, Antropologia e Museologia transdisciplinares aplicadas ao ecoturismo de base na comunidade se podem tornar núcleo rebocador do desenvolvimento humano da Criaturada grande nesta região amazônica. Mas carece manifestar opção preferencial pela erradicação do analfabetismo e da extrema pobreza afim com a Agenda 2030 dos ODSBotar Dalcídio e Gallo com a Criaturada grande no pedaço, é o maior desafio da Educação Inclusiva no maior arquipélago fluviomarinho do Planeta água! Era isto que eu tinha a dizer aos amigos e amigas da gente marajoara.


O NHEENGAÍBA VIVO EM CADA CABOCO

Não há duvida de que esta é mais uma provocação de O Nheengaíba - Davi contra Golias, em verdade -, a fim de suscitar ideias descoloniais, desde 1999, pelo menos, com o atrevido ensaio Brevíssima viagem filosófica, na trilogia iberiana com a Amazônia latina e a terra sem mal e a Breve história da Amazônia Marajoara. Com que o sonho do Turismo Literário me consome como carma desde edição da primeira Feira Internacional de Turismo da Amazônia (FITA), em 2004. E criação anarco-comunitária do DIA DE ALFREDO no contraponto do Bloom's Day em terras tropicais. E lá se foram quatorze anos! Nós ainda somos poucos, entretanto formamos a tribo fiel dos escudeiros de Dalcídio e Gallo. Respectivamente, o índio sutil batizado por Jorge Amado da Bahia de todos os santos e orixás, e a reencarnação de um grande cacique marajoara segundo declarou, publicamente, um misterioso visitante do Museu do Marajó, que não pediu segredo e ninguém sabe donde vinha nem para ele onde foi. O certo é o padre que queria ser santo e implodiu ficou encantado no imaginário popular marajoara.

Até os caruanas sabem que o maior interesse desta gente no negócio do turismo é a parte que a Criaturada grande merece ganhar neste latifúndio. Acreditamos que a vocação econômica do Marajó é o turismo. Melhor dizendo, o ecoturismo de base na comunidade, com que sonhamos com a emancipação cidadã e o desenvolvimento humano, a paz e a justiça social com Felicidade Interna Bruta (FIB) que nem a da Costa Rica. E já se sabe, oficialmente pela ONU, que a bela Costa Rica é o país mais feliz da América Latina, ostentando três posições acima dos poderosos Estados Unidos na lista mundial de países de maior FIB, na contraparte do Produto Interno Bruto (PIB).

Portanto, morrendo de inveja do povo costa-riquenho  (http://amazoniaruak.blogspot.com/2018/03/a-felicidade-interna-bruta-fib-das.html ), falei da FITA como promoção comercial tal qual o publicitário Leopold Bloom, personagem de romance para "vender" Dublin (Irlanda), exemplificando minha velha esperança de ver na prateleira produtos de turismo literário, como rebocador do desenvolvimento sócio-econômico da gente marajoara. Claro que os experts recomendam apenas seguir os ditames do Mercado, todavia os mercados se criam também pelo lado da oferta. Produtos turísticos não nascem prontos como fruta no pé da árvore. Exemplo do romance Ulisses de James Joyce, com o fictício agente publicitário Leopoldo Bloom flanando durante 18 horas de "viagem" por Dublin, no dia 16 de junho de 1904 e início da madrugada do dia seguinte. Dalcídio Jurandir também, em Primeira Manhã, faz Alfredo percorrer a cidade de Belém do Pará em apenas um dia, tal qual o revolucionário romance irlandês: daí a inspiração para o Dia de Alfredo, na data da morte do "índio sutil", 16 de junho. 




PRA NÃO DIZER QUE EU ESQUECI O VELHO CHALÉ.

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Já sabemos que o tombamento e reconstrução do chalé de Chove tornou-se uma decepcionante novela. Mas a gente não pode se amofinar... Se a casa de Alfredo não deu mais para ficar em Petrópolis, que seja refeita no Choque às ilhargas do Museu do Gallo com a árvore Folha Miuda plantada no Arboreto. Precisamos saber, se por acaso, depois de oito anos no arquivo morto do DPA da SECULT-PA, ainda dá para ressuscitar o projeto de reconstrução do chalé de Chove nos campos de Cachoeira.

