quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Um capital cultural desvalorizado pela colonialidade.

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Maluana de casa comunal wayana: foto Lucia van Velthem.



Maluana - Maruana (língua wayana - língua aparai).

Lucia van Velthem



"Nas aldeias wayana e aparai pode ser encontrada uma casa especial, diferente das casas onde moram as famílias. Esta casa (tukusipan – parohtopo) está no centro do terreiro, é circular e tem um teto muito alto. Ela também é conhecida como “prefeitura”, nome dado pelos balateiros que andaram pelo rio Paru de Leste no início do século XX. A parte interna da cobertura desta casa é arrematada por uma roda de teto (maluana – maruana) que representa uma arraia sobrenatural chamada Maluanaimë pelos Wayana. A fabricação e a pintura da roda de teto é uma atividade que reúne os homens e algumas mulheres.

Para a confecção da maluana destinada à casa de uso comunitário, os homens reúnem-se em mutirão. A matéria-prima empregada é a raiz tubular, a sapopema da sumaúma que é cortada com um machado e aplainada com terçado, formando uma roda. Essa roda tem então uma de suas faces carbonizada através da lenta combustão de folhas secas de bananeira, enquanto o disco se apóia sobre curtas estacas. Depois disso, os grafismos específicos deste artefato são marcados com faca. Quando são aprendizes, os jovens utilizam moldes recortados em folhas de sororoca. A roda é pintada coletivamente com tintas minerais e pincéis de nervura de palmeira bem finos por dois ou três homens e também mulheres. A maluana não deve ser preparada nem pintada na aldeia, mas em lugar afastado, na periferia. (...)

A roda de teto apresenta grafismos que não são encontrados em nenhum outro objeto fabricado pelos Wayana e Aparai. Constituem as pinturas corporais (maruana imilikut – maruana imenuru) de uma arraia sobrenatural, cujo aspecto esse artefato reproduz. Os grafismos da roda de teto representam seres sobrenaturais.

Dois deles tem o aspecto de lagartas, denominadas nas línguas indígenas como kuluwaiak – zamarahakyry e kaukokosi – pakokoxi, mas um terceiro padrão é semelhante a uma arara-peixe (mulokot – kanahkoto). As bordas do artefato são pintadas com triângulos que representam as borboletas amarelas e alaranjadas, chamadas pelos Aparai de mapetekere e que aparecem nas praias quando começa o verão. Outros grafismos também podem ser pintados nas rodas de teto e representam vários tipos de animais como “tamanduá-bandeira”, “garça-maguari”, “gavião-tesoura”. Esses animais e as borboletas estão associados a diferentes esferas da cosmologia indígena".

Livro da Arte Gráfica Wayana e Aparai - Waiana anon imelikut pampila - Aparai zonony imenuru papeh. Lucia Hussak van Velthem; Iori Leonel van Velthem Linke (orgs.). Rio de Janeiro : Museu do Índio-FUNAI / IEPÉ, 2010, p. 43-47.



premonições:


"[...] segundo, que eles tinham percebido que havia entre nós homens gordos e fartos de todas as espécies de comodidades, e que suas metades (eles possuem um modo em sua língua que diz serem os homens metade uns dos outros) mendigavam à porta destes, consumidos pela fome e pela pobreza; e achavam estranho que essas metades tão necessitadas aceitassem sofrer tamanha injustiça, e não agarrassem os outros pelo pescoço ou ateassem fogo em suas casas. (Montaigne, 1965, I, 31, p. 214)




"Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre trás-os-montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal."

(Fado Tropical, Chico Buarque e Ruy Guerra).



Amerik, o País do Vento. 

O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) empreendeu vigorosa pesquisa do conhecimento social que detectou um jogo de dominação e reprodução de valores, no qual a noção de capital cultural tem grande relevância no campo da educação. A par de Bourdieu, o peruano Aníbal Quijano formulou o conceito de colonialidade; chave para compreensão da formação histórica da América Latina na periferia da civilização ocidental centrada na Europa. 

Até o "descobrimento" do Novo Mundo, em 1492, havia séculos de civilização americana! No México, por exemplo, a Virgem morena já existia antes do maravilhoso culto sincrético de Nossa Senhora de Guadalupe... Uma imagem santa católica com jóias astecas, falando a língua nahuatl, dos nativos; usando o lenço mágico que as indígenas usavam quando se encontravam grávidas. A aparição da Virgem de Guadalupe ao índio Juan Diego mostra como, no campo do inconsciente coletivo; a tradição popular católica mexicana mistura cristianismo e crenças astecas: antes da chegada dos espanhóis, a deusa Tonantzin - "mãe de todos os deuses"-, era venerada no mesmo lugar de memória onde hoje está a basílica da Virgem de Guadalupe.

Uma dialética acirrada entre a igreja católica romana e a religião dos indígenas: estes na tentativa de resistir à dominação cultural conservando suas tradições e símbolos; aquela pelejando para irradiar a "santa Fé"... "Certamente um forte sincretismo, mas, acima disso, uma disputa entre a igreja e os indígenas pelo espaço de afirmação cultural" (padre José Oscar Beozzo, especialista no estudo Igreja Católica na América Latina.

