sábado, 16 de junho de 2018

A 'INTELLIGENTSIA' AMAZÔNIDA E A TRISTE SINA DO HOMEM DO PACOVAL.


Mesa de honra da sessão solene de instalação da Universidade do Pará, que ocorreu no dia 31 de janeiro de 1959, no Theatro da Paz. Acervo Museu da UFPA.
instalação da Universidade do Pará pelo presidente Juscelino Kubitschek, com presença do governador do estado, Joaquim Cardoso de Magalhães Barata; pronunciamento oficial do primeiro reitor da universidade, Mario Braga Henriques; dia 31 de janeiro de 1959, no Theatro da Paz. Acervo Museu da UFPA.




 "É tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos."
Aníbal QuijanoColonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina.





DESAFIO DESCOLONIAL E A 
 AMAZÔNIA MARAJOARA.

Naquele distante dia 31 de janeiro de 1959, instalou-se solenemente a Universidade do Pará, mais tarde Universidade Federal do Pará (UFPA). Eu não me lembro de ter escutado nada no rádio ou lido notícia de jornal a respeito do fato de suma importância na história da Amazônia brasileira. Apesar da idade, 21 anos completos; eu me encontrava ainda um analfabeto político com certos rasgos de lucidez devido à leituras, principalmente do romance Marajó, de Dalcídio Jurandir. No mesmo ano completou-se, no dia 27 de agosto 1959, 300 anos redondos das pazes entre os portugueses do Pará e os índios nheengaíbas rebeldes da ilha do Marajó, das quais o padre Antônio Vieira escreveu em carta datada de 29/11/1659. Ainda hoje a intelligentsia do Pará, com raras exceções, trata o assunto de maneira quase simplória. O fato é que, como disse Vieira, depois de 44 anos de guerra de conquista desde a tomada do Maranhão (1615), o Pará fez uma trégua pela qual sob a bandeira da União Ibérica (1580-1640) gestou-se o uti possidetis real reconhecido no tratado de Madri de 1750, que revogou o de Tordesilhas de 1494. O pensamento colonial cunhou o preconceito de que "índio vê a árvore, mas não enxerga a floresta". Falso como a lição Eva viu a uva na educação infantil de crianças cercadas de açaizal por todos os lados. Ao contrário, a branquitude civilizatória vê a mão poderosa do dono de fazenda, mas não vê o índio da história pátria, nem o escuta na Voz do Brasil... 

O fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747), capitão Florentino da Silveira Frade, achou vestígios do "homem do Pacoval", no dia 20 de novembro de 1756, no teso do Pacoval do rio Arari, segundo a Notícia Histórica (1783), do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Curiosidade: o diletante mineiro Domingos Soares Ferreira Penna, influenciado pelo suíço Louis Agassiz (1807-1873), pai do racismo científico e do criacionismo no século XIX; foi à ilha do Marajó à procura daquilo que o sábio helvético teria supostamente visto. Ferreira Penna com Ladislau Neto viram as ruínas da cerâmica marajoara e cuidaram de mandar abrir o teso do Pacoval, mas aparentemente não leram o relato do sargento mor da vila de Monforte, na Notícia Histórica, o índio sacaca Severino dos Santos que se reporta à história oral do povo Iona (na corruptela poruguesa Joanes) em seu conflito hereditário com os Aruãs, desde as alturas de 1300... Uma pista a "desconfiar da paisagem" na lição de Marcelo Lopes de Souza (2013), pois a cabeça degolada do tapuia (H. sapiens var. Tapuya) que o sábio de Coimbra classificou na Viagem Philosophica (1783-1792), poderia muito bem ser a do homem do Pacoval idolatrado por Raymundo de Morais, patrono da universidade da maré e baratista roxo... Mas, dizem também que o primeiro reitor da UFPA, Mario Braga Henriques era protegido do Barata, como também o diretor do Museu Paraense Carlos Estevão de Oliveira. Para o bem e o mal, as marcas históricas da revolução de 1930 tem a cara do Baratismo sob o governo nacionalista de Getúlio Vargas. Os ventos de 1922, com o Tenentismo e a Semana de Arte Moderna em São Paulo varreram o Brasil de Sul a Norte, no Estado do Pará foi início da transformação pela qual passaria com as velhas oligarquias latifundiárias substituídas por uma nova classe com aspiração industrial. O interventor Magalhães Barata estendeu seu poder discricionário ao Museu Goeldi. Assinala aí uma tensão a mais entre a elite burguesa saudosa dos melhores dias da casa Paris n'América e o paraensismo emergente de raízes na Cabanagem (1835-1840). De acordo com a ideologia do novo regime, caracterizada pelo populismo e pelo nacionalismo, a nova direção do museu contando com apoio estadual foram recuperadas as dependências do Parque Zoobotânico como principal área de lazer e educação ambiental da população voltando o antigo Museu Paraense a mudar novamente o nome para Museu Paraense Emílio Goeldi.