O projeto de reconstrução do chalé entrou no Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó, vulgo PLANO MARAJÓ sob rubrica de CASA/MUSEU DALCIDIO JURANDIR, conforme versão datada de 26/07/2006. O dito cujo foi lançado em festa na cidade de Breves, no ano seguinte, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Governadora Ana Júlia Carepa. Até aí, o MUSEU DO MARAJÓ teve papel destacado de articulador da sociedade civil, que viria a perder devido à discórdia interna de 2010, no MdM. Pena que a briga interna afetou as relações externas ao município. 

No contexto dos preparativos do Centenário de nascimento de Dalcídio Jurandir (2009), por iniciativa do vereador Pedro Ribeiro dos Santos, a Câmara Municipal de Cachoeira do Arari aprovou e o Prefeito sancionou lei para o tombamento da casa onde o escritor morou com seus pais e irmãos em Cachoeira do Arari, desde 1910. O governo estadual também tombou o mesmo imóvel, veja-se:


De acordo com a Lei Estadual n° 5.629 de 20.12.1990, que "dispõe sobre a preservação e proteção do patrimônio histórico, artístico, natural e cultural do Estado do Pará", a partir da presente data fica TOMBADO sob a denominação "Antiga Residência do Escritor Dalcídio Jurandir" o bem imóvel sito à Avenida Coronel Bento Miranda, n° 621, esquina com a Travessa Alfredo Pereira, bairro de Petrópolis, município de Cachoeira do Arari,
Arquipélago do Marajó, Estado do Pará.


O tombamento, na forma da Lei, deverá ser inscrito no Livro Tombo n° 03 -Livro de bens imóveis de valor histórico, arquitetônico, urbanístico, rural, paisagístico, como: obras, cidades, edifícios e sítios urbanos ou rurais , pertencente ao
Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT).


O bem tombado terá área de entorno definida por raio de 100m, medidos a partir do limite do terreno onde o imóvel está localizado, conforme dispõe a Lei Estadual n° 5.629/1990,
art. 30, parágrafo único.


Publique-se e cumpra-se.
Secretaria de Estado de Cultura, 14 de dezembro de 2010.
LUIZ FLÁVIO MOURA DE CARVALHO
Diretor Departamento De Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural/DPHAC/DPAT/SECULT
LÉLIA MARIA DA SILVA FERNANDES
Diretora de Patrimônio -DPAT/SECULT
Homologo:
CINCINATO MARQUES DE SOUZA JUNIOR
Secretário de Estado de Cultura -SECULT

Diante dos fatos, não se pode culpar somente um ou apenas alguns responsáveis por este notável case de insucesso. O carma coletivo da gente marajoara é exemplar em casos de insucesso. Podíamos listar vários deles desde o século XVI, com Pinzón atacando e arrastando 36 índios da ilha Marinatambalo (Marajó), levados como "negros da terra" (indígenas escravizados) para a ilha Hispaniola ("pequena Espanha", Santo Domingo). Amazônia, teu nome é Colonialidade...