Nada permanece para sempre e tudo se transforma no presente na perspectiva do vir a ser. Em 1776, há 284 anos da famosa chegada de Colombo, Thomas Jefferson redigiu a explosiva Declaração de Independência dos Estados Unidos que viria a ser um ponto de virada histórica no mundo todo... E a Inglaterra rejeitou a Declaração e respondeu com a guerra a suas ex-colônias na América: a Guerra de Independência, entre 1776 e 1783, vencida pelos Estados Unidos com apoio da França e da Espanha monarquistas... 

Porém, na América do Sul a história foi diferente, Espanha e Portugal, pelo contrário do apoio dado aos independistas dos Estados Unidos, cuidaram de entrar em acordo pela conservação colonial através do tratado de limites de Santo Ildefonso de 1777, reforçando a dominação europeia e a escravidão inerentes ao regime de exploração de recursos naturais e da força de trabalho dos povos coloniais. O novo acordo revogou formalmente o arcaico "testamento de Adão" (tratado de Tordesilhas de 1494). Espanha e Portugal reconheceram, mutuamente, o "uti possidetis" de fato defendido tenazmente pelo brasileiro Alexandre de Gusmão contra a tese do "uti possidetis juris", que pretendia manter válidos títulos de posse concedidos pelos Reis Católicos a alguns súditos. 

Bom que se diga, com todas as letras, que o uti possidetis de fato é arcabouço do direito territorial brasileiro gestado em conjunto por nações indígenas aliadas, sertanistas, missionários e demarcadores de fronteiras. Claro que as transgressões, fraudes, engôdos (por exemplo, o mapa das cortes; deformando deliberadamente a carta geográfica da América meridional), "guerras justas" (extinção e cativeiro de grupos indígenas insubmissos), etc. à "linha" de Tordesilhas (jamais delimitada no terreno) resulta em grande parte ao complexo geográfico mais favorável a que tinha controle das grandes vias fluviais de penetração ao sertão a partir do litoral até o paredão dos Andes.

O acordo hispano-português de 1777, assinala inclusive a queda do "déspota esclarecido" Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro-ministro do acovardado Dom José I, célebre pela perseguição aos Jesuítas. Este acordo marca a morte do monarca e ascensão ao trono de sua filha, Dona Maria I, a louca. No reinado dela deu-se a bárbara execução de Tiradentes e deportação dos republicanos da Inconfidência Mineira. 

A realeza europeia estremeceu face à decapitação dos reis da França pelos revolucionários franceses, depois de Olivier Cromwell depor e executar Carlos I. Mas, assim como se vingara simbolicamente de Cromwell, morto pela malária, desenterrado e macabramente decapitado; assim também não trepidou com o enforcamento e esquartejamento de Tiradentes acusado de tramar a república e independência do Brasil. Dona Maria sofria alucinações nas quais via Dom José a queimar no Inferno purgando crimes atribuídos ao Marquês de Pombal. Este último já idoso, enfermo e humilhado pelo mesmo poder a que serviu com arrogância e falta de humanidade. No reinado de Dona Maria I, aconteceu o bloqueio continental da Inglaterra forçado pela França, a lealdade dos portugueses, presos aos ingleses pelo tratado de Methuen de 1703 (chamado "tratado dos Panos e Vinhos", motivo de ojeriza pelo Marquês de Pombal), levou à represália de Napoleão mandando o general Jonot invadir Portugal. 

Então, a Família Real portuguesa foi conduzida às pressas para o Rio de Janeiro, sob proteção da armada inglesa na regência do príncipe herdeiro Dom João VI, durante a doença e impedimento mental da rainha-mãe. Desde então acentuou-se mais a dependência de Portugal à coroa da Inglaterra, dependência que se transmitiu ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815) e, depois do retorno de Dom João VI a Lisboa, passou o Império do Brasil independente em 1822, sendo bastião monarquista na América à sombra protetora da Inglaterra, de costas às repúblicas da América Latina e desconfiado dos Estados Unidos.

A independência dos Estados Unidos da América, mais a Revolução antiescravista do Haiti e o Bolivarismo na América do Sul abalaram o colonialismo, mas não o eliminaram. Mesmo assim, a Modernidade tornou-se as duas faces de uma mesma moeda, com a descoberta da América implicando no progresso geral do velho mundo no século XVII: era o espírito do Bom Selvagem e o Rei do Congo na diáspora africana a ensinar revolução aos civilizados (Montaigne, Rousseau e Toussaint l'Ouverture)... Apesar dos pesares, pesa na história das Américas o capital cultural das primeiras nações americanas com a herança do passado comum de mais de 10.000 anos atrás e a herança africana no ultramar. "Fizemos Cristo nascer na Bahia, ou em Belém do Pará" (Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade, 1928). Ademais, a igreja latino-americana pariu a controvertida Teologia da Libertação, que fez estremecer as ruínas de Roma e, não por acaso, o Espirito Santo por via do colégio de cardeais elegeu um papa argentino disposto a ressuscitar a igreja de Jesus Cristo dos primeiros dias.

Os "nossos índios" são descendentes de migrações asiáticas que aqui chegaram ainda em estágio paleolítico e, portanto, o estágio neolítico ameríndio é de própria conta dos nativos americanos. Eles, digo nós; desenvolvemos neste continente milhares de línguas e culturas diferentes conforme biomas e ecossistemas ocupados. Com o tempo em diferentes regiões criaram grandes e complexas civilizações tais como os maya, asteca e inca. Nas terras baixas da América nós temos a Cultura Marajoara, primeira cultura complexa, tipo cacicado; da Amazônia cerca do ano 400 d.C., após coisa de 5.000 anos, mais ou menos, de ocupação por diversos grupos nômades.

