quarta-feira, 26 de agosto de 2020

10 de Janeiro - DIA DA CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO.

Feira do Açai Mercado Ver- o- Peso Belém Pará - YouTube

 

"Todo meu romance distribuído, provavelmente, em dez volumes, é feito, da maior parte, da gente mais comum, tão ninguém, que é a minha criaturada grande de Marajó, Ilhas e Baixo Amazonas. Fui menino de beira de rio, do meio do campo, banhista de igarapé. Passei a juventude no subúrbio de Belém, entre amigos, nunca intelectuais, nos salões da melhor linhagem que são os clubinhos de gente da estiva e das oficinas, das doces e brabinhas namoradas que trabalhavam na fábrica.  Um bom intelectual de cátedra alta diria:  são as minhas essências, as minhas virtualidades.  Eu digo tão simplesmente:  é a farinha d’agua dos meus bijus (sic).  Sou um também daqueles de lá,  sempre fiz questão de não arredar pé de minha origem e para isso, ou melhor, para enterrar o pé mais fundo, pude encontrar uma filiação ideológica que me dá razão.  A esse pessoal miúdo que tento representar nos meus romances chamo de aristocracia de pé no chão".


Dalcídio Jurandir

(Folha do Norte, 23 de outubro de 1960)


FONTE: http://www.dalcidiojurandir.com.br

 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

BREVE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA MARAJOARA E A TRILOGIA IBERIANA.


 

 

 

 Último ensaio da trilogia IBERIANA - composto pela Novíssima Viagem Filosófica (1999), Amazônia Latina e a Terra Sem Mal (2002) e Breve História da Amazônia Marajoara (2020) -, conjunto ensaístico da viagem filosófica tardia de um caboco saído do mato no Fim do Mundo, na ilha do Marajó, a fim de arranjar emprego na cidade grande e saber do descobrimento do mundo através do mar das suposições canônicas das disparatadas historiografias da era colonial.

 

A extravagante ideia iberiana nasceu por acaso em Brasília, anos 80, pós-Ditadura de 1964. Ruínas do sonho de Juscelino e, quiçá, de Dom Bosco suscitaram no humilde migrante marajoara uma inusitada reflexão decolonial: 

 

até no Planalto Central chegaram as caravelas de Cabral? A aventura começa no coração dos navios dizia o cego a seu filho (Milton Nascimento, Trastevere):

 

"A cidade é moderna
Dizia o cego a seu filho
Os olhos cheios de terra
O bonde fora dos trilhos
A aventura começa no coração dos navios
Pensava o filho calado
Pensava o filho ouvindo
Que a cidade é moderna
Pensava o filho sorrindo
E era surdo e era mudo
Mas que falava e ouvia
".

 

 O rapaz amazônida deu-se conta da mistura das suas origens ameríndias, afroamazônicas e ibéricas em meio a enormes transformação do velho mundo sob o Sol dos trópicos. Agora o tempo de Brasília, apesar da pororoca neocolonial, refazia Brasis... Então, o que fora ibérico no passado caminhava a passos de gigante sul-americano despertado e se tornara iberiano. Para não dizer caboco.

 

A Breve História vai fundo às raízes do tempo iberiano. Marajó é um mundo. Alma ancestral da Tapuya tetama (terra Tapuia), transformada em Amazônia abraçou o Sebastianismo, o mito tupi-guarani da Terra sem males, recebeu orixás e vóduns que se fraternizaram aos caruanas. E assim, a antiga Cultura Marajoara de mais de 1500 anos de idade, se renova numa ecocivilização amazônica desafiando o tempo.

MOVIMENTO MARAJÓ FORTE

Diálogos do Sul: Maior genocídio da Humanidade foi feito por europeus nas  Américas: 70 milhões morreram

 

domingo, 9 de agosto de 2020

Marajó Forte 2020: pluridiverCidades

MOVIMENTO MARAJÓ FORTE

Marajó, nome forte do caboco valente do Norte saído do mato bruto, jamais vencido na guerra: barreira do mar às ambições estranhas, sentinela das ilhas do Pará e bocas do Amazonas. Guardião do maior arquipélago fluviomarinho do planeta Terra e floresta amazônica de Caxiuanã pelo Anapu e Pacajá adentro da terra firme.

 

Ilhas filhas da pororoca, onde entre chuvas e esquecimento o gigante Brasil vem contemplar  os 1500 anos de Cultura Marajoara, a primeira cultura complexa das Amazônias, arte primeva brasileira... Mais de 500 mil brasileiros herdeiros de bravas nações Nheengaíbas e cabanos insulanos vivendo às margens da História numa vasta região amazônica do tamanho de Portugal, padre Antônio Vieira já dizia há 361 anos.  Paraíso na Tapuya tetama (terra Tapuia) onde o Sol ata rede no Araquiçaua ao fim do dia... Promessa da Terra sem mal - onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte -, na saga dos Tupinambás.

 

Nós somos os herdeiros da Paz de Mapuá, de 27 de agosto de 1659, entre "nheengaíbas" (nuaruaques), portugueses e tupinambás; com a qual se evitou a "guerra justa" (extinção e cativeiro) impossível de vencer segundo Antônio Vieira em carta ao rei de Portugal, datada de 29/11/1659, publicada em Lisboa em 11/02/1660. Deste incrível acordo histórico na Amazônia colonial portuguesa restam por testemunho as cidades de Melgaço e Portel, elevadas em vila em 1758 no contexto do conflito entre a coroa portuguesa e a Companhia de Jesus, em 1757; fundadas respectivamente como aldeias de Aricará e Arucará, do nome do tuxaua de cada aldeia conforme costume da época; acontecimento no mesmo ano daquela esquecida pax marajoara; para assentamento de nheengaíbas (nações Aruã, Anajá, Mapuá, Guaianá, Camboca, Mamaianá e Pixi-Pixi) vindos da ilha grande dos Yona (Joanes) para a terra-firme (continente), entre rios Anapu e Pacajás. Como é que não se vê isto? Onde a historiografia claudica, a biogeografia conserva as consequências como um tronco de árvore queimada guarda o DNA da devastação da Floresta...

 

Prova de que a história do Marajó é outra por trás dos arquivos mortos e da historiografia colonial, escrita com sangue de índios entre árvores de espanto pelo Baixo Tocantins desde Camutá-Tapera (Cametá) até o riomar Pará. A sobrevivência de descendentes de Aricará e Arucará revela uma provável retomada de território nuaruaque ancestral frente à avassaladora ocupação tupinambá: a fatiga mortal do Bom Selvagem já catequizado e desenganado do mito da Yby Marãey (Terra sem mal), convertido em "índio cristão", protótipo caboco; desde o retorno da viagem de Pedro Teixeira desde Belém do Pará até Quito (Equador), de 1637 a 1639. Em Mapuá (Breves) 44 anos de guerra de conquista amazônica, desde a tomada do Maranhão, ficaram para trás... Urge retomar a construção daquelas pazes, agora pelos próprios marajoaras em seus 16 municípios legais, mais Araticum (Oeiras do Pará) e Icoaraci, vila marajoara do município Capital.

 

Hoje a pluriversidade marajoara carece navegar pelos meandros da história para redescobrir a Terra sem males e o Quinto Império do mundo no cerne da invenção da Amazônia. O movimento Marajó Forte é senha da ressignificação da ecocivilização no Trópico Úmido: restauração das pazes entre Aruaques e Tupis reputada sem interesse acadêmico pela vaidosa intelligentsia neocolonial brasileira, a famosa Carta do padre Antonio Vieira é documento histórico, realçado pelo realismo mágico barroco; que relata o estado das missões do antigo estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará (1621-1751), revelador da geopolítica europeia na América portuguesa e da intrincada malha entre etnias amazônicas na região-chave do delta-estuário do rio Amazonas. 

 

Hoje nos encontramos em momento crucial do Pacto Federativo em contexto planetário na Amazônia, donde os habitantes da Amazônia da Marajoara reclamam completa e total cidadania com o fim do neocolonialismo interno na região equatorial. Todavia, o chamado desenvolvimento humano sustentável não virá de fora nem do Norte nem do Sul: esse movimento telúrico nasce naturalmente da biodiversidade da flora e da fauna para se expressar na diversidade cultural do Homem amazônico vário e diverso mediante a pluriverCidade das suas 16 Cidades Educadoras em rede de ecomuseus e museus comunitários, servidas de TELEMEDICINA e Educação à Distância não tão distantes das salas de aula, nem tão presas ao corporativismo reacionário.

 

Marajó é um mundo ainda em gestação no ninho de todas Amazônias! Os filhos de Ajuricaba, Guamá e Guamiaba; descendentes de negros da terra e da Guiné, indesejáveis e deportados da Europa, casais desiludidos das ilhas dos Açores, refugiados das secas do Nordeste a postos!

 

O Movimento Marajó Forte é estuário de diversos anseios nascidos do seio da Criaturada grande de Dalcídio, ilhada e dispersa em cerca de 500 comunidades locais, por duas mil ilhas e terra-firme do baixo Anapu-Pacajás. Um movimento endógeno unificador que tem raízes da interiorização da Universidade Federal do Pará (UFPA) com Camilo Vianna na coordenação do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (CRUTAC), primeiro passo da estrada de mil léguas...

 

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Alma ancestral marajoara: Analau Yohynkaku, Marinatambalo e o meu tataravô cacique Guaianá.

Monumento a Hatuey en Baracoa Fotografía de stock - Alamy
monumento em memória do cacique taino Hatuey,
em Yara, Cuba.



A dom Angelo Rivatto S.J. in memoriam, gratidão
pela dica sobre o Acordo de Paz dos Nheengaíbas,
vilar Antônio Vieira, Ponta de Pedras, 25/07/1995.

Tributo ao  artista  plástico  Ismaelino Ferreira,
cuja lembrança me leva a imaginá-lo escultor ideal 
para talhar estátua do cacique Guaianá, tal qual 
em Cuba a estátua memorial do rebelde taino Hatuey.






No Marajó da minha avó tapuia, a gente carece ter em mente três coisas fundamentais para libertação decolonial

(1) a alma ancestral marajoara - inconsciente coletivo da Criaturada grande de Dalcídio -. com sua antiguidade guia a ecocivilização amazônida no trópico úmido... Nossos antepassados, em contínua relação dialética com a natureza interior e exterior, sempre a dialogar com o grande rio e o mar profundo -, criaram a primeira cultura complexa da Amazônia, no ano 400 da era cristã segundo a arqueóloga brasileira Denise Schaan: portanto, após 5.000 anos de pré-história nas terras baixas da América do Sol; a Cultura Marajoara tem mais de 1.500 anos de história; 

(2) como resultado do "descobrimento da América" (12/10/1492), Espanha e Portugal entraram em pé de guerra e para evitar o pior dividiram o mundo "achado e por achar" entre os dois reinos ibéricos através de um meridiano 370 léguas a oeste de Cabo Verde (tratado de Tordesilhas, 1494-1777)... A linha de Tordesilhas, passando supostamente sobre Belém do Pará e Laguna (SC), deixaria de fato a margem oriental da baia do Marajó a Portugal e o lado ocidental no domínio da Espanha - fato que explica porque Pinzón não "descobriu" o Brasil e tendo ele "achado" a foz do rio das Amazonas e assaltado a ilha Marinatamalo (Marajó), manteve sua viagem em segredo. Pelo lado português, no entanto, o cartógrafo real Duarte Pacheco Pereira foi mandado 'achar' o Pará, no ano de 1498, a fim de fazer observações astronômicas permitindo aos portugueses "descobrir" o Brasil e o segredo das navegações para as Índias sem contestação por parte de Castela... 

(3) por aqueles tempos remotos, em busca da mítica Yby Marãey (Terra sem mal) - paraíso terreno onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte -, já a nação Tupinambá havia conquistado a Tapuya tetama (terra Tapuia), que veio a se chamar na historiografia colonial Maranhão e Grão-Pará, ou a Amazônia portuguesa.


Três meses antes do "descobrimento" do Brasil, o piloto de Cristóvão Colombo, Vicente Yañez Pinzón, viajou ao Nordeste brasileiro, desembarcou no Ceará e prosseguiu para o Norte, quando ele achou a foz do rio Santa María de la Mar Dulce (Amazonas) tendo, então, assaltado uma aldeia na ilha Marinatambalo (Marajó) donde capturou 36 indígenas levados como "negros da terra" (escravos) para o cativeiro da ilha Hispaniola (Haiti e República Dominicana): em Yara (Cuba), 1512, o cacique Hatuey (cf. "Brevíssima Relação da Destruição das Índias", de frei Bartolomeu de Las Casas) foi queimado vivo em cruel vingança dos cristãos por ele ter se rebelado contra a escravidão do povo Taino (Aruak).


Com a morte de Hatuey, o cacique Guamá assumiu o comando da guerrilha na ilha de Cuba. Enquanto em Hispaniola, onde a rebelião contra os conquistadores começou; um outro cacique taino se levantou contra o regime de encomienda. Desta feita, a revolta na colônia foi liderada pelo cacique Guarocuya, dito Enriquillo, que recebeu educação no convento dos frades dominicanos. A luta na ilha do Haiti sob comando de Guarocuya durou de 1519 a 1533, conforme a crônica de Las Casas.

Qual a sorte dos 36 "negros da terra" levados da ilha Marinatambalo (Analau Yohynkaku / Marajó) para a ilha Hayty / Hispaniola? Hoje, Enriquillo é lembrado como herói nacional da República Dominicana e tem um dia consagrado a ele, o 27 de setembro, chamado de Dia do Herói de Bahoruco. Seu nome é cantado em todo Caribe como grande cacique que dobrou os espanhóis e seu exemplo é sendero de muitas batalhas. Afinal, a luta dos povos originários segue em todo o continente, visto que a garantia de liberdade e território ainda não se cumpriu.

Desde o assalto escravagista ibérico a Marinatambalo, não se falou mais nada a respeito dos 36 negros da terra sequestrados na boca do Amazonas... Quando a historia escrita ou falada cala, poetas e romancistas são convocados a re-inventar a realidade... Os exemplos são diversos! Porém, em Marinatambalo-Marajó, com exceção do índio sutil Dalcídio Jurandir, os mais índios ou negros da terra ainda não se deram conta...

Todavia, há evidências que não querem calar. Como, por exemplo, o nome Guamã ou Guamá... Guamá foi nome do cacique dos Aruãs e Mexianas, que no ano de 1723, assaltava aldeias de "índios mansos" (escravos) dos portugueses. Guamá lutava ainda, 64 anos após as pazes de Mapuá; contra os coloniadores portugueses e os tupinambás aliados a estes no início e, no fim, escravizados pelo sistema colonial que o Cacique Piié dos Mapuá denunciou e o padre Antônio Vieira colocou em tinta e papel...

528 anos depois da chegada de Cristóvão Colombo, vivemos uma terrível pandemia como nunca dantes a par de profunda crise civilizacional sem precedentes. Decolonizar é preciso. Os "índios" do engano cartográfico de Colombo ainda lutam e resistem ao genocídio inominável denunciado pelo dominicano Bartolomeu de Las Casas e que, na Amazônia colonial portuguesa, teve seguidor na pessoa singular do padre grande dos índios, Antonio Viera.

Aos descendentes dos "nheengaíbas" (Nuaruaques) o payaçu deixou, como se testamento fosse, a Carta ao Rei Dom Alfonso VI datada de 29/11/1659 e publicada em 11/02/1660 na qual, entre notícias da missão dos Jesuítas no Ceará, Maranhão  e Grão-Pará, informa a respeito do sucesso para evitar a "guerra justa" - eufemismo da época para extinção e cativeiro de "tribos" rebeldes ao Rei e ao Papa -, contra as nações chamadas Nhengaíbas (falantes da "língua ruim" Aruak) por seus inimigos. 

Antônio Vieira foi expulso do Pará com seus irmãos jesuítas em 1660, para ser processado e preso pelo tribunal do Santo Ofício acusado de "heresia judaizante" (hipótese judaica segundo a qual os "índios" seriam descendentes de judeus das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia). Vieira chamou de rio Babel ao rio Amazonas devido a diversidade de culturas e línguas da nascente Amazônia... Daquelas claudicantes pazes de 1659, restaram até hoje Melgaço (Aricará), o pior IDH do Brasil; e Portel (Arucará)... 

Na carta ao rei sobre a pacificação da ilha dos Nheengaíbas (Marajó), Vieira relacionou a "nação" dos Guaianases [Guaianá] como uma das mais nações nheengaíbas presentes onde hoje está a Reserva Extrativista de Mapuá... Anos depois fontes jesuíticas registram existência de índios "guaianases" no hoje território de Portel... O cacique Arucará, que deu nome à aldeia criada por Vieira com nheengaíbas levados de Mapuá, seria por acaso de etnia guiaianá?

Em 1757, deu-se a segunda expulsão dos Jesuítas do Pará desta feita em conflito com a ditadura do Marquês de Pombal. No levantamento para expropriação das fazendas, gados e escravos vê-se o nome das fazendas São Francisco (fazenda Malato, mais tarde), São Braz (atualmente comunidades do rio Fortaleza) e Nossa Senhora do Rosário (fazenda Rosário) todas na bacia hidrográfica do rio Marajó-Açu. Nas terras da fazenda São Francisco, doada ao contemplado sargento-mor (major) Domingos Pereira de Moraes, haviam sido fundadas pelos padres da Companhia de Jesus, em 1680, a aldeia missionária das Mangabeiras (hoje a vila de Mangabeira), com índios trazidos de Munguba e Gebiré (aldeias de Barcarena) a meia légua acima da aldeia nativa dos índios "Guaianazes" (cf. "Notícia História da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" 1783, de Alexandres Rodrigues Ferreira).  Sob ordens de Pombal, no ano de 1758, a aldeia dos Guaianá foi obrigada a esquecer sua própria história, passando a se chamar Lugar de Vilar; assim como a aldeia das Mangabeiras, que passou a lugar de Ponta de Pedras...

os lugares de Vilar e Ponta de Pedras fundiram-se na vila de Mangabeira, enquanto a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras foi mudada para o Itaguari... O antigo Vilar se tornaria povoado do Pau Grande, enfim agrovila de Antônio Vieira: onde por acaso ouvi missa no dia do agricultur; Dia de Santiago, em Espanha; 25 de Julho, quando Dom Angelo sem saber deu-me a pista para esta história...

Roteiros... Roteiros... Roteiros... 





quarta-feira, 8 de julho de 2020

DAS PEDRAS QUE SOMOS CONSTRUIREMOS A CIDADE SOLIDÁRIA QUE PRECISAMOS.

Blog de Teste do Job1010: Janeiro 2014
Itaguari, "ponta de pedras" em língua-geral ou nheengatu: lugar onde o Marajó começa.





" Bem vindos e vejam que as pedras que somos não estão de ponta, mas ligadas entre si " (Madre Dias).

Ponta de Pedras: uma cidadezinha linda no Pará que pouco se ouve ...
Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras. 
sem o famoso dístico com a metáfora das pedras.
 

 LENDA ANTIGA DOS PASSEIOS DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA VILA DE PONTA DE PEDRAS PARA PRAIA DA MANGABEIRA.

Imagem de Nossa Senhora Conceição - Compre já! Quinta Dellarte

Reza a lenda que, antigamente, em certas noites de lua o pessoal do Campinho via passar um vulto branco pelo caminho de Belém atravessando estivas sobre o igarapé Dixiú rumo à estrada velha da Mangabeira. Era, paresque, Nossa Senhora da Conceição que saia de seu altar na igreja da vila de Ponta de Pedras com saudades da simples capela de pau a pique coberta de palhas, que nem as casas antigas dos índios que existiram na aldeia das Mangabeiras; donde a imagem santa foi levada para Itaguari na mudança da freguesia.

Ao raiar do dia, o sacristão ia abrir a igreja e, então, podia ver grãos de areia da praia sobre o altar e a barra do manto sagrado ainda molhada de orvalho das plantas da beira do caminho. Embora não haja registro de culto afrobrasileiro no município a presença africana é inegável no Marajó inteiro, inclusive Ponta de Pedras tendo algum dia distante escravos indigenas e negros a trabalhar em engenhos e fazendas de gado. O dia 8 de dezembro consagrado à Nossa Senhora da Conceição no calendário católico coincide com a festa de Mamãe Oxum, conhecida como a deusa do amor, orixá das águas. Na umbanda e candomblé Oxum é aquela divindade femenina que mantém em equilíbrio as emoções da fecundidade e da natureza. Ela é mãe gentil dos povos antigos e novos, quem renova energias e intercede pelos seres humanos em todas as situações. No sudeste brasileiro a deusa mãe para os católicos é venerada como Nossa Senhora Aparecida, dita também Nossa Senhora do Brasil. Em tempos de ecumenismo e diálogo inter-religioso era de diversidade cultural, pouco a pouco, vem sendo removidos obstáculos que outrara impediam o bem viver entre todas e todos irmãos da grande família humana.

Nós podemos interpretar a lenda dos passeios da Santa concebida como expressão de desacordo entre as antigas comunidades da Mangabeira, baseadas na pesca ao largo e cultivo de roças de mandioca; e no Itaguari voltadas ao plantio de cana de açúcar e na vida nas fazendas. Mais tarde, com a instalação da Prelazia e o trabalho pastoral tais resquícios coloniais de desarmonia, provavelmente, motivaram Madre Dias a expressar votos de fraternidade e bem viver, como atualmente se lê na fachada da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras.

Ela  era uma religiosa que serviu como missionária na Prelazia de Ponta de Pedras. Não me lembro grandes coisas a seu respeito. Eu era arredio e uma vez madre Dias me abordou para perguntar o motivo pelo qual ela me via afastado a observar o movimento da praça. Dei-lhe uma resposta cortês, mas não a ponto de estimular a conversa. Àquele tempo eu ainda não era, porém já me haviam dado fama de comunista apenas pelo fato de meu tio ser conhecido militante do PCB... Hoje não há consenso se o nome dela era Ovídia ou Olvídia: acho que a batizaram Olvídia, nome raro derivado da palavra "olvido" (esquecimento), por estranho talvez as pessoas do povo a chamaram de Ovídia feminino de Ovídio, referência ao dr. Ovídio Santos, que era casado com a minha professora Alda Natália, engenheiro mecânico formado no Rio de Janeiro e dono da serraria do Fim do Mundo, famosa pela caldeira a vapor e a sirene das seis horas da tarde. Quando os trabalhadores voltavam da faxina para suas casas.

Ao apito da Serraria ecoando nos quatro cantos da cidadezinha entre a beira do rio grande e a mata do Arapiná, as mães tiravam os filhos da rua para borda do poço a tomar banho de água fria. No verão, poeira e pólem de capim barba-de-bode causavam epidemia de dor-de-olhos à pirralhada... Depois do banho, as senhoras da boca da noite pegavam suas crias inquietas pra tirar remela e pingar um tal colírio "Vitriolho" que era que nem gás de pimenta pra arder os olhos... Ouvia-se longe a gritaria dos pequenos duma esquina a outra. 

Mamãe era muito carola de igreja, ela queria que eu fosse para o seminário estudar pra ser padre. Eu era jito, com uns seis anos de idade, mas já desconfiava que vida de padre não era pra mim. Ao ouvir o apito da serraria do dr. Ovídio; mamãe obrigava eu e minha irmã a nos ajoelhar diante da grande estampa do Sagrado Coração de Jesus entronizado em nossa casa modesta, e rezar ave Maria. Eu rezava a galope pensando voltar para o jogo de bola na rua descalça. Depois da reza, banho e janta... Adeus fuzarca! Todos os dias era aquela estúrdia penitência, caminho certo para o herege em construção.., Noves fora no domingo e dias santos que a serraria não apitava e o dr. Ovídio não acendia a fornalha da caldeira. Então, havia aula reforçada de catecismo na igreja matriz e a serraria ficava de fogo morto até segunda-feira. Então, era vez do sino preencher o vazio do tempo... Todavia, o Relógio da Igreja reinava sobre o tempo da vila dia e noite, fizesse sol ou chovesse, maré no rio enchesse ou vazasse.

O certo desta história é que Madre Dias ficou na memória da gente, em virtude da frase emblemática que ela deixou de herança na cidade como lembrança de seu desejo maternal e missão na Prelazia e as autoridades eclesiásticas emplacaram no frontespício da centenária igreja paroquial. Acredita-se que a igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras foi levantada cerca de 1737. Quem foi o arquiteto e os operários? Não sei... Pelo tempo, é provável que os pedreiros tenham sido escravos dos senhores interessados na construção do templo da mãe de Jesus de Nazaré. 

Dizem que a construção em pedra e cal da igreja matriz em Itaguari fez parte de estratégia para mudança da freguesia da antiga aldeia das Mangabeiras (vila de Mangabeira hoje), supostamente por dificuldade de porto para canoas na praia. Por certo, no contexto da mudança da aldeia das Mangabeiras (criada pelo padres jesuítas, em 1686, aproximadamente) para a vila de Itaguari (antes de 1737), "as pedras que somos" já estavam de "ponta" umas com as outras... 

Mais que a falta de porto, a pesca na baía certamente seria insuficiente para sustento da população crescente. O Itaguari, na margem esquerda do rio Marajó-Açu, abriu as portas para a indústria de açúcar e aguardente. Varjas do rio Armazém deram roças de cana para o primeiro engenho (Leiam a obra memorialística "Nas Margens do Marajó-Açu", de Bernardino Ferreira dos Santos Filho). O autor era conhecido pelos seus conteporâneos, pelo apelido de "Bernardes", para o diferenciar do pai, capitão Bernardino Ferreira dos Santos, emigrante português e patriarca de uma das tradicionais famílias pontapedrenses.

O padre jesuíta italiano Guido Fossatti foi o último pároco subordinado à Arquidiocese de Belém, ele recebeu a paróquia quase acéfala, padres vinham de Belém apenas para festas do calendário religoso, precisando o devoto sr. Manuel Vilar ir à cidade grande pedir vigário ao arcebispo. Padre Guido fixou residência permanente e construiu em mutirão com a comunidade a Casa Paroquial animada por jovens paroquianos. Quando circulou a notícia de que seria criada a Prelazia de Ponta de Pedras, o povo pensava que padre Guido seria nomeado bispo, mas o padre Angelo Rivatto da Capela de Lourdes, em Belèm, foi anuciado como bispo da segunda prelazia na ilha do Marajó. Guido permaneceu como vigário por algum tempo e depois foi mandado assumir a paróquia de São Sebastião da Boa Vista... Não faltaram fofocas a respeito da vinda da missionária italiana leiga Nella Ramella, ostensivamente apoiada pelo bispo e hostilizada pelos padres em geral: falavam à boca pequena que a então jovem e bela italiana nutria paixão pelo bispo com pinta de galã de cinema. Com o tempo, Nella adquiriu nacionalidade brasileira, tornou-se mãe adotiva de trigêmios órfãos e ficou sendo uma ardorosa pontapedrense, braço direito de Dom Ãngelo na experiência social mais arrojada e controversa da igreja particular marajoara, desde suas origens no século XVII, com a pacificação dos Nheengaíbas: as Cooperativas da Prelazia de Ponta de Pedras, de nítida inspiração kibtziana, que o povinho por ignorância e a oligarquia por inveja, chamavam de "cooperativa da Nella". Acusada de praticar um tipo de operação Robin Wood - inclusive pelo padre Giovanni Gallo, no livro autobiográfico "O Homem que implodiu" -, Nella Ramella, em verdade, deu contribuição extraordinária e criou raízes duradouras na comunidade carente atendida pela Casa da Fraternidade.

Não estou dizendo que Dom Angelo e Nella não cometeram erros, sobretudo de ordem econônica na condução dos negócios da prelazia e depois diocese poderiam ter sido criticados e afastados por seus superiores hierárquicos. Mas, aparentemente não foram ou se foram não transpareceu para o público... O primeiro bispo de Ponta de Pedras era forte admirador do padre grande dos índios, Antônio Vieira; para alguns observadores da história da igreja católica na América Latina, a utopia evangelizadora do padre Antônio Vieira profetizou aquilo que viria ser conhecido como Teologia da Libertação no contexto histórico da Guerra Fria e do Concílio Vaticano II. Em certo momento de ânimos acirrados em Ponta de Pedras, quando políticos de ponta entre si tocaram fogo no velho Palácio Municipal construído, em 1938, por Mestre Cândido Cerdeira, na gestão do major Djalma da Costa Machado; velhas tensões acumuladas durante muito tempo vieram à tona e se inflamara.

Este breve texto é um convite a pesquisadores. Não devemos estudar somente casos de insucesso, mas também as causas de insucesso a fim de que a história na venha a se repetir como farsa. 

Como seu título de "madre" indica ela foi irmã superiora de sua época na prelazia. Recordo que o bispo prelado, depois diocesano; tinha forte personalidade, quase imperial; em um momento histórico do catolicismo quando os ventos do Concílio Vaticano II, não sem encontrar resistências conservadoras na igreja de Roma, arejava a abafada igreja católica ainda presa às contradições da época colonial. Note-se que já existia a Prelazia do Marajó, com sua sede em Soure, e província em Salvaterra, Chaves, Afuá, Breves, Portel, Melgaço, Bagre. Gurupá já fazia parte da Prelazia do Xingu, talvez. A criação da Prelazia de Ponta de Pedras, deu-se portanto num contexto histórico do papa camponês João XXIII; no auge da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, com reflexos tensos na América Latina com a revolução comunista em Cuba e ditaduras anticomunistas na Argentina. Brasil, Chile, Uruguai e outros países latino-americanos menos importantes para a geopolítica global.

A pacata Ponta de Pedras havia até a Prelazia, em 1961, um histórico de ausência de padres, com certas exceções. Minha avó Sophia lembrava o padre Navegantes... Minha mãe falava do padre Eurico, acho que foi frade mercedário alemão no tempo da II Guerra Mundial. Este sofreu suspeitas e saiu "corrido" depois de agressão por parte de notáveis católicos ouvintes da poderosa rádio A Voz da América nos poucos aparelhos que existiam em Itaguari...



Para os pacatos ponta-pedrenses devotos dos santos a súbita chegada do bispo dom Angelo Maria Rivatto S.J. foi acontecimento sem precedentes, até porque se tratava do primeiro bispo local, seis paróquias antes subordinadas à Arquidiocese de Belém: Ponta de Pedras, Cachoeira do Arari, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho e Santa Cruz do Arari. Na correspondência entre Dalcidio Jurandir e Maria de Belém Menezes ficamos sabendo a forte impressão que o padre Gallo causou ao autor de Chove nos campos de Cachoeira e como este saudou com entusiasmo as cooperativas do bispo de Ponta de Pedras.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Troque suas folhas, mas não perca as suas raízes.


ícone de 'São Francisco Marajoara', obra eclética em madeira de mogno de autoria do escultor Ismaelino Ferreira, de Ponta de Pedras, ilha do Marajó, Pará. O trabalho em tela foi encomenda especial do ensaísta José Varella Pereira (José Marajó Varela), tendo por referência a história de São Francisco de Assis adaptada pelos Jesuítas à Cultura Marajoara e sincretizada por africanos escravizados nos engenhos e canaviais na região do Marajó com o orixá do Tempo (memória), Irôko. O ícone do sincretismo popular avulta nesta hora incerta de crise das civilizações.




A bela metáfora em epígrafe foi citada pelo advogado e jornalista Bernardino Ribeiro, ex-prefeito de Ponta de Pedras, amigo que me deu oportunidade de tentar a realização de meu maior sonho como filho da mesma terra de meus avós, onde o "Marajó começa"... Foi lá que tive a honra de assumir a missão impossível de secretário municipal de Meio Ambiente, com a cara e a coragem: tentamos implantar a utópica "Fundação Dalcídio Jurandir - FunDAL" destinada a mexer com a Cultura e o Meio Ambiente... Coisa linda demais para dar certo naquele tempo e lugar (1994). Não importa, sempre fica uma semente... A lembrança do inovador "Projeto de Execução Descentraliza - PED Guaianá", deu chabu, tal qual o Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia - POEMA, na Praia Grande, em cooperação da alemã da Mercedes Benz e UFPA; as Cooperativas da Diocese de Ponta de Pedras em suas quatorze agrovilas, sem esquecer o projeto-piloto da EMBRAPA em agricultura familiar sustentável, em Jaguarajó...

Como todos habitantes do maior arquipélago fluviomarinho da Terra deveriam saber, desde priscas eras viviam nas "ilhas de fora" (marítimas, Caviana, Mexiana, Viçosa, Contracosta do Marajó...) e nas "ilhas de dentro" (fluviais, Marajó em sua maior parte, entrecortada de Furos; Ilha Grande de Gurupá e mais de duas mil ilhas grandes e pequenas...), diversos povos de língua e cultura Aruak desde uns cinco mil anos de idade. 

Muito antes dos Jesuítas terem a sua primeira sesmaria no Marajó, onde em 1686, formaram a fazenda São Francisco (Malato depois), havia a aldeia dos "índios Guaianazes" (cf. Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó (1783), do naturalista de Coimbra Alexandre Rodrigues Ferreira). Já em 1659, o padre Antônio Vieira cita os "Guaianases" como uma das sete nações Nheengaíbas que estabeleceram pazes com os portugueses e tupinambás, em Mapuá (Breves), desde 2005, a Reserva Extrativista de Mapuá... Guaianases (Vieira), ou Guaianazes (Alexandre Ferreira), modernamente deve-se grafar Guaianá... Como foi a tentativa do PED, pena que não se realizou junto com o afundamento da FunDAL.

Hoje diante de uma pandemia terrível, não se sabe como será o amanhã. Mas, quem tem seguras as suas raízes, pode confiar na resiliência da Natureza e ter fé na vida.





Sincretismo católico associa São Francisco de Assis a Irôko, o Tempo










quinta-feira, 30 de abril de 2020

Nação Marajoara: notícia de aniversário em tempos da pandemia.

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Depois da tempestade vem a bonança? Quem viver dirá. Eu devia dar parabéns de aniversário a minha cidade de Ponta de Pedras, repetir a lição de madre Olvídia Dias, de que as pedras que somos não estão de ponta, mas ligadas entre si... Falta mais cimento afetivo. E a hora é esta... Vamos nos preparar mais para vencer esta guerra de "panemia" --  quando a panema (azar) apavora gente pobre de espírito e carente de fé, já diziam os nossos velhos cabocos acostumados a pescar 'lá fora' além do Cabo Norte e a peiar boi erado, "axi de merda, quem tem medo nasce morto"... Eles diziam. Conheci noutros tempos um velho caçador de onças e jacarés, que morria de medo de tomar injeção...

Morou na filosofia desta gente que o mundo esqueceu? Quem tem cu tem medo, isto não é segredo. Mas, do mesmo modo que há que enfrentar cobragrande, onça, jacaré, piranhas, também a febre terçã, a morte e bicho do fundo; a vida só quer coragem dos viventes... Bom será estar atento e forte sem tempo de temer a morte, também o pós-coronavírus que cedo ou tarde há de chegar: o pior de tudo seria voltar tudo "ao normal"... Pois, então, bora nos unir pra fazer um novo mundo diferente do que passou, uma sociedade menos desigual.

Eu desejo a ti, ó minha vilarana do Itaguari; um bem viver feliz e seguro. Hoje eu estou com 82 anos de idade no grupo de risco (idoso diabético), me sentindo como o gato de Schrödinger (meio morto/meio vivo), jogando roleta russa com o terrível Covid 19, em prisão domiciliar sem ter cometido crime... Mas não tem nada não. Enquanto eu não viajar para a terra sem males encantada e for me encontrar com os mortos da nossa vida, enquanto o pulso pulsar, meu velho coração marajoara bater dentro do peito e não me faltar ar no último suspiro; sinto que é meu dever, a minha sina; sonhar um Marajó Melhor para toda Criaturada grande de Dalcídio.
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