Na instalação da Universidade do Pará, Magalhães Barata ao lado de JK estava prestes a encerrar, meses mais tarde, seus agitados dias de revolucionário de 1930, consumido pela leucemia. Foi ele uma lenda viva e eu, particularmente, agradeço seu despotismo esclarecido ao obrigar alunas e alunos concluintes de curso na Escola Normal a começar carreira no Interior do estado. Foi assim, que a antiga vila do Itaguari (Ponta de Pedras) recebeu as suas três primeiras professoras normalistas da história do município. Ainda falta fazer a história de uma geração pontapedrense que apenas com o então ensino primário destacaram-se dentro e fora do município... Por força do destino e falta de hospedagem oficial, minha professora de alfabetização foi morar em casa de meus pais, na rua Lauro Sodré... A professora Alda era filha de um casal de imigrantes portugueses oriundos da Ilha da Madeira, o senhor Vicente Gonçalves e sua esposa dona Carolina: ele havia um tabuleiro de venda de frutas no Mercado de Ferro (Bolonha), pelo lado de entrada da Rua Oriental do Mercado. E sua mulher com o filho Tota (Antônio) pelejava pelo sustento da família com uma vacaria embaixo do casarão à rua Carlos de Carvalho próximo à esquina com a rua de Óbidos, em Belém. 

Aquele trecho da Cidade Velha sob influência do Canal Tamandaré era uma lástima, sobretudo com as chuvas. Tudo alagado e lamacento, o Tota todo santo dia morto de trabalho com as vacas e o touro enfezado que puxava a carroça com o capim tirado do imenso capinzal da baixada que fora um dia igapó na lição imortal do sábio Eidorfe Moreira (O igapó e seu aproveitamento, em Obras Completas UFPA). A família madeirense Gonçalves trabalhava o dia inteiro para vender leite e frutas, enquanto as duas filhas moças Alda e Amélia estudavam na Escola Normal, depois Instituto de Educação do Pará (IEP), para ir levar ensino público ao Interior... Toda minha adolescência, morando com minha tia materna Armentina e o tio Alexandrino, português pobre de Póvoa de Varzim; paraense até o talo, torcedor fanático do Paysandu Sport Club e baratista até debaixo d'água... Ainda nos lembramos da anedota impatriótica espalhada pelos palacetes da São Jerônimo, que dizia. Vargas discursando, se ele começasse a dizer "Brasileiros!" era com o povo inzoneiro que o chefe da nação queria falar... Mas, se começasse o palavrório evocando os "Trabalhadores do Brasil!, a conversa seria com os portugueses...

Agora me digam, como foi que eu, neto de índios, portugueses e galegos, recebi a estória de que Barata ameaçou os portugueses do Pará de os deportar de volta a Portugal metidos em caixas de bacalhau? Claro que eu não sabia mais se agradecer ao populismo revolucionário ou entrava no antibaratismo da província... A verdade é que Barata foi um nacionalista paraense: um populista, sim, da melhor qualidade. E com ele estão as bases da política do Pará até hoje.



Major Joaquim de Magalhães Cardoso Barata
(Alenquer-PA, 02/06/1888 - Belém-PA, 29/05/1959).



A jangada de pedra de Saramago continua a vagar nas imaginações ao sul do Mar-Oceano. Parece um navio fantasma a recolher náufragos dos cinco impérios do mundo e imigrantes em fuga da violência das guerras e da pobreza africana. A jangada iberiana não é, nem podia ser; arca de Noé para salvar do dilúvio todos os bichos, incluindo no rol da salvação a humanidade filha da animalidade. Todavia, na mudança climática em curso deveria a jangada hastear bandeira dos ODS levando ao timão António Guterres por piloto, pelos menos durante os mais próximos estirões à vista do cabo Bojador a poucas milhas da Boa Esperança. O primeiro ministro de Portugal, que tem parentes de sangue em Goa, certamente conhece o caminho marítimo das Índias. 