Dada a diversidade e dispersão de tais línguas e culturas diferentes é improvável que o continente houvesse um nome autóctone em toda sua extensão, mas vários nomes conforme as nações que foram se formando no tempo. Já se sabe que o "índio" é fruto do equívoco histórico cometido por Cristóvão Colombo e se ainda hoje há quem se refira aos povos originais desta maneira, deve-se a uma mistura de ignorância e permanência da colonialidade.  

Assim como o suposto "índio" ocidental de Colombol, o nome 'América' foi forjado pelo colonialismo a partir da obra Cosmographiae introductio (1507), do cartógrafo alemão Martin Waldseemüller, em que ao lado de cartas escritas por Américo Vespúcio, consta um mapa no qual as terras do Nordeste brasileiro, cuja descoberta Waldseemüller atribuiu a Vespúcio; foram assinaladas como Americi Terra vel America "Terras de Américo ou América"). 

Amerigo Vespucci (Américo Vespúcio, em português) foi mercador, navegador, geógrafo, cosmógrafo italiano e explorador de oceanos ao serviço do Reino de Portugal e de Espanha que viajou pelo, então, Novo Mundo, escrevendo sobre estas terras a ocidente da Europa. Ele nasceu em Florença (Itália) em 1454 e morreu em Sevilha (Espanha) em 1512; sem saber que o nome do novo continente fora dado em sua homenagem, embora tenha sido Cristóvão Colombo (Gênova, Itália 1450 - Valladolid, Espanha; 1506; sepultado na catedral de Sevilha) a ter a subida glória em ser considerado o "descobridor" da América. Este por sua vez morreu acreditando ter chegado à Índia pelo caminho do ocidente, certo da redondez da Terra. Porém, nunca se cogitou sobre o "descobrimento" da Europa ou de qualquer outra parte do mundo antigo.

Todavia, a geografia dos antigos americanos talvez não discrepasse muito de seus contemporâneos no velho mundo considerando a Terra Plana dotada de um "centro" do mundo... Nos Andes, por exemplo, o império Inca (Tawantinsuyu em quichua) foi um estado criado pela civilização incaica, resultado de uma sucessão de civilizações andinas anteriores e que se tornou hegemônico e o maior império da América pré-colonial. O governo central e o centro político do império ficavam em Cusco (em quíchua, "Umbigo do Mundo"), no Peru moderno. 

O império Inca surgiu nas terras altas peruanas em algum momento do século XIII. De 1438 até 1533, os incas utilizaram vários métodos de ocupação de terras, indo da conquista militar à assimilação pacífica, para incorporar uma grande porção do oeste da América do Sul, na Cordilheira dos Andes, incluindo grande parte do atual Equador e Peru, sul e oeste da Bolívia, noroeste da Argentina, norte do Chile e sul da ColômbiaO império Incaico abrangia diversas nações e mais de 700 idiomas diferentes, sendo o quichua o mais falado. Outro idioma que se destacava era a língua aimará, de uma das principais etnias componentes, os aimarás. O nome quíchua do império era Tawantinsuyu, que pode ser traduzido como as quatro regiões ou as quatro regiões unidas. Os antigos peruanos tinham noção dos quatro pontos cardeais, acrescentados do zênite e nadir. Antes da reforma ortográfica era escrita em espanhol como Tahuantinsuyo. Tawantin é um grupo de quatro partes (tawa significa "quatro", com o sufixo -ntin que nomeia um grupo); Suyu significa "região" ou "província". O império foi dividido em quatro Suyus, cujos cantos faziam fronteira com a capital, Cusco (Qosqo). Talvez a noção de "centro" ou "umbigo do mundo", na mentalidade ameríndia, venha de mais tempo. Povos aruacos do Rio Negro (Amazonas), por exemplo, acreditavam ter ancestrais paridos pela mãe Terra através de um buraco no chão, que ainda se acha, miticamente, no território original. 

O centro do mundo na civilização Maia seria o "país do vento", região conhecida como "Americ" ou "Amerik", mais precisamente, a região de montanhas do entorno do grande lago de água doce Nicarágua. Com isto se pode pensar que, desde antigamente, fossem tornados e furacões frequentes a causa deste velho nome maia que chegou aos colonizadores e se confundiu à homenagem póstuma ao navegador Américo Vespúcio. Porém a arqueologia maia vem de revelar novos elementos da antiga civilização da América Central, que levam em direção a uma religião antiga baseada na agricultura, Assim, o "país do vento" (amerik), em verdade seria domínio da divindade mãe das chuvas, estas carregadas pelas correntes aéreas desde o lago Nicarágua como a respiração vital da terra. 