Em 1939, recém liberto da antiga cadeia de São José onde o nosso romancista foi preso político por combater o fascismo junto com seus camaradas, ele e sua mulher Guiomarina foram morar na vila de Salvaterra, distrito do município de Soure. Nasceu ali o romance Chove nos campos de Cachoeira, que ele carregava na bagagem na forma de esboço. Em seguida, ele escreveu o romance Marinatambalo, nome significativo pelo acima exposto. Este romance foi publicado com título Marajó e nele Vicente Salles viu raízes do velho romanço ibérico Dona Silvana. Orminda é bela mulata desejada por todos homens e a pobre acaba mal os seus dias, doente e esquecida, no Campinho (Ponta de Pedras), na realidade bairrozinho onde o escritor nasceu numa casa humilde. A bela Orminda morre nos braços de sua velha mãe ao lado da caboca Alaíde, do rio Paricatuba; amásia do filho do fazendeiro: a infeliz Silvana era filha do rei medieval atormentado pela ideia de incesto com a própria filha, Orminda seria ou não bastarda do coronel Coutinho... Marajó é um mundo à parte! 
Oxalá, aos 45 anos da criação d'O Nosso Museu de Santa Cruz do Arariprecursor do Museu do Marajó em Cachoeira do Arari, haja uma chance de quebrar o "encanto" do velho Marajó de guerra! Um entendimento inteligente entre a União, o Estado do Pará e a entidade federativa dos Municípios do Marajó para realizar a "vocação econômica" do Marajó visando o desenvolvimento humano da gente marajoara, atendendo ao disposto na Constituição do Estado do Pará, de acordo com o pacto federativo de 1988? Qual seria a mencionada "vocação econômica"? Este dispositivo constitucional, integrante da Área de Proteção Ambiental do arquipélago do Marajó não tem interpretação mansa e pacífica nos dias de hoje, pelo contrário, ainda guarda resquícios coloniais os mais antigos, desde a conquista do rio Amazonas.

Por acaso, a incipiente invenção museal do padre Gallo, em 1973, revisto o tempo passado pode ser agora considerado, sem nenhum favor, o primeiro ecomuseu brasileiro, contemporâneo aÉcomusée du Creusot Montceau-les-Mines, na França o primeiro do mundo. Certamente, a "vocação econômica" prevista pelo constituinte estadual de 1989 não poderia contemplar acontecimentos futuros que ora colocam o Turismo à frente de todos mais itens da pauta do maior arquipélago fluviomarinho do Planeta. Com a candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia ao programa Homem e Biosfera, da UNESCO, absurdamente encalhada desde 2003, o mesmo ano em que Giovanni Gallo faleceu. Depois de "implodir" face à incapacidade de seus contemporâneos compreender a missão comunitária do Museu do Marajó e o potencial turístico da Amazônia Marajoara. 

Mas, afinal, se agora já podemos constatar a verdadeira vocação econômica do Marajó: onde se agregam o queijo, o frito de vaqueiro, a caça autorizada e manejada; a pesca artesanal, a cultura popular; a ciência aplicada à Arqueologia Marajoara; a educação básica e a capacitação profissional consequente deste mesmo potencial; ainda falta pactuar um plano de desenvolvimento territorial sustentável, cujo protagonismo de fato seja da gente marajoara. Afim com o espírito da Constituição-Cidadã e seu rebento constitucional do Pará, especificamente no Artigo 13:
Constituição do Estado do Pará.

Art. 13 - Incluem-se entre os bens do Estado do Pará:
..........

VI - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio e os rios que têm nascente e foz em seu território, bem como os terrenos marginais, manguezais e as praias respectivas.
........
§ 2º. O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vista ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara.  


A necessidade é a mãe de todas invenções e a mão invisível do acaso já fez muitos causos supimpas vestir a máscara sagrada de Jurupari na crença dos pajés. Creio que o padre dos pescadores arariuaras, depois de Nunes Pereira e Raymundo Heraldo Maués; foi quem melhor enxergou o papel dos pajés na raiz da primeira ecocivilização da Amazônia, desde os começos da idade do barro.
Marajó é mundo continuamente emergente das águas grandes do golfão amazônico, lugar sem par onde o maior rio do mundo e o Mar-Oceano se debatem sem trégua numa luta de titãs. Aqui mito e história inseparavelmente se enroscam há cinco mil anos de presença humana nas terras baixas do equador americano. O caboco espoliado e confinado nas varjas há que se elevar para ter visão geral do maior arquipélago fluviomarinho que ele habita desde tempos antigos dos seus antepassados. Noutras, palavras para conquistar um futuro melhor para seus filhos e netos, o povo marajoara precisa resgatar o passado perdido. 

O escritor agnóstico Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 1909 - Rio de Janeiro, 1979) e o padre jesuíta Giovanni Gallo (Turim, Itália 1927 - Belém do Pará, 2003) nunca se viram em vida. Ademais, durante o Colóquio Dalcidio Jurandir: 60 anos de Chove nos campos de Cachoeira, em novembro de 2002, na Fazendola do Museu do Marajó, Gallo declarou não ter lido ainda os romances do Índio Sutil. Pediu que lhe mandassem obras do escritor para a biblioteca do museu. 



