domingo, 27 de agosto de 2017

A MIRACULOSA ADESÃO DO MARAJÓ MALVADO AO REINO DE DOM SEBASTIÃO RESSUSCITADO EM CAMETÁ.

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Naquela data apagada e distante de 27 de Agosto de 1659, no calendário histórico do Brasil e Portugal entre chuvas e esquecimentos da floresta amazônica, por acaso ou milagre no coração da ilha grande do Marajó, deu-se a impossível Paz dos Nheengaíbas encerrando 44 anos de guerra colonial envolvendo Espanha e Portugal de uma parte e França, Holanda e Inglaterra de outra. Guerra amazônica a partir da tomada da França Equinocial (São Luís do Maranhão) por portugueses e tupinambás de Jaguaribe (Ceará), em 1615, debaixo da União Ibérica (1580-1640), durante o reinado de Felipe II de Espanha, primeiro de Portugal a partir de 1581 até a Restauração da independência da monarquia portuguesa, em 1640. Felipe expandiu o domínio espanhol a Portugal, Flórida e Filipinas, estabelecendo o famoso império onde o sol nunca se punha.


CONTEXTOS E PRETEXTOS

Hoje mais uma vez, desde 1999 com a Novíssima Viagem Filosófica, lembro a lábia do padre grande a descrever em grandes tintas uma história largamente inverossímil posto que delirante e termina nos surpreendendo por revelar, há três séculos e meio, uma geografia de outro mundo onde diversas criaturas comparecem ao cenário amazônico a sair diretamente do paleolítico para um pesadelo colonial a par da destruição das Índias pintada pelo dominicano Las Casas.

E apesar de tudo, arvorar o estandarte da esperança humana e da paz mundial no reino de Jesus Cristo na terra mediante aquelas maquiavélicas tratativas de pazes com o Marajó rebelde em acordo com famigerados nheengaíbas e com eles - conforme a utopia evangelizadora das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia e a profecia messiânica do livro de Isaías de um novo amanhecer para o mundo inteiro -, tímido fundamento das aldeias irmãs de Aricará (Melgaço 1758) e Arucará (Portel 1758): prova material da missão para além de toda retórica e invenção, encalhando três séculos e meio depois no pior IDH do Brasil (Melgaço - Pará).  

Deve agora o viajante do tempo, nesta trilha indelével da terra Tapuia, andar armado de imaginação pelas margens do texto seiscentista que o padre grande dos índios deixou junto à metáfora da carta-patente enviada aos caciques da língua ruim na ilha dos Nheengaíbas e que, talvez, somente em 2030 com ajuda do Papa Francisco e o concurso especial da ONU descendentes dos nheengaíbas a poderão ler sem erro. Se houver amanhã para a Criaturada grande de Dalcídio Jurandir. 

Primeiramente, sem que Vieira tivesse escrito uma linha seque sobre este assunto primordial da história indígena da Amazônia portuguesa; convém lembrar do front ardido entre guerreiros Tupinambás e guerrilheiros Nheengaíbas, respectivamente, nas margens direita e esquerda do Pará antes de qualquer europeu dar as caras por estas paragens do meio do mundo.

Recordar a complicada e invisível linha cartográfica ultramarina do tratado luso-castelhano de Tordesilhas (1494) na Amazônia: famoso "testamento de Adão" homologado pelo papa Alexandre VI para evitar a guerra entre os reis de Espanha e Portugal e, no entanto, mais depressa atiçou a cobiça da França, Holanda e Inglaterra ao saque das Índias Ocidentais para desgraça geral de índios e índias. 

Enfim, o viajante destes desmedidos sertões e até então desconhecidos rios da Babel indígena não pode esquecer da morte de El-Rei Dom Sebastião em batalha contra os mouros no Marrocos, no ano de 1578. Há que lembrar que até hoje o rei está vivo na cultura popular, notadamente na figura pétrea de Rei Sabá na beira-mar de São João de Pirabas, no Pará. 