Símbolos gravados no pingente de jade


Joia apresenta 30 hieróglifos gravados na parte de trás


"A gente poderia esperar encontrar algo assim em uma das grandes cidades do império maia, mas não aqui", afirma o professor de Antropologia da Universidade da Califórnia em San Diego, Geoffrey Braswell.
A joia a que Braswell se refere foi encontrada no sítio arqueológico de Nim Li Punit, no distrito de Toledo, ao sul de Belize, na América Central. Trata-se de um pingente de jade de cerca de 18 cm de largura por 10 cm de comprimento. A joia foi encontrada em 2015, mas só agora os cientistas começaram a entender seu significado. O objeto achado numa tumba misteriosa é a segunda maior peça maia de jade encontrada em Belize. Mas, segundo Braswell, o que torna o pingente especial é o fato de ser o único com inscrições gravadas que se tem conhecimentoO pingente tem formato da letra T e, na parte da frente, também apresenta uma gravação.
Nim Li Punit é um sítio arqueológico pequeno, localizado na parte sudeste do antigo império maia, que cobre o sudeste do México, a maior parte da Guatemala, Belize e a parte ocidental de Honduras e El Salvador. Dentro da tumba havia 25 vasos, uma pedra esculpida em forma de deusa e o pingente de jade. Fora um par de dentes, não havia restos humanos. Este símbolo - T, deus do vento - equivale a "ik" na grafia maia, que significa "vento e respiração". Raiz de 'amerik', a dizer terra do divino Ik? Uma coincidência notável com crenças e práticas meditativas hindus e budistas relacionadas ao "prana", energia vital através da respiração e ao "atma", palavra do sânscrito que significa o sopro da vida. 
O vento era considerado crucial pelos maias, uma vez que a civilização dependia da chegada das chuvas anuais trazidas pelas nuvens e ventos, vitais para a agricultura e a sobrevivência do povo. Caciques e xamãs maias realizavam rituais com incenso de acordo com o calendário sagrado para atrair chuvas. Segundo Braswell, as inscrições na parte de trás do pingente revelam que a peça foi usada pela primeira vez para um ritual desses, no ano 672 d.C. Vale lembrar, comparativamente, que a Cultura Marajoara começou cerca do ano 400 d.C.... Outras esculturas em pedra do sítio arqueológico de Nim Li Punit, do século 7, confirmam esse uso ritual ao mostrar um rei usando pingente em forma de T no peito ao espalhar incenso.
Em relação aos outros hieróglifos, considerado um relato ancestral maia; a interpretação de Braswell e Prager é a seguinte: A joia foi criada para o rei Janaab Ohl K'inich. Além de revelar a data da primeira utilização mágica do pingente em um ritual, as gravações também relatam a linha ancestral do monarca e indicam o caso de uma seca e desespero dos maia. Segundo ele, o pingente não era um ornamento. "Ele tinha um imenso poder e magia para os maias."
Para o arqueólogo, a joia pode ter sido enterrada como oferenda ao deus do vento. As primeiras cidades maias foram construídas no primeiro milênio antes de Cristo, e a civilização chegou a seu apogeu por volta de 600 d.C.. O império maia começou a entrar em colapso por volta de 800 d.C.. Já a Cultura Marajoara teria entrado em declínio com a invasão dos Aruã, através das Guianas, cerca de 1300. Em 1500 o navegador espanhol Vicente Pinzón, piloto de Colombo; foi o primeiro europeu a abordar a ilha do Marajó capturando ali os primeiros 36 "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul. Quando os conquistadores espanhóis zarparam para a América Central, em 1517, seu objetivo era derrotar a civilização maia, que dominava a região. Mas, quando chegaram, já não havia mais o poder político e econômico que tinha erguido pirâmides e sustentado uma população que chegou a 2 milhões de pessoas.
"Uma teoria recente é que a mudança climática gerou seca que, por sua vez, levou ao fracasso da agricultura e, consequentemente, ao começo do fim da civilização maia", diz Braswell. Para ele, a decisão de prestar uma oferenda a Ik, o deus do vento; na tumba sagrada para trazer chuva suporta esta teoria. "E deveria servir de alerta para nós hoje em dia sobre os riscos da mudança climática", completa. 





Resultado de imagem para ceramica marajoara no museu nacional



Iconografia Marajoara: Uma abordagem estructural
Denise Pahl Schaan.
PhD degree student at the University of Pittsburgh.Correo electrónicodpsst27@pitt.edu

ResumenEste artículo propone una metodología estructuralista para el estudio del arte arqueológico, a partir de un caso específico: La cerámica policroma de la Fase Marajoara de la Isla Marajó, en la boca del río Amazonas, Brasil. La autora sustenta que los diseños formados por la pintura, incisiones y excisiones en la cerámica son un código visual e iconográfico que hacen parte de un sistema lingüistico, que puede ser estudiado por métodos lingüisticos.
Nota del editor: Aunque éste artículo no especifica su contribución al estudio del arte rupestre de la región, hemos considerado pertinente su publicación en Rupestreweb dadas sus potenciales aplicaciones metodológicas para el estudio iconográfico comparado entre el arte rupestre y los diversos vestigios arqueológicos de un área determinada.


.......O reconhecimento da estrutura no objeto (na arte) nos traz emoção estética................. (Lévi Strauss, in Chabornnier, 1989:110)

Desde o século passado, boa parte dos pesquisadores que descreveram a cultura Marajoara aventuraram -se, vez ou outra, a embrenhar- se no terreno espinhoso dos estudos iconográficos (Netto, 1885; Torres, 1940; Bardi, 1980; Roosevelt, 1991). A fragilidade anaítica da maior parte dessa literatura provém menos de uma visão ingênua da arte arqueológica do que da falta de embasamento teórico-metodológico adequado, direcionado especificamente a seu objeto de estudo. Os métodos de análise formal, extremamente adequados para identificar estilos a fim de estabelecer comparações e elaborar tipologias (usados por Palmatary, 1949; Meggers e Evans, 1957), são totalmente ineficazes no estudo da semântica das representações. A identificação de formas mais naturalistas, antropomorfas e zoomorfas, por sua vez, proliferou-se de forma quase inconseqüente (Roosevelt, 1991), enquanto que a apreciação dos grafismos geometrizantes não mereceu a atenção devida. Explorando a bibliografia existente, não encontramos nenhum trabalho que partisse de uma amostra consistente de cerâmica Marajoara e que analisasse os motivos decorativos de forma total e integrada.
Area de influência da cultura Marajoara. Fuente: SCHAAN, Denise Pahl en Arte da terra, resgate da cultura material e iconográfica do Pará.Belém. Edicao SEBRAO,1999.