Resultado de imagem para capa livro Marajó diatuda da água de Giovanni Gallo

fruto da correspondência entre Maria de Belém Menezes e Dalcídio Jurandir, Giovanni Gallo recebeu sugestão do escritor para seleciona algumas reportagens publicadas semanalmente na imprensa do Pará e publicar um livro que seria testemunha do homem marajoara na labuta do lago Arari. Este livro é "Marajó, a ditadura da água".






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árvore Folha Miúda, família Rubiaceas, especie Psichotria sessilis.


Na juventude, o filho de dona Margarida Ramos com o capitão Alfredo Nascimento Pereira, manisfestou desejo de ser enterrado debaixo da árvore de Folha Miúda na beira do rio confronte o chalé. Cinquenta anos depois, quando ele morreu, distante de sua terra; ninguém se lembrou daquele pedido. No Centenário, então apareceu o bilhete e a casa remanescente do velho chalé batido de chuva e vento; ainda resistia. Hoje não existe mais. A velha Folha Miúda desertada do menino Alfredo sucumbiu ao tempo e à correnteza do rio...

Todavia, a velha rebrotou no arboreto ao lado do museu do Gallo e agora será talvez o chalé que poderá ser refeito nas proximidades da árvore de infância de Dalcídio. Resiliência a toda prova. Quem sabe lá quantas crianças, os "netos" de Dalcídio; poderão se deslumbrar debaixo a sombra amiga da nova Folha Miúda!



palafitas do bairro do Choque, Cachoeira do Arari, Marajó.


segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O DIA QUE A GUERRA DE CONQUISTA DO RIO BABEL ACABOU.

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Reserva Extrativista Mapuá, município de Breves, ilha do Marajó: sítio histórico das pazes de 1659, entre portugueses e nheengaíbas após mais de 40 anos de guerra, desde a tomada do Maranhão aos franceses (1615), recrudescendo com a tomada de Gurupá e expulsão dos holandeses, entre 1623 e 1647 (foto: Miguel von Behr / ICMBio). Poderia, inclusive, ser reconhecido como Monumento Natural de relevante interesse histórico.


Pena que a colonialidade imperante dentre nossos mais influentes intelectuais relega o papel político do padre António Vieira - visionário sebastiano do Quinto Império do mundo, ou a utopia evangelizadora do Reino de Jesus Cristo consumado na terra -, a último plano, diante da fama de imperador da língua portuguesa e de orador sacro: assim, o ditado iluminista borra o que ele fez na conquista territorial das "almas" dos índios da Amazônia durante a sua missão no Estado do Maranhão e Grão-Pará (1621-1751), mormente na negociação de pazes entre colonos portugueses e índios das ilhas do Marajó, no século XVII, evitando a "guerra justa" (extermínio e cativeiro, para não dizer genocídio) contra os chamados Nheengaíbas. Ou, quiçá, a derrota militar com a perda definitiva do Pará e, consequentemente, da Amazônia para a Holanda aliada aos índios do Amapá e Marajó. 

Esta a reflexão que os brasileiros precisam fazer, todos anos, sobretudo nos cursos de História a respeito da data de 27 de Agosto: haveria hoje uma Amazônia brasileira sem os acontecimentos históricos relativos à paz entre numerosas nações nuaruaques, tupinambás cristianizados cansados de guerra e correrias pelos sertões e o reino de Portugal empobrecido pela União Ibérica (1580-1640)?

Porém, não é o passado que interessa agora às jovens gerações amazônidas descendentes daquelas velhas etnias escravizadas e marginalizadas nos séculos precedentes; sim o melhor futuro possível. Para que nos serve a História? Segundo José Honório Rodrigues, na Teoria da História do Brasil, Deus e a História não são para os mortos... O mestre escreveu que aos olhos de Deus todos estão vivos por toda eternidade e para a História o que importa é sempre o presente das sucessivas gerações em demanda de vir a ser. A respeito da existência de um ser Superior ao humano, a crença ou descrença individual é menos relevante que o consenso da coletividade: inegavelmente, o ateísmo e o agnosticismo são largamente minoritários do ponto de vista histórico global. Respeitáveis minorias que abrem caminhos do amanhã, mas mais respeitáveis as maiorias que tecem a realidade do aqui e agora, lutando por conservar seu modo vida nos lugares onde vivem.