Crédito da arte: Ken Robinson/Global Goals
Crédito da arte: Ken Robinson/Global Goals

Falou em caminho para as Índias eu me lembro logo do príncipe Sirdhata Gautama, seiscentos anos antes de Jesus Cristo, abandonando o conforto do palácio real de seu pai pela paz no reino de Buda... Se a velha Índia dos marajás está hoje como está, imagina as Índias Ocidentais onde o "portador de Cristo", Colombo. levou o inferno aos Tainos e a outras mais nações indígenas,

"E ao romper da alva, estando os inocentes dormindo com suas mulheres e filhos, atiravam-se ao povoado, lançando fogo às casas, que comummente eram de palha, e queimavam vivos os filhos e as mulheres, antes de acordarem. E àqueles a quem poupavam a vida matavam-nos depois com tormentos, para que lhes dissessem de outros povoados com ouro, e aos que restavam marcavam-nos com ferros em brasa, a escravos" Brevíssima Relação da Destruição das Índias, Bartolomeu de Las Casas.

O fado colonial ainda atravanca o sonho da União Europeia em sua augusta pretensão de ser parteira de uma nova história no mundo pós-guerras: o fantasma da velha Europa persegue não só às novas gerações europeias, mas também os povos da Terra nascidos do colonialismo. A primeiromundista Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vê Portugal na rabeira da fila para o elevador social na Europa, apesar da Revolução dos Cravos e dos progressos políticos dos últimos anos com a Geringonça (governo de centro esquerda reunindo o Partido Socialista (PS), Partido Comunista de Portugal (PCP), Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Os Verdes (PV)).

Portugal está indo bem em meio à crise da "austeridade" que obriga a cortar orçamentos públicos e entregar propriedades do estado a particulares. Entretanto, nossa ex-metrópole colonial não sai bem na foto quanto a indicadores como educação e ocupação profissional, a mobilidade a partir da educação - o tal "elevador social" na metáfora criada pela OCDE - aparecendo a mais baixa dos países europeus. O fado tropical é pesado e a cobrança é grande. Os pesquisadores voltam suas perguntas sobre as origens sócio-econômicas e do "capital humano" das famílias. A educação é um elevador social ( ver artigo no jornal português Público, https://www.publico.pt/2018/06/15/sociedade/noticia/quem-nasce-num-meio-desfavorecido-fica-colado-ao-chao-durante-cinco-geracoes-1834373). 

Segundo a OCED, 55% das crianças portuguesas filhas de trabalhadores manuais tornam-se trabalhadoras manuais na vida adulta, a média europeia é de 37%. Já filhos de profissionais em posições de chefia (gestores, diretores...) tem cinco vezes mais chances de subir a posições de direção e assessoramento superior que filhos de trabalhadores. Então, eu fico cá comigo, pensando com meu caroço de tucumã presenteado pelo amigo dalcidiano Paulo Nunes, no DIA DE ALFREDO de 2017, na Universidade do Estado do Pará (UEPA), e me dou conta de que me acho na "periferia da Periferia" (Amazônia) em meio às ruínas da belle époque da Borracha. 

Quem primeiro falou de "periferia da Periferia" a respeito da condição neocolonial das regiões amazônicas, foi o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, autor da obra "Quinhentos anos de periferia" na qual ele oferece uma panorama abrangente das relações internacionais e do seu impacto sobre o Brasil. Desde os primeiros capítulos, o embaixador define o conceito de estruturas hegemônicas e analisa suas estratégias de expansão, no passado e no presente. 

Deve-se "desconfiar da paisagem"... Adverte o geógrafo Marcelo Lopes de Souza (2013): quem talvez pelas alturas da praia do Atalaia (Salinópolis-PA) contempla um lindo por de sol sobre as águas douradas rumo à grande ilha do Marajó, se não tiver sido iniciado na história antiga das populações tradicionais amazônicas; não verá aonde foi parar a utopia do bon sauvage na grande migração de que fala o mameluco Diogo Nunes (1530) - antes da "descoberta" do rio Amazonas por Francisco de Orellana, em 1542 -, abrindo os caminhos do sertão a partir de Pernambuco, doze anos de jornada com mulheres e crianças até os confins amazônicos do Peru. Pra depois dar em nada em favor dessa orgulhosa gente que queria achar a Terrar sem males e terminou escravizada pelos colonizadores espanhóis. Como também os tupinambás da famosa jornada do capitão Pedro Teixeira, levando-o a remos do Pará até Quito (Equador), ida e volta são e salvo, entre 1637 e 1639.

Antes que eu esqueça:


QUERO "VENDER" DOIS BARCOS PARADOS ANTES QUE VIREM MAIS DOIS FANTASMAS DO CEMITÉRIO DE NAVIOS DA NAVEGAÇÃO DO AMAZONAS.





O barco Curupira tem história no campus Guamá da UFPA! O piloto Artêmio Ferreira, caboco marajoara da ilha de Santana, no Baixo Arari, tem boa parte da memória da embarcação construída em 1982, pelo Instituto de Geociências (IG): https://www.youtube.com/watch?v=InR-tdyZe1A. Antes porém de deixar o barco apodrecer entregue aos turus da ignorância e a invencível colonialidade que domina a tecno-burocracia da periferia da Periferia, convém lhe dar um bom destino e vida nova talvez como peça principal de esplêndido museu comunitário ou ecomuseu da casa do Poema, um belo atrativo turístico da Cidade Universitária substituindo o Curupira pelo futuro Barco-Escola Marajó, na concretude do sonho da educação ribeirinha inclusiva manifestada pelo professor Ricardo Barros, que foi coordenador geral do campus da UFPA de Soure-Marajó, em 1995, frente à comitiva da Guiana francesa no quadro do protocolo de intercâmbio celebrado entre a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) e a Associação de Prefeitos Municipais da Guiana. É bem verdade que havia treze anos que o barco do Instituto de Geociências (IG) estava navegando, quando o coordenador geral do Campus de Soure manifestou desejo em construir um barco-escola, a concepção do Curupira com lotação para apenas dez passageiros era de apoio a pesquisas. Enquanto um barco-escola necessitará de maior capacidade de lotação, como o caso do B/M Raimundo Malato que atendeu à "classe de descoberta" em atividade conjunta de professores e alunos da Guiana francesa e Ponta de Pedras (foto abaixo).



No ano supracitado foi assinada a Carta do Marajó-Açu em Ponta de Pedras, a 30/04/1995, no décimo e último Encontro em Defesa do Marajó, coordenado pelo Grupo em Defesa do Marajó (GDM), com apoio fundamental da Pro-Reitoria de Extensão da UFPA. Os dez encontros até 1995 realizaram-se anual e alternadamente em diversas sedes municipais, a partir de 1985, com ênfase na educação ambiental: lembrando que 1986 foi o ano de implantação do campus de Soure, o primeiro da UFPA na ilha do Marajó. Como resultado imediato do encontro de Ponta de Pedras, a Secretaria estadual de Cultura (SECULT) convocou reunião para tratar da questão de conservação de sítios arqueológicos e de apoio institucional ao Museu do Marajó como fiel depositário da cerâmica marajoara credenciado pelo IPHAN: fato que abriu caminho para, mais tarde, depois do falecimento do padre Giovanni Gallo (Turim, 1927 - Belém do Pará, 2003), a construção da Reserva Técnica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em Cachoeira do Arari, em parceria com o dito museu comunitário. Aquela foi a primeira campanha de informação pública e educação patrimonial sobre a Arqueologia Marajoara. Tendo-se ela em conta de iniciativa conjunta do GDM e SOPREN junto à SECULT, Museu Goeldi e IPHAN.


A ideia original do barco-escola projetado pelo professor Ricardo Barros, em 1995, poderia ser parcialmente alcançada pelo barco-motor Curupira construído em 1982 pelo Instituto de Geociências (IG) da UFPA, se a Universidade Multicampi fosse mais orgânica e cooperativa entre seus próprios membros, a servir de espelho ao "arquipélago" ao pacto federativo e a pletora de instituições, organizações da sociedade civil e comunidades da região. Eis que diante da iminência de "aposentadoria" do Curupira me ocorreu pensar da possibilidade do B/M Raimundo Malato, repassado em comodato para a UFPA "matar dois coelhos com uma cajada": resolver uma situação difícil para ambas instituições e atender à necessidade da educação inclusiva das comunidades ribeirinhas. Trata-se de embarcação igualmente histórica da Prefeitura de Ponta de Pedras que está em risco de seguir o destino do seu parente Curupira

Por acaso, o Malato foi o Barco do Centenário do Município (1978), que passou em brancas nuvens porque a gente não sabia da data oficial da autonomia municipal. Era a menina dos olhos do Prefeito Antônio Malato Ribeiro (Antonico) e a viagem inaugural do barco em construído em estaleiro de Abaetetuba coincidiu com a morte súbita do gestor municipal, em 1979, em pleno exercício de seu segundo mandato. Por ironia da história, a prova documental do Centenário que faltou veio também do município irmão onde se achava no arquivo histórico da Fundação Cultural Abaeteense. Recolhida pelo documentarista Jessé Dantas de Feitosa, a ata de instalação da nova Vila de Ponta de Pedras, de 30 de abril de 1878, pôde afinal prosseguir sua história. 

Imagino agora o Curupira em sua última viagem levando a bordo sob timão do piloto marajoara Artêmio Ferreira, quilombola da ilha de Santana, no Baixo Arari; o magnífico reitor Emmanuel Zagury Tourinho e a cúpula da UFPA a bordo, a fim de comemorar nada menos que os 360 anos da Paz de Mapuá, celebrada a 27 de agosto de 1659, entre ardidas negociações entre o superior das missões do Pará, padre Antônio Vieira e os sete caciques rebeldes Nheengaíbas. O B/M Raimundo Malato já terá dado baixa de serviço oficialmente, com as leis que regem a marinhagem, entregue solenemente no ancoradouro da Casa do Poema na ilharga do barco Curupira, o Campus Guamá; com tudo que tem direito. Foguetório, câmaras de TV, discursos oficiais das autoridades. roda de carimbó e a Banda Sinfônica Antônio Malato a embelezar o ato de troca de nome para dali avante Barco-Escola Marajó pronto a levar educação inclusiva à Criaturada grande de Dalcídio sob regência da Pro-Reitoria de Extensão da UFPA e chancela da Rede ODS Universidade.

Eita! Eu quero ver nem que seja em sonho a bandeira azul do PNUD tremular nas ilhas do maior arquipélago fluviomarinho do planeta. A rede faz a pesca matar fome, a rede balança as crianças para dormir e a rede faz amor pelas palafitas da vida, ainda que triste fim sirva de mortalha aos pobres desta nossa lida ribeirinha sem eira nem beira que vão povoar o além. Mas também chegou o dia da rede ODS esperançar esta gente.



UNDP logo

A rede ODS quer animar o ensino, pesquisa e extensão que promovam o desenvolvimento sustentável, em linha com a Agenda 2030. Com esse propósito foi lançada, em Brasília, na Casa da ONU, a Rede ODS Universidades, iniciativa que envolve Instituições de Ensino Superior de diferentes estados do país, com o apoio do PNUD. Com a assinatura de um Memorando de Entendimento criando a Rede, os ODS serão promovidos no setor acadêmico, para colaborar com políticas que promovam a erradicação da pobreza, o crescimento econômico e a sustentabilidade do planeta. Outra atribuição das instituições é incentivar a territorialização dos ODS, processo que fortalece ações no âmbito local. É aí que eu quero chegar! A nau capitânia Curupira com a reitoria em peso a bordo, atrás o Barco-Escola Marajó levando duzentos e tantos professores e técnico da Universidade Multicampi e toda mais uma flotilha de alunos e convidados. Que nem no relado do padre grande, uma comissão de recepção descerá o rio embarcada em várias canoas decorados para festa, fazendo pocema, que são gritos de alegria ou de guerra, conforme as circunstâncias... Serão esses atores e atrizes descendentes Nheengaíbas (falantes da "língua ruim", várias línguas "dificultosas" Nuaruaque) dos Mapuás, Anajás, Aruãs, Pixi-Pixis, Cambocas, Guaianás e Mamaianás.
A peça teatral já foi escrita no século XVII, a Escola de Teatro da UFPA deve aproveitar para levar o povo do cinema a fim de documentar o ato comemorativo a se passar na Reserva Extrativista Mapuá e chegar à apoteose da Paz de Mapuá na cidade de Breves. Daí seguirá para Gurupá onde já as ruínas edílicas da Borracha serão evocadas numa leitura do romance Ribanceira, de Dalcídio Jurandir. Um mestre de cerimônia há de lembrar ao respeitável público que ali começou e acabou a saga de Alfredo em figura de Ulisses afrodescendente. Sem Penélope nem o fiel cão Argos a esperar pelo retorno do herói.

Quando eu penso na evolução do conceito geo-arqueológico da Amazônia Marajoara - de Domingos Soares Ferreira Penna a Denise Pahl Schaan -, na Sociedade Filomática que deu origem ao Museu Paraense e a longa história de formação de um pensamento amazônida, desde a "universidade pés descalços" do Homem do Pacoval, há mais de mil e quinhentos anos!

AQUI O MARAJÓ COMEÇA.