A analogia etnográfica continua sendo usada ampla e indevidamente para sugerir significados para a arte arqueológica. Felizmente, talvez por influência do posicionamento de etnólogos no estudo da arte étnica, nos últimos anos diversos arqueólogos têm afirmado o caráter puramente ilustrativo do método comparativo nos estudos iconográficos (Chollot-Varagnac, 1980; Prous, 1992). Não é contraditório afirmar, todavia, que o estudo do caráter e do sentido que assumem as manifestações artísticas nas sociedades indígenas contemporâneas é extremamente valioso para a compreensão da arte pré-histórica. As pesquisas antropológicas têm demonstrado, sem exceç‹o, que a arte nas sociedades iletradas é um poderoso veículo de comunicação sobre valores sociais, morais e étnicos, constituindo-se em um código socialmente aceito e compreendido. A decoração dos objetos, estando totalmente integrada à sua finalidade social, veicula a mitologia e cosmologia do grupo, com o objetivo não só de registrar, mas de divulgar e perpetuar a cultura (Illius, 1988; Costa, 1987; Costa e Beltrão, 1974; Dorta, 1987 e 1981; Müller, 1990, 1992; Ribeiro, 1987, 1992; Seeger, 1987; Lopes da Silva, 1994, Lopes da Silva e Farias, 1992, Velthem, 1992, 1994; Vidal e Lopes da Silva, 1995) . A arte funciona então como um código inerente à cultura e reside aí a necessidade de estudá-la a partir de suas propriedades intrínsecas. Sendo assim, os estudos etnográficos nos fornecem a base teórica que nos permite estudar o grafismo indígena enquanto um sistema lingü’stico visual que possui organização e coerência.
Partindo do pressuposto de que na origem da arte se encontra uma preocupação em veicular conceitos cosmológicos relacionados a um repertório mítico particular, temos que admitir que a expressão gráfica se apresenta organizada de forma semelhante ao pensamento que a gerou. Lévi-Strauss reiteradas vezes demonstrou que a história m’tica não assume uma forma linear, e é apenas aparentemente desprovida de lógica. A identificação dos mitemas, unidades significativas e condutoras da narrativa, possibilitou que se compreendesse o caráter universal e lógico dos mitos. A transmutação visual do mito, quando acontece, na arte, busca representar essas estruturas e reforçar a história oral. Ainda que nem todas as representações, tendo em vista a variedade dos suportes, tenham um referencial mitológico, uma vez que podem ser apenas indicativos de genealogias e posições sociais, não há motivo para se supor que se organizem de forma diferente, uma vez que veiculam conceitos gerados por um mesmo processo mental. Nesse contexto, a arte se constitui em um código visual que revela uma estrutura epistemológica global.
Nossa preocupação, ao estudar a arte Marajoara foi a de, inicialmente, eleger uma amostra que deveria ser minuciosamente analisada e da qual obteríamos a maior quantidade de informações possível. Não só essa amostra deveria ser analisada ao vivo, para observar texturas e sutilezas dos desenhos e relevos - o que de saída descartou as peças fotografadas ou desenhadas reproduzidas em outras obras - como deveria conter um número de objetos reduzido, porém suficiente. Todas essas condições, somadas à proximidade geográfica, nos levaram á Coleção Tom Wildi, sugerida por nosso orientador, prof. Dr.Jose Brochado e gentilmente posta à nossa disposição pela professora Teresa Fossari, então diretora do Museu Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalhamos com 208 utensílios de cerâmica da Fase Marajoara, entre peças inteiras e fragmentos, provenientes de coleta superficial e desenterramentos realizados pelo colecionador em pelo menos seis sítios: Guajará, Laranjeiras, Gentil, Macacão, Matinada e Pacoval do Arari. Apesar de ser um material descontextualizado, é bem representativo do elenco de técnicas e motivos decorativos empregados na arte Marajoara. Como um dos objetivos de nossa pesquisa era o de demonstrar as potencialidades do estudo de coleções museolõgicas, e por uma questão metodológica, em nenhum momento do trabalho nos reportamos a qualquer outra peça cerâmica que não fizesse parte da coleção, ainda que isso viesse a corroborar nossas assertivas. Procuraremos demonstrar aqui, nosso método de trabalho e os resultados obtidos.
Inicialmente desenhamos os perfis das vasilhas e tomamos nota, em uma matriz de dados, das características dos objetos segundo uma lista de atributos exaustiva. As vasilhas e objetos que demonstraram uma decoração de tamanho significativo foram desenhados inteiramente, respeitando suas proporções originais. O processo de análise das representações se deu em momento posterior, com base nos desenhos, que possibilitaram uma visão de conjunto. Primeiramente buscamos identificar na fauna de Marajó, que não seria na atualidade significativamente distinta da que havia durante a Fase Marajoara (conforme Marcos di Bernardo, comunicação pessoal, 1996), quais seriam as espécies animais representadas na cerâmica. Essa busca revelou-se frutífera. Os zoomorfos representados tem seu similar real e em grande quantidade, na zona arqueológica. Uma das representações da serpente pôde ser definida como sendo a de uma Bothrops marajoensis ou B. atrox, conhecida popularmente por "jararaca" e que possui uma característica singular: a cabeça em forma de ponta-de-lança (Hoge, 1966, Avila-Pires, 1990). Num vaso desenhado por Tom Wildi (fig.a) ela é plenamente reconhecível, e em um fragmento de prato (fig. b) vemos como ela foi representada de forma estilizada.
Fig.a.
Fig.b

O hachurado interno que aparece nas duas figuras pode ser a representação do lado ventral da serpente, conforme nos sugeriu o biólogo Marcos di Bernardo. Quase todas as espécies de serpentes possuem esse "desenho" formado pela sucess‹o de escamas, geralmente de cor clara. Outra representação de serpente que aparece na coleção, de forma mais naturalista, tem a cabeça formada por três semi-esferas - o que também sugere o formato de ponta-de-lança - e o corpo coberto por signos que se repetem. Constatamos que o movimento que fazem os corpos das serpentes na urna funerária que apresentamos a seguir (fig. c), aparece de forma "estilizada" em um fragmento de tigela (fig.d), cercado por triângulos. Se há dúvida quanto ao fato das linhas sinuosas representarem as serpentes, o desenho do vaso seguinte (fig. e) mostra nitidamente a relação entre a serpente e os triãngulos.
Fig.c
Fig.d
Fig.d

Os dois exemplos acima demonstram o que se constitui a base de nosso trabalho, que é o de buscar semelhanças estruturais entre as representações, concebendo a estrutura como
"um modelo construído segundo certas operações simplificadoras que me permitem uniformar fenômenos diferentes com base num único ponto de vista" (Umberto Eco, 1976:36).
Se metodologicamente trabalhamos com a noção de simplificação, que nos remete, nas comparações entre zoomorfos e grafismos, a um sentido de estilização, isso não quer dizer que entendamos serem as representações "naturalistas" anteriores aos grafismos numa linha diacrônica. Ainda que não seja pelo fato de o material não ser datado arqueologicamente - o que dificultaria qualquer afirmação nesse sentido - entendemos que o grafismo pode representar o objeto real por sua estrutura e não por sua forma, o que depende exclusivamente de uma convenção entre os "interlocutores" nessa forma de comunicação visual. Segundo Leroi-Gourhan (1985), a arte do Paleolítico Superior surgiu representando graficamente ritmos, idéias e não formas naturalistas, as quais se desenvolveram posteriormente.
O exemplo acima (fig. d), mostra que há uma representação icônica das serpentes, uma vez que ela se liga ao seu referente por traços definidores de sua forma básica, que, nesse caso, se confunde com sua própria estrutura. A identificação dessa iconicidade se deu em função de um contexto, fora do qual a figura seria identificada apenas como "linhas sinuosas que se entrelaçam". Através de processos semelhantes, identificamos, então, diversos signos icônicos a partir da comparação entre representações "naturalistas" e grafismos. Isso não se deu, é claro, sem uma base teórica consistente, que creditamos principalmente ao trabalho de Nancy Munn (1962, 1966, 1973), entre os Walbiri, na Australia. Essa pesquisadora, cujas idéias têm influenciado diversos antropólogos que hoje se dedicam ao estudo da arte indígena no Brasil (Ribeiro, 1987a, 1987b; Langdon, 1992; Müller, 1992; Vidal e Lopes da Silva, 1992, entre outros), identificou nos desenhos guruwari, feitos pelos Walbiri em areia e pedra, a existência de uma linguagem visual icônica amplamente utilizada pela sociedade e ligada ˆ história de seus antepassados míticos. Seus grafismos, totalmente ininteligíveis para qualquer observador não-culturalmente inserido, serviam como apoio à narrativa que, através deles, ganhava força visual. A partir de um número determinado de signos gráficos icónicos, assim definidos por sua relaçõo estrutural com seus referentes, eles construíam desenhos de diferente complexidade e conteúdo semântico. Como cada signo desses, ou unidade mínima de significação, podia ter um ou mais referentes, o que determinava o seu significado era a posição que ocupava no conjunto e a relaçõo que possuía com as demais unidades.
Rex González (1974:13), estudando a arte arqueológica do noroeste argentino, já tinha percebido
"atributos que se recomponem creando nuevas imágenes cuya recurrencia nos habla a las claras de la existencia de un verdadero mensaje, en el que los elementos esenciales tendrían - por analogía - el carácter de verdaderos fonemas de las frases figuradas, que pueden variar, a menudo, en sus aspectos formales o estilísticos, pero entre las que se mantienen sus relaciones, de manera que será posible poder determinar la constancia o las diferencias de estructura que dan coherencia al todo".
O autor supunha, ainda, que seria possível descobrir-se uma gramática que regesse as relações formais que se estabelecem entre esses elementos essenciais. Não é de nosso conhecimento, entretanto, que tenha sido dada continuidade a essa pesquisa.
Percorrendo caminhos semelhantes, percebemos a existência, na arte Marajoara, de estruturas mínimas que poderiam estar ligadas, não apenas a uma representação zoomorfa total, mas também à parte dela. Rex González (op. cit) identifica, no trabalho acima citado, a existência de figuras naturalistas que se decompõem em elementos essenciais, como garras e olhos. A representação do escorpião na urna funerária de tipo Pacoval Inciso, de resto já reconhecida anteriormente, está estreitamente ligada a qualquer representação de olhos na arte Marajoara. Isso pode ser constatado pelo desmembramento que ela sofre em inúmeros desenhos, onde essa idéia, que tem sua origem na figura do escorpião, chega ao ponto de ser veiculada apenas por dois tracinhos paralelos, uma unidade mínima que veicula uma concepção essencial do referente. Convencionamos chamar essas unidades básicas de unidades m’nimas significantes (como outros autores já o fizeram - Munn, op. cit; Ribeiro, 1987b; Müller, 1992) - o que implica reconhecer que elas contêm um significado, ainda que não o conheçamos. As figuras abaixo mostram a representação do escorpião assim como aparece na urna mencionada e permitem compará-la a um escorpião verdadeiro e mostrar como a mesma foi representada de forma icõnica.
Fig.e.Eescorpion O escorpião na natureza O escorpião na urna A estrutura identificada As unidades mínimas significantes

Fig.f.Exemplos de localização das unidades em diversos utensílios da Coleção Tom Wildi.

A hipótese de que partes do objeto representado continuem a conter a mesma força significativa apóia-se também nas constatações de Regina Polo Müller (1990, 1992) sobre os motivos decorativos dos Asurini do Xingu, nos quais foram também identificadas unidades mínimas de significado. Pelos relatos dos ’ndios, o boneco Tayngava (imagem humana) podia ser representado apenas por uma parte de seu corpo e, seja qual fosse ela, era prontamente reconhecido como Tayngava pela comunidade. Entendemos que determinados conceitos na arte Marajoara possam tambem ser representados igualmente por duas unidades ligeiramente diferentes, o que percebemos pela posicao semelhante que ocupam nos desenhos, relativamente ao conjunto. Sobre os desenhos dos trançados Kayabi, Berta Ribeiro (1987b) considera que as variações de forma que assumem alguns signos podem ser variações vocabulárias ou semânticas.
A representação do lagarto, ou jacaré, muito freqüente em grandes vasos excisos, também foi relacionada a uma unidade mínima significante, um “tridente”, que aparece em quase todos os desenhos, muitas vezes ocupando uma posição central e relacionado ˆ cabeça:
Fig.g.A representação naturalista A representação estilizada A estrutura A unidade

Fig.4.Exemplos de localizaçõo da unidade em diversos utensilios na Coleção Tom Wildi.

Enfim, tomando como base os signos gráficos icônicos identificados a partir da comparação estrutural com referentes naturalistas, e comparando os diversos desenhos entre si, isolamos 52 unidades mínimas significantes no grafismo Marajoara. Em nenhum momento do trabalho atribuimos significado às unidades. O fato de relacioná-las com animais apenas possibilitou sua identificação e mostra sua ligação com um conceito de alguma forma compreendido a partir desse referente. Como esse estudo restringiu-se à Coleção Tom Wildi, essas unidades se constituem em uma hipótese de trabalho, que deverá ser testada num universo maior, quando certamente sofrerá modificações.
Seguindo uma linha teórico-metodológica estruturalista e apoiados nos bons resultados obtidos por Munn, Ribeiro, Velthem e Müller (op. cit.), pretendemos dar continuidade a essa pesquisa, abarcando uma quantidade bem maior de objetos. Ao definirmos o grafismo Marajoara como uma linguagem visual icônica (Schaan, 1996, 1997), não consideramos que esse "código" seja um tipo de escrita gráfica, uma vez que, por sua disposição circular e contínua, é dificil acreditar que pudesse ser "lido" de maneira fonética. Mesmo assim, admitimos que essa forma de linguagem possui uma gramática gerativa e estrutural que pode ser estudada e compreendida.

¿Preguntas, comentarios? escriba arupestreweb@yahoogroups.com
Cómo citar este artículoSCHAAN, Denise Pahl. Iconografia Marajoara: Uma abordagem estructural. En Rupestre/web, http://members.tripod.com.co/rupestreweb/schaan.html
2001



BOCA DE SERTÃO, PARIS N'AMÉRICA.



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A fundação da cidade de Belém do Pará, em 12 de janeiro de 1616, foi parte de um processo político europeizante no Trópico Úmido ameríndio iniciado no contexto do comércio europeu com as distantes Índias. Logo, árabes e judeus entraram em concorrência para controlar os fluxo de mercadorias transportadas por caravanas sobre camelos... O camelo, então, foi chamado de "navio do deserto". 

O conflito econômico e geopolítico entre árabes e judeus no velho mundo expressou-se inclusive em termos ideológicos e religiosos: enquanto o Corão se espalhava no Oriente, a Torá chegava forte junto aos cristãos, no Ocidente, oras em conflito e oras em cooperação. Com exemplo geral nas Cruzadas e nos descobrimentos marítimos a fim de achar rota alternativa ao comércio de especiarias com as Índias. 

Foi, portanto, a aliança judeu-cristã, sobretudo focada em Portugal devido a posição geográfica deste em relação ao Atlântico Sul, que possibilitou o notável desenvolvimento náutico da época. Enquanto, a Espanha lutava ainda contra os árabes na Península Ibérica para os expulsar... Esta longa guerra carecia além de homens e armas, também de recursos financeiros em larga escala. Foi assim que ao terminar a Reconquista a velha Hispânia apesar de unificada a partir do reino cristão das Astúrias, havia perdido o condado Portucalense e estava endividado face a banqueiros germânicos e judeus. 

Coincidiu no ano de 1492 o fim da guerra de Reconquista contra os Mouros islâmicos e o descobrimento da América pelo aventureiro Cristóvão Colombo, dado como italiano, dele se diz ultimamente que era cristão-novo (judeu convertido ao cristianismo), português nascido na vila de Cuba e batizado como Salvador Fernandes Zarco, espião do rei de Portugal infiltrado na corte dos Reis Católicos. É fato que os reis espanhóis não recompensaram jamais os trabalhos de Colombo pela descoberta das Índias Ocidentais, que ficou sendo América em homenagem ao italiano Américo Vespúcio, navegador a serviço de Portugal e Espanha... 

Mas, o descobrimento de Colombo levou as duas monarquias cristãs da Ibéria ao pé da guerra. Para evitá-la negociaram o tratado de Tordesilhas de 1494, pelo qual Espanha ficaria com as terras descoberta para ocidente e Portugal senhor das terras "achadas ou por achar" ao oriente de uma linha traçada de polo a polo a partir de um meridiano a 370 léguas de Cabo Verde... Neste arranjo cartográfico esteve o cristão-novo Duarte Pacheco Pereira, cosmógrafo oficial do rei de Portugal. 

O dito veio ao Pará em 1498 em viagem secreta a fim de certificar os contérminos ultramarinos entre as duas monarquias ibéricas, de modo que Portugal pudesse sem receios revelar o descobrimento do Brasil, feito em 1500 pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral a caminho da Índia, segundo o livro Esmeraldo de situ orbis, manuscrito de autoria do cosmógrafo português Duarte Pacheco Pereira. Dedicado ao rei D. Manuel I de Portugal, a obra foi montada em cinco partes, com um total de duzentas páginas, em 1506. 

O tratado de Tordesilhas foi homologado pelo papa Alexandre VI (o aragonês Rodrigo Bórgia, apoiado pelos Reis Católicos) e teve viva oposição do rei da França, François I, que o chamou de "testamento de Adão" e estimulou corsários a atacar colônias dos reis ibéricos, seus primos consanguíneos. A França colonial, então, se fez aos mares do tal testamento. A Inglaterra não se fez de rogada entrando na jogada em parceria com piratas do Caribe... Com a morte precoce do estovado rei português Dom Sebastião, no Marrocos, fanatizado por preceptores jesuíticos; surge a União Ibérica (1580-1640) e a lenda do Encoberto, mais a utopia do Quinto Império do Mundo ou Reino de Jesus Cristo Consumado na Terra, com padre grande dos índios, Antônio Vieira, destacado missionário na Amazônia... Então, a Holanda protestante e meio judaica, adversa visceral à monarquia hispânica por causa da expulsão dos judeus; passa imediatamente a ocupar colônias de Portugal que, apesar de tudo, mantinha negócios com os batavos. 

É conhecida a ambiguidade portuguesa no período colonial, de modo que debaixo do domínio de Castela aquele negócio se encerra, notadamente sobre o açúcar produzido a braço escravo africano em Pernambuco e transportado e distribuído por mercadores holandeses e flamengos. Foi no quadro da União Ibérica sob pressão da França, Holanda e Inglaterra que ocorreu de fato a invenção da Amazônia portuguesa (Estado-colônia do Maranhão, de 1621 a 1654; depois Maranhão e Grão-Pará, de 1654 a 1751, Estado do Grão-Pará e Maranhão entre 1751 e 1772, dividido em províncias do Maranhão e Pará até a adesão à Independência do Brasil, em 1823).

Segundo Tordesilhas, a porção amazônica que caberia a Portugal estava definida por uma linha imaginária, de Norte a Sul, que ainda iria passar sobre as futuras cidades de Belém do Grão Pará e Laguna, em Santa Catarina. Para o leste até África e parte da Ásia tudo seria posse de Portugal. Do Grão-Pará, desde a baía do Marajó para oeste, tudo seria do império "onde o sol nunca se punha" (Espanha). 

Porém, os cortesões de Tordesilhas não contavam com a bravura dos caraíbas da nação Tupinambá, que já deixara aviso da vindoura Revolução, através de embaixadores da França Antártica na corte de Henri IV; de que Michel de Montaigne deixou notícia e fama do "bon sauvage" que Jean-Jacques Rousseau proclamou. Na história natural e no sincretismo cultural da humanidade, tudo está interligado... Quando o corsário francês Charles des Vaux aportou a primeira vez na ilha de Upaon-Açu (São Luís do Maranhão) ele não poderia adivinhar que a boa hospitalidade oferecida pelos tupinambás ocultava a poderosa utopia selvagem da Yvy marãey (Terra sem Mal): o mito havia conduzido os guerreiros desde os contérminos do Paraguai e Bolívia, através do Peabiru para o nascente até o litoral. Na Paraíba ("mar ruim") os pajés-açus chamados caraíbas, perceberam que o espírito guia Jurupari lhes tinha conduzido até ali em direção ao lugar onde Guaraci, a 