O historiador José Ribamar Bessa Freire, autor do clássico Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, Atlântica Editora, 2004. (Coleção Brasilis), percorre três séculos de história da língua geral amazônica, o célebre Nheengatu, sua implantação e declínio, enfatizando suas funções sociais e seu papel na constituição da identidade amazônica. Pela leitura da obra, fica-se sabendo que o "imperador da língua portuguesa", como o poeta Fernando Pessoa considerou o padre Antônio Vieira, foi responsável pelo nome de "rio Babel" para o "rio das amazonas", que ele grafava também Almasonas, enfatizando a missão de salvar almas dos bárbaros habitantes da região. Ou seja, "civilizar" a multidão de falantes das línguas "dificultosas". 

O payaçu dos índios escreveu ao rei de Portugal, que ainda não havia assumido o trono; e, provavelmente, por incapacidade mental jamais leu a carta do missionário da Amazônia lusitana; dando notícia da inverossímil carta-patente em nome de Sua Majestade a todos caciques Nheengaíba, que o superior das Missões diz ter mandado por intermédio de dois "embaixadores" indígenas de mesma etnia dos Nheengaíbas. Ou seja, lhes mandou recado oral talvez por dois nheengaíbas cativos que falavam a língua geral, os quais realmente fizeram a melhor embaixada possível nas penosas tratativas das pazes de Mapuá. O príncipe mentecapto não leu Vieira, porém sua mãe dona Luísa de Gusmão, leu e autorizou depressa a impressão da carta vinda das missões do "Seará, Maranham, Pará, e do rio das Amazonas". 

Por suposto, o secretário de estado dom António de Sousa de Macedo (1606, Porto - Lisboa, 1682) tomou nota da mesma carta, sobretudo no que se refere à ilha dos Nheengaíbas. Com a desgraça de Vieira expulso violentamente com seus confrades pelos colonos do Pará, em 1661, e o processo e condenação do mesmo perante o tribunal da Inquisição, acusado de promover heresia judaizante (Quinto Império do mundo), dom António de Sousa de Macedo considerou a posição estratégica da Ilha em meio à desembocadura do grande rio Amazonas e o acesso a águas interiores do continente até às encostas dos Andes, vista no contexto internacional como região contestada entre Portugal e outras nações colonizadoras, apesar do Tratado de Tordesilhas (1494) ainda vigente, revogado somente pelo Tratado de Madri (175), que, portanto, deixava a ilha do Marajó legalmente em possessão da Espanha.

Esta notável observação, nos lembra então que, de direito e de fato, o acordo dos "sete caciques nheengaíba" rompeu a "linha" de Tordesilhas deixando, finalmente, os portugueses com seus "índios cristãos" (Tupinambás) passar rio acima em busca da utopia selvagem que lhes trouxera de longe para a bacia amazônica. Na verdade, Nheengaíba e Tupinambás antropófagos pelejavam antes mesmo da vinda de Pinzón (1500) e outros europeus. O mameluco Diogo Nunes, em 1538, (cf. Nelson Papavero, O Novo Éden: MPEG, Belém-PA, 2000) relatou uma importante migração tupinambá saída de Pernambuco pelo sertão até a Amazônia peruana através do rio Solimões: como aqueles tupinambás chegaram ao alto Amazonas sem passar antes pelo rio dos Tocantins, Pará e Baixo-Amazonas? A resposta está na hidrografia amazônica e a antropologia explica o ódio hereditário entre os índios da terra-firme (continente meridional) e ilhas do Pará. Fato que realça mais ainda a história das pazes de Mapuá e que a historiografia do século XVII dá apenas uma pálida ideia.

As palavras de Vieira se tornaram clássicas na descrição da imagem do Marajó do século XVII e levaram à representação cartográfica dos séculos seguintes, quando se assinala a presença da grande ilha, outrora dos Nheengaíbas ou dos Aruans (ver António de Sousa de Macedo capitão geral e governador da ilha de Joanes, de Pedro da Costa de Sousa de Macedo (Villa Franca) e Edilson Nazaré Dias Motta, http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/pedro_costa_sousa_macedo.pdf )

"Em requerimento dirigido ao rei D. Afonso VI, provavelmente do final de 1663, o Secretário de Estado pedia a doação da Ilha Grande do Joanes, com suas capitanias, de juro e herdade, fora da lei Mental e com as cláusulas e condições semelhantes às anteriormente concedidas naquele Estado. Foram estas informações facultadas a Sousa de Macedo pelo próprio governador da Capitania do Grão Pará, Luís Vasconcelos de Sequeira e por Aires de Sousa Chichorro, capitão-mor na mesma capitania. Estas cartas contém informações credíveis que certamente permitiram ao donatário apoiar as suas pretensões e preparar o exercício do poder senhorial." (Ibdem).

Pouco após a doação da capitania da Ilha Grande de Joanes (1665), Dom Afonso VI foi destronado (1667) por seu irmão, o Infante Pedro, que lhe tomou o reino e a rainha alegadamente por incapacidade mental e sexual para gerar herdeiro do trono. Ainda sobre a carta do padre António Vieira, que serviu de base para concessão da capitania hereditária (1665-1757). Em livro de memória, em que descreve as propriedades da sua capitania, Dom António de Sousa de Macedo trata do “Senhorio da Ilha Grande” (1676), dizendo: “No Gram Pará Estado do Maranhão, sou Senhor, e Capitão geral da Ilha grande de Joannes (donde meu filho tem o titulo de Barão) e em outras duas vidas… he Ilha de grandíssimas esperanças por sua fertilidade, e bom sitio; determino com o favor de Deos tratar della, e sua povoação fundando huma villa com o nome de Santo Antonio, e procurar em primeiro lugar o bem das almas dos gentios de q. he povoada; e do mais que nella convier ao culto da Religião, e serviço de nosso Senhor".  

A dar crédito ao padre Vieira, Dom António de Sousa de Macedo deveria agradecer ao cacique Piyé, "o mais ladino de todos" caciques nheengaíba, o único que se sabe o nome. Do ser que o padre inventou-lhe nome e história. Todavia, isto não importa pois o verdadeiro nome de um índio é segredo entre ele seus país e o pajé que assistiu sua nominação étnica. É possível que a fala do índio, na verdade é o pensamento do missionário... O fato principal desta história é que não aconteceu a famigerada "guerra justa" para castigo aos rebeldes Nheengaíbas. Acusados pela Câmara de Belém de praticar pirataria contra canoas da tropa de resgate (captura de escravos) e de "drogas do sertão" (colheita de cacau, castanha, urucu, pimenta, etc.) e, após as ditas pazes, foram fundadas pelo padre António Vieira com nheengaíbas transferidos da ilha grande para a terra-firme - sem oposição dos guerreiros tupinambás inimigos dos insulanos -, as aldeias de Aricará (Melgaço, desde 1758) e Arucará (Portel, idem), no mesmo ano de 1659. Pelo costume da época, aldeias missionadas adotavam nome de seus "principais" (tuxauas ou caciques), deste modo Aricará e Arucará seriam, respectivamente, nomes de nheengaíbas que participaram do encontro, entre 21 de agosto e 4 de setembro de 1659, na igreja do Santo Cristo do rio dos Mapuá. Por outras palavras: se a história de Mapuá deixa dúvidas, a geografia de Melgaço e Portel, a par de Gurupá (1623), testemunha efetiva tomada de posse luso-brasileira do território castelhano além fonteira tordesilhana. Pedro Teixeira levado por 1.200 tupinambás já havia retornado de Quito (Equador) e seus remadores voltaram frustrados, aparentemente, a busca da mítica Yby maraey (terra sem mal).

A grande ilha atravessada na boca do Amazonas, disse o padre grande dos índios; havia, aproximadamente, 40 mil índios numa estimativa expedita. Os Nheengaíbas (nuaruaques) somados aos seus parentes Tucujus, habitantes do Cabo do Norte (Amapá), podiam chegar até 100 mil índios inimigos hereditários dos Tupinambás aliados aos portugueses. Na verdade, a ilha a que Vieira se referiu em carta ao rei não era apenas uma, mas cerca de duas mil ilhas grandes e pequenas, "de fora" (marítimas) e "de dentro" (fluviais), que formam o maior arquipélago fluviomarinho do planeta. Junto com a sua parte de terra-firme (continente), a antiga "ilha" dos Nheengaíbas [ou dos Aruans, Ilha Grande de Joanes,  do Marajó, Analau Yohynkaku em língua aruã] soma 104. 410 quilômetros quadrados, o que demostra a grandeza e diversidade da Amazônia marajoara, situada no golfão de mesma denominação geográfica. Em tudo oposto ao Nheengatu (a "boa língua" com base no tupi do Norte), a "língua ruim" (nheengaíba) confederava diversos povos de língua e cultura Aruak da área cultural guianense, que se estendiam do delta-estuário do rio Amazonas até a ilha de Trinidad, no mar do Caribe.

Os Nheengaíbas, isto é, Marajoaras; formaram-se num complexo indígena saído do paleolítico da "grande ilha das Guianas" (cf. Elisee Reclus) ou "grande oval das Guianas" (cf. Raja Gabaglia) de cerca de cinco mil anos de idade! Donde nasceu, há 1.600 anos, a primeira cultura complexa da Amazônia, Cultura Marajoara (ver Cultura Marajoara, de Denise Shaan: Senac, São Paulo, 2009). 

Para Bessa Freire, o ponto de partida na atualidade é a desconstrução de dois mitos fundadores da memória coletiva brasileira: o mito da unidade territorial e política, que apagou as fronteiras entre as duas colônias portuguesas na América (Maranhão e Grão Pará, por um lado; e Brasil, por outro); e o mito da hegemonia da língua portuguesa no período colonial, que omitiu o papel preponderante das línguas gerais. Ademais, o autor enfatiza a atualidade da questão ao recuperar dados pouco mencionados da situação das línguas indígenas na Amazônia atualmente — por exemplo, a oficialização, em 2002, das línguas Nheengatu, Baniwa e Tukano em São Gabriel da Cachoeira, município amazonense "maior que Portugal" (Bessa Freire, 2004, p.18) faz questão de enfatizar. 

Yves Lacoste ensinou que a Geografia serve, sobretudo para fazer a guerra. Então, a História poderia promover a verdade, a justiça e a paz? O problema é que os donos do Poder e dos meios de comunicação fazem opção preferencial pela manutenção da ordem econômica mundial contra quaisquer tentativas de mudança econômica, tecnológica e militar em disputa geopolitica entre as potências, mediante agressiva concorrência em busca de matérias-primas, força de trabalho menos qualificado e celeiros de commodities (mercadorias) de menor valor agregado, no resto do mundo. A Amazônia resta sendo periferia da Periferia sul-americana.

O pensamento predominante no século XXI reclama uma ordem planetária preocupada com os Direitos Humanos e a conservação da Biosfera: assim, a atual geração em diferentes partes do mundo procura compreender as causas e consequências históricas dos problemas globais - como observa o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si sobre o cuidado da casa comum - o consumismo e desenvolvimento irresponsável levou a humanidade à beira do abismo atômico agravado pela mudança climática. Agora, rememorar e ressignicar o esquecido 27 de Agosto pode despertar descendentes dos extintos Nheengaíbas a respeito da história de Mapuá, por exemplo, para que tenham orgulho da criação da Reserva Extrativista Mapuá, em 2005, a par da mais unidades de conservação na mesorregião Marajó, ativando a luta pela criação de mosaico de áreas protegidas no delta-estuário do Amazonas e a criação da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia.

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Japiim (Cacicus chrysopterus), ave símbolo da Resex Mapuá


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comunidade Bom Jesus (foto de Flávio Contente, 16/08/2011, publicada no Panoramio, via Google), comuninidade mãe da Resex Mapuá.