segunda-feira, 3 de junho de 2019

ILHA DO MARAJÓ; PORTAL NATURAL DA ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA.


Resultado de imagem para foto capa de livro Cultura Marajoara, de denise schaan
obra de Denise Schaan para divulgação da arqueologia na
ilha do Marajó e a importância do Museu do Marajó na ressignificação da Cultura
Marajoara para desenvolvimento sustentável da Amazônia.


"Na grande bôca do rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portugal e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de lín­guas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente Nheengaíbas". (carta do Padre Antonio Vieira ao rei de Portugal, 29/11/1659).


A grande boca do maior rio do mundo, devido às diferentes e "dificultosas" línguas das nações de índios Nheengaíbas habitantes da ilha grande que a atravessa; o padre grande dos índios, Antônio Vieira; chamou de rio Babel, no século XVII, enquanto no século XX o geógrafo Aziz Ab'Saber denomina Golfão Marajoara. O linguista amazonense escreveu a obra incontornável "Rio Babel, a história das línguas na Amazônia", pela qual o leitor pode compreender como a colonização reduziu drasticamente o número da população nativa e extinguiu milhares das tais línguas "dificultosas" faladas no passado na vasta região da Floresta Amazônica, de mais de 7 milhões de km² da América do Sul. 

Desde a concomitante conquista dos Andes pela Espanha e da Hileia amazônica pelo reino de Portugal, a Europa imperial construiu o mito civilizador do "espaço vazio" donde se criou a infame teoria do celeiro do mundo cunhada pelo naturalista alemão Alexandre de Humboldt, em famosa viagem "filosófica" (exploratória de recursos naturais) pela bacia do Orenoco (Venezuela) e Rio Negro (Brasil). Até aí, o chamado rio Babel - Uene, dos aruacos; Paraná-Uaçu, dos tupis; Marañón, dos castelhanos; Grão-Pará, dos portugueses -, ao longo de sete quilômetros, mais a soma de seus tributários formando a formidável teia das águas fluviais que irrigam a maior floresta tropical do planeta; fora ocupada pelo "Homo sapíens, var. Tapuya", na curiosa classificação do naturalista da Viagem Philosophica (1783-1792), Alexandre Rodrigues Ferreira, luso-brasileiro da Universidade de Coimbra, discípulo do naturalista italiano Domenico Varelli. 

Para concepção de uma história das regiões amazônicas no conceito pioneiro do Barão de Marajó, José Coelho da Gama e Abreu; donde logo iremos chegar a Amazônia Marajoara, originalmente demonstrada pela arqueóloga Denise Schaan e o historiador social Agenor Sarraf; é importante reter a influência do pensamento de Vandelli na "Viagem Filosófica", iniciada em 1783 na ilha do Marajó, como se lê na separata "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joannes, ou Marajó". 

Descrição

Domenico Agostino Vandelli foi um naturalista italiano, com trabalhos fundamentais para o desenvolvimento da história natural e da química em Portugal nos finais do século XVIII e princípios do século XIX. Foi um dos fundadores e o primeiro diretor do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. 

De modo que, no momento que a comunidade marajoara e o governo do Estado do Pará unem esforços a fim de revitalizar o Museu do Marajó será interessante pensar num turismo educativo onde visitantes do Arboreto Giovanni Gallo no espaço ecocultural do museu comunitário, tenham oportunidade de suscitar a memória da viagem do naturalista de Coimbra à antiga freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari, guiada pelo fundador da Vila de Cachoeira, o inspetor Florentino da Silveira Frade, que segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, no dia 30 de novembro de 1756, achou o teso (sítio arqueológico) do Pacoval. Além disto, Florentino Frade é o provável autor anônimo do primeiro relato biogeográfico da região insular do delta-estuário do rio Amazonas, a "Notícia da Ilha Grande de Joannes, sua circunferencia e outras cousas curiosas", escrita no contexto da expulsão dos Jesuítas do Grão-Pará e anterior à "Notícia Histórica" mais de vinte anos, esta após o governo despótico do Marquês de Pombal ter acabado, em 1777. Ano em que, finalmente, as fronteiras coloniais amazônicas entre os reinos da Espanha e Portugal foram regularizadas, conforme o uti possidetis reconhecido no Tratado de Madri de 1750; revogado o Tratado de Tordesilhas (1494). Acordo feito às pressas para evitar a guerra entre as duas monarquias da Península Ibérica, estremecidas pelo descobrimento das Índias Ocidentais por Colombo: deste modo imperial, a Costa-Fronteira do Pará foi delimitada pela margem oriental da ilha do Marajó desde a ponta de pedras dita Itaguari, na foz do rio Marajó-Açu; até a ponta do Maguari, em Soure. Ficaria por acaso a Nova Andaluzia (Amapá e Marajó) no domínio de Espanha. 

A "linha" de Tordesilhas, por um meridiano a 370 léguas para oeste a partir de Cabo Verde; se tivesse sido demarcada cortaria a baía do Marajó em duas bandas: como, por acaso, era em realidade a fronteira étnica entre as nações Nheengaíbas existentes nas ilhas a uns cinco mil anos e a conquistadora nação Tupinambá recentemente chegada no Grão´Pará em marcha rumo ao Araquiçaua (sítio de relevante interesse histórico localizado no Baixo Arari, Ilha do Marajó) em demanda da mítica Terra sem Mal, antes da tomada do Maranhão aos franceses (1615) e colonização portuguesa iniciada com a fundação de Belém do Grão-Pará (1616) em acordo guerreiro entre lusos e tupinambás levando à elevação do Forte de Santo Antônio de Gurupá (1623), durante a guerra de expulsão dos holandeses e ingleses, finalizada cerca de 1647 e consolidada enfim no acordo de Paz do rio Mapuá (Breves), em 27 de agosto de 1659, entre os chamados caciques nheengaíbas (Nuaruaques) - das nações Mapuá, Aruã, Anajá, Guaianá, Pixi-Pixi, Cambocas e Mamaianá -, e o superior das Missões do Maranhão e Grão-Pará, padre Antônio Vieira, representando a coroa de Portugal nos termos da lei de abolição dos cativeiros indígenas de 1655; e o corpo de remadores e arqueiros Tupinambá presentes no ato solene na improvisada igreja do Santo Cristo: hoje na área protegida da Reserva Extrativista Florestal de Mapuá. 

Eis, em linhas singelas, as origens da Amazônia Marajoara, da qual a arqueologia de Denise Pahl Schann dá testemunho e o museu comunitário do padre Gallo se apresenta como a melhor universidade livre que a Criaturada grande de Dalcídio pode desejar. No "apurado" (rendimento) dos outubros da minha vida, acredito eu que será útil saber o caminho das pedras na travessia da nação Tupinambá em busca da Terra sem Mal (utopia selvagem do país do futuro que nossos filhos e netos precisam: onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte). 

Descobrir e prevenir armadilhas do caminho desta história ancestral do "homem malvado" (marãyu, marajó), herdeiro da matriarca cobra Jararaca, na iconografia da cerâmica marajoara; animal totêmico que ensinou aos pajés o segredo mortal do curare (veneno de dardos atirados com zarabatana e flechas mortalíssimas que fizeram o bom selvagem tupinambá parar ao longe do paraíso cobiçado, cuja fama dos "índios bravios, desertores e escravos fugidos" retardaram a construção dos currais de gado até o ano de 1680). 

Deus e o Diabo (o Bem e o Mal) se escondem nos detalhes da divina comédia: dentro da cabeça e do coração do homem. Todavia, já dizia o índio no processo da primeira visitação do Santo Ofício (cf. "A Heresia dos Índios", de Ronaldo Vainfas) "Deus criou o homem para dormir e sonhar". O índio morreu enforcado na Bahia de todos os orixás por sentença sumária do inquisidor, o "payaçu" dos índios foi condenado pelo tribunal da Inquisição devido à heresia judaizante do "Reino de Jesus Cristo consumado na terra", utopia evangelizadora mais conhecida como o Quinto Império do mundo... 

Não importa! A gente continua a sonhar com o paraíso reconquistado e o melhor lugar do mundo para redescobrir o espírito destas coisas é o Marajó, portal das regiões amazônicas. Lugar encantado, na fronteira entre o real e a imaginação.



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