O extraordinário processo da lenda maravilhosa do sebastianismo urdido pelas esperanças do povo português, que nem o culto do Espírito Santo nas ilhas dos Açores chegou ao Brasil com casais de imigrantes. E o prodígio poético dos versos proféticos do sapateiro Bandarra, nato da vila de Trancoso (Portugal), chegados também na bagagem cultural dos açorianos no Maranhão e Grão-Pará, enganados estes uns por falsas promessas do paraíso nas terras de virgens florestas equatoriais. Estavam cegos, ainda que lhes tivessem avisado dos índios antropófagos, das doenças tropicais e das feras da selva os pobres não veem perigos quando sonham encontrar tesouros, tal qual no ano de 1654 o padre Vieira falou no Sermão aos Peixes, em São Luís vindo de Belém do Pará, quando estava ele em viagem a Portugal em demanda da lei de abolição dos cativeiros de 1655.

Preso em seu labirinto, o padre grande dos índios recebeu a notícia da morte do rei amigo e protetor como uma sentença fatal contra a Missão do Maranhão, Ceará e Grão-Pará: em seu espírito o célebre "estalo" poderia adverti-lo de que precisava antecipar a partida e retornar a Europa. Seus inimigos escravagistas e antissemitas não tardaram a lhe preparar a cama. Isto é, a armadilha. Em sua solidão no Grão-Pará afastado da corte ele iria arriscar tudo, como se poderá perceber do encadeamento de acontecimentos entre 1656 até sua violenta expulsão pelos colonos do Pará, em 1661, e deportação a Portugal onde o Santo Ofício já o esperava colhendo a teia de intrigas coloniais.

A Câmara de Belém do Grão-Pará havia requerido ao governador do estado do Maranhão e Grão-Pará, Andre Vidal de Negreiros no cargo de 1555 a 1656, a "guerra justa" (extermínio e cativeiro) contra os índios nheengaíbas acusados de pirataria e rebeldia. Vidal de Negreiros era aliado de Vieira na execução da lei de liberdade dos índios (1655), autorizado pelo rei a castigar os índios das ilhas, o governador adiou as operações dando tempo aos padres de Santo Alexandre de evitar a guerra que, pela voz de Vieira advertia que a guerra contra os nheengaíbas seria impossível de vencer. 

Sobretudo pelo fato de que os "índios cristãos" (tupinambás catequizados) depois de quarenta anos de correrias, massacres, fadigas, epidemias e cativeiro já não possuíam o antigo ardor guerreiro. Enquanto os bárbaros falantes da língua ruim, confiados na fortaleza natural de sua ilha recortada de canais, hábeis canoeiros com suas canoas à vela e população estimada em vinte e tantos mil habitantes, mais depressa poderiam revidar do que vir a ser dizimados como ovelhas. 

Evidentemente, o convento de São Alexandre havia escravos indígenas capturados pelo tupinambás entre os próprios nheengaíbas... Logo, esses cativos através da língua-geral informavam a maioria de dados que Vieira repassava em cartas. O governador Vidal de Negreiros chegou a propor à Câmara de Belém a transferência da capital do Pará para Joanes, na ilha do Marajó. Todavia os moradores da Cidade do Pará não aceitaram, insistindo na "guerra justa" para extinção e cativeiro dos odiados Nheengaíbas... 

A Junta das Missões solicitou, então, adiar a guerra enquanto uma missão de paz com escolta militar e remadores tupinambás era dirigida à ilha dos Nheengaíbas sob ordens do padre João de Souto Maior auxiliados pelo padre Salvador do Vale. A missão terminou em desastre com mortos e feridos atacados de surpresa pelos insulanos, em fins de 1655. O ano de 1656 acrescentou à morte de Dom João IV o desastre da viagem ao ouro do rio Pacajá, onde Souto Maior morreu de febres e fadiga junto com companheiros de aventura. 

