terça-feira, 10 de janeiro de 2017

NOVOS CABANOS: RUMO A 2030 E AO BICENTENÁRIO.

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Performance do poeta popular e educador ribeirinho Antônio Juraci Siqueira, nativo de Afuá, nas ilhas do Marajó - tuxaua nheengaíba, portanto -, em figura de guerrilheiro cabano alusiva aos 182 anos da Cabanagem (1835).


É cedo para se pensar em bicentenário da Cabanagem? Não é cedo, não. Se para adivinhar o futuro próximo formos buscar as suas raízes na conquista e colonização do rio Babel ou das Amazonas (ver José Ribamar Bessa Freire) a fim de compreender melhor as amarras do presente nas diversas regiões amazônicas. O futuro estará próximo da Criaturada grande se, nas mil e uma aldeias das regiões periféricas e marginalizadas, novos cabanos se levantarem para se empoderar da AGENDA 2030 pactuada pelo nosso Brasil em conjunto com os mais países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

Contudo, os que querem ser cabanos ou se declaram à esquerda do espectro político pugnando pelos direitos humanos fundamentais, precisam assumir a urgente necessidade de autocrítica da sociedade neocolonial em que vivemos.


O maior país amazônico (Brasil) da Terra-Pátria não tem que temer o futuro. Se ele souber confiar sua Amazônia à Criaturada grande: antes se livrando dos fantasmas da tragédia do brigue Palhaço e do genocídio dos cabanos. Com este gesto democrático civilizador em mente, revisitar a Anistia de 1840 e priorizar a Agenda 2030 nas ações políticas nacionais para o desenvolvimento municipal e regional sustentável "sem deixar ninguém para trás".

Quem nasceu em 7 de janeiro de 2017 terá apenas 18 anos de idade quando a Cabanagem completar 200 anos. Quantos jovens brasileiros, hoje, saberão contar os motivos desta revolução popular e também das suas contemporâneas revoltas durante a Regência Imperial no século XIX? "A história não é para os mortos" (Teoria da História do Brasil", José Honório Rodrigues).

Hoje é aniversário do índio sutil Dalcidio Jurandir (1909-1979), nascido em casa humilde do bairro do Campinho na vila de Ponta de Pedras, ilha do Marajó, filho de mulher negra descendente de escravos e de branco professor primário descendente de portugueses, este talvez oriundo de casal de colonos emigrados das ilhas dos Açores no século XVIII, durante o diretório do Marquês de Pombal.

As longínquas raízes da revolta das cabanas (barracas de palha) de beira de rio, na Amazônia, se acham na mentira histórica do patrão de navio e colonizador português Simão Estácio da Silveira para iludir casais (famílias) açorianas com um famigerado panfleto endereçado aos pobres de Portugal lhes prometendo, com endosso das autoridades da União Ibérica (1580-1640), o paraíso na terra do Maranhão.

Quando aqueles pobres de Portugal descobriram o engodo do aliciamento, que ainda se faz no Maranhão para arrebanhar trabalhadores rurais ao trabalho escravo no Pará; eles descontaram a raiva sobre os índios lhes roubando roças, invadindo a terra, escravizando seus filhos e violentando suas mulheres e filhas.

Acontece que a vingança era a religião do "bom selvagem". Então, sucedeu a primeira Cabanagem por acaso no dia 7 de janeiro de 1619. No Pará o cacique Guaimiaba (Cabelo de Velha) atacou o forte do Presépio [fortaleza do Castelo depois] e morreu em luta sobre a muralha... No Maranhão, o cacique da aldeia do Cumã, chamado Pacamão massacrou portugueses. Mas, a desproporcional represália colonial não demorou com uma carnificina horrorosa desde o rio Gurupi até o Guamá, conduzida pelo genocida Bento Maciel Parente auxiliado no avultado massacre pelo incontornável capitão Pedro Teixeira.

O cidadão brasileiro do século XXI, para inventar a democracia que falta a fim de inaugurar, de fato, a era pós-colonial; convém saber que esse índio bárbaro cabano era, na verdade, da brava nação Tupinambá cujo ícone mora nas searas da Umbanda na figura venerada do avatar Pena Verde. Aquele índio histórico que, há pouco tempo, havia recebido e convidado corsários franceses para morar no Maranhão e irem juntos fazer a guerra contra o inimigo Nheengaíba (povos nuaruaques do arquipélago do Marajó).

O ódio dos tupinambás aos nheengaíbas era recíproco ao dos nheengaíbas aos primeiros. E a causa desta rixa, que ainda perdura entre comunidades ribeirinhas nas duas margens do grande rio Pará; vinha da velha guerra entre tupi-guaranis e tapuias desde Piratininga (São Paulo) e Guanabara (Rio de Janeiro) passando ao litoral da Bahia, Pernambuco e Paraíba até o Maranhão.

Não por acaso, quando Eduardo Angelim precisou de guerrilheiros para a Cabanagem ele convocou "filhos de Ajuricaba e Ingaíbas" (nheengaíbas) que atenderam ao chamado aos milhares, pelo muito que lhes ardia há tempo a chama da vingança.

Já se vê que os ditos pobres de Portugal não sabiam patavina sobre tudo isto (como hoje a "Criaturada grande de Dalcídio", analfabeta de pai e mãe; nada sabe a respeito de centenas de TCC's, dissertações e teses acadêmicas com base na obra do autor marajoara). Assim, para salvação da alma dos canibais tupis, os padres franceses da missão da França Equinocial excomungaram a santidade dos índios, chamada Jurupari; que fala e ri pela boca dos pajés; dizendo aos catecúmenos que o tal espírito era o Diabo em pessoa vindo ao Maranhão arruinar a obra de Cristo.

Este conflito teológico entre padres e pajés, certamente, abalou a amizade entre índios e franceses fazendo pender o apoio dos murubixabas para o lado dos portugueses, quando viram chegar parentes de Jaguaribe (Ceará) comandados por Jacuúna e seu genro português Martim Soares Moreno entre as tropas portuguesas na batalha de Guaxenduba. 

Como se sabe, massagada cabana, a "criaturada grande de Dalcídio" (segundo Eneida de Moraes) habita Chove nos campos de Cachoeira, Marajó, Três casa e um rio, Belém do Grão-Pará, Passagem dos Inocentes, Primeira manhãPonte do Galo, Chão dos Lobos, Os habitantesRibanceira e arredores. Estes arredores do romanceiro dalcidiano incluem Linha do Parque, romance proletário lá entre farroupilhas do Rio Grande do Sul.

O romanceiro da Criaturada grande é, sem dúvida, a amostra literária brasileira de uma humanidade em extinção: composta de povos e populações tradicionais, somando cerca de 370 milhões de pessoas, em todo mundo, em luta desigual pela própria sobrevivência no planeta Terra disputado, barbaramente, por 7 bilhões de habitantes.

Antigo militante do "partidão" - o Partido Comunista Brasileiro (PCB) -, Dalcidio teria recrutado um jovem operário da outrora Fábrica Palmeira, chamado João Amazonas (Belém, 1912 - São Paulo, 2002) morador do bairro do Jurunas: o mesmo bairro donde saiu o poeta da negritude Bruno de Menezes, criador da Academia do Peixe Frito; e da cantora popular paraense Gabi Amarantos, cabana e bregueira. 

O camarada Amazonas, já na clandestinidade do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), à altura dos seus gloriosos 70 anos de idade; comandou o PCdoB na luta contra a Ditadura militar e tomou a grave decisão de lançar a Guerrilha do Araguaia, sabendo ele que a luta armada contra a Ditadura era, sem dúvida, um sacrifício extremo numa guerra revolucionária desesperada de Davi contra Golias. 

Tal qual a Cabanagem de 1835... Todavia, o velho jurunense sobreviveu à Ditadura de 1964 para ver nascer o Partido dos Trabalhadores (PT) e o retorno da democracia brasileira. Teria ele soprado ao Lula o nome carismático do PT como partido de massa destinado a eleger um operário à Presidência da República.

Quando criança, na vila de Itaguari (Ponta de Pedras), escutei pela primeira vez a palavra perigosa "cabano"... Foi meu velho pai caboco (irmão de Dalcídio e filho da índia minha avó Antônia, nascida na aldeia da Mangabeira) que a proferiu. Ele estava muito zangado com as injustiças que via por parte dos senhores do município. Discutia com minha mãe, filha de compones da Galiza e de minha avó branca, herdeira de sesmaria e de escravos recentemente libertos pela Princesa Isabel; dizendo ele "não se fiem em mim, eu tenho sangue cabano!"...

Que seria ter sangue cabano naqueles idos e lugar? Eu quis saber e levei muito tempo a aprender. Já tinha mais de dezesseis anos quando minha avó postiça, irmã mais velha e mãe adotiva de meu pai; que recém nascido ficou órfão de mãe, me deu para ler o romance "Marajó', escrito pelo meu tio distante que morava no Rio de Janeiro. Foi deste modo que me caíram as escamas dos olhos (como disse Paulo de Tarso a caminho de Damasco) e eu, enfim, compreendi o que é ter sangue cabano.

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