Nestas trágicas circunstâncias, em Cametá Vieira escreveu a célebre carta secreta ao bispo do Japão, com título de As Esperanças de Portugal datada de 29 de abril de 1659: documento especulativo no qual se adivinha inspiração no trabalho As Esperanças de Israel de autoria de Menassé ben Israel, rabino da comunidade portuguesa de Amsterdã (Holanda), nascido Manoel Soeiro, na Ilha da Madeira (Portugal). Menasse ben Israel foi mestre do filósofo Baruch de Espinosa e a cabo de uma divergência teológica irremediável terminou por excomungá-lo do judaísmo. Em sua obra, Israel sustentava que os índios da América seriam descendentes das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia, o que Vieira nunca assumiu explicitamente, mas inúmeras vezes manifestou preferência pela "liberdade" do índio em detrimento da escravidão dos negros. Sendo que o payaçu dos índios, havia uma avó afrodescendente por parte paterna, criada da casa do conde de Unhão...

Por que Vieira não esperou chegar a Portugal de regresso para começar a batalha do Quinto Império? Talvez por que antes de partir definitivamente do Maranhão e Grão-Pará quisesse ele dar constância de seu zelo para afastar das águas amazônicas a presença do Herege holandês: explicação da parte final da carta com a notícia das pazes dos Nheengaíbas dali em diante amigos dos portugueses e súditos do rei de Portugal. 

Diz o padre, o Pará com esses Nheengaíbas por sentinela na guarita do Norte fica seguro a qualquer pretensão estrangeira. Significa dizer, sem este acordo com os índios da ilha do Marajó "malvado", o Pará poderia ter sido holandês em continuidade do comércio e amizade com os mesmos Tucujus, Aruãs, Anajás, Mariocais e outros mais (nuaruaques ou nheengaíbas) desde fins do século XVI. Daquela maneira, o padre Antônio Vieira certamente queria dar resposta a seus acusadores do Papel Forte (conselho a Dom João IV para trocar Pernambuco pelo reconhecimento da independência de Portugal favorecendo ao reingresso de capitais e famílias de judeus portugueses ao país natal). 

Esta falha foi motivo de desgosto do rei e atrito no seio da Companhia de Jesus que intimou o padre jesuíta a ser missionário no Maranhão ou sair da ordem. Que melhor oportunidade para regressar a Portugal, agora que a rainha viúva estava na regência do filho durante a menoridade deste? A notícia da paz dos Nheengaíbas ficou por último na longa carta impressa em Lisboa em 11/02/1660, apenas três meses depois de escrita no Pará e envidada ao reino.

Significativamente, com o conhecimento desta carta e sabedor da expulsão do padre (1661) e desgraça deste em Portugal perante o Santo Ofício, o secretário de estado Dom Antônio de Sousa de Macedo deliberou requerer para si e seus herdeiros a Ilha dos Nheengaíbas (Marajó) como capitania da Ilha Grande de Joanes (1665). Seria talvez uma maneira de salvar o mínimo do plano civilizador do padre grande. Para tanto dirigiu requerimento a Dom Afonso VI, cerca de 1663, não antes de se cercar de cuidados pedindo informações ao governador da Capitania do Grão Pará, Luís Vasconcelos de Sequeira e do capitão-mor Aires de Sousa Chichorro, da dita capitania.  

No requerimento, o donatário animado pelas informações recebidas, inclusive sobre o Pesqueiro Real com os índios Joanes que já estava em curso, prometeu fundar uma vila com nome de Santo Antônio para sede da capitania e destinar aos índios da ilha grande seus próprios territórios tradicionais, além de zelar pela segurança da fronteira vizinha e expansão da conquista lusitana no rio das Amazonas.

Entretanto, apesar da boa intenção do patriarca dos Barões de Joanes, sabe-se que nem as promessas do padre Antônio Vieira aos seus nheengaíbas, nem os compromissos da capitania resultaram em bem para os desiludidos e abandonados índios. Os quais debandaram com a notícia da prisão e expulsão do payaçu e novamente caçados como escravos pelos colonizadores voltaram a seus costumeiros assaltos às aldeias de "índios mansos" (escravos dos portugueses), praticando contrabando em parceria com traficantes da Guiana francesa, os quais atravessavam por dentro do rio Jari vindo sair debaixo dos canhões do forte de Gurupá, passando pintados de urucu junto a índios de verdade. 

Assim, de nada valiam as cartas de sesmaria pois os Aruãs façanhudos e seus parentes continuavam os mesmos "marajós" valentes e malvados a se defender dos inimigos com suas emboscadas mortais. Até que, em 1680, vencendo o medo dos índios bravios, desertores e escravos fugidos (mocambos) existentes nos centros da ilha, o carpinteiro Francisco Rodrigues Pereira atravessou umas cabeças de gado e cavalos cabo-verdiano que estavam em Belém e levantou o primeiro curral no rio Mauá, hoje no município de Cachoeira do Arari. 


A "HISTÓRIA DO FUTURO"AINDA TERÁ FUTURO?

Diz a sabedoria popular: A rico não devas e a pobre não prometas. As promessas e compromissos de Portugal inseparáveis do uti possidetis de 1750, no que tange a Amazônia lusitana, passaram por sucessão hereditária ao Império do Brasil mediante a Adesão do Pará à Independência em 1823. Trata-se, evidentemente, de uma longa cadeia de sucessão condominial de uns cinco mil anos passados considerada a criaturada grande paleo-Índia. 

No meio da ancestralidade nativa se insere a primeira civilização amazônica - a Cultura Marajoara -, todavia desta não se teve notícia antes do século XVIII, com a segunda expulsão dos Jesuítas (1759): por ironia da história, 100 anos depois da Paz de Mapuá! Quando o inspetor da ilha do Marajó, Florentino da Silveira Frade, fazia inventário para o Marquês de Pombal desapropriar as fazendas da Missão dos padres e topou ele, pela primeira vez, com um teso (sítio arqueológico), no dia 20 de novembro de 1756. Coincidência atualmente com o DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA e que eu acho deveria ser oficializado também como o Dia Nacional da Cultura Marajoara, lembrando inclusive que os primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul foram arrancados pelo navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón, piloto de Cristóvão Colombo; da ilha "Marinatambalo" [Marajó], cerca de 20 e poucos dias de janeiro de 1500.

Florentino ficou muito admirado da engenharia do barro pelos antigos índios do Marajó, construtores de aldeias suspensas acima de campos e "ilhas" de matos inundáveis onde tiveram malocas, cemitério e roças férteis com manivas excelentes que ele cuidou de arrancar, levar e replantar atestando a precocidade da planta e alta qualidade da mandioca cultivada há muitas gerações à ilharga de "igaçabas" [comotis] de cerâmica guardando caveiras de muita antiguidade.

Era o teso do Pacoval do rio Arari (cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó, 1783), sito ao Igarapé do Severino, donde foram levadas as primeiras cerâmicas marajoaras pré-colombianas para a Exposição de Chicago (EUA, 1898). Deste sítio arqueológico, provavelmente, ladrões de gado recolheram "cacos de índio" que chegaram às mãos de amigos do padre Giovanni Gallo, de Santa Cruz do Arari, com que o pároco começou, em 1973, o famoso O Nosso Museu do Marajó.  

Hoje, cerca de 600 mil marajoaras estão desnorteados a ver navios e não enxergam uma saída para a crise da região. Que nem o padre grande dos índios encontrava-se em seu labirinto amazônico, até o famoso "estalo" lhe ocorrer a ressurreição de Dom João IV que nem antes Dom Sebastião havia voltado à vida na pessoa do Conde de Bragança. Foi então que Vieira, vencendo seus receios sobre as águas profundas do rio dos Tocantins, a caminho de Cametá, proclamou "Bandarra é verdadeiro profeta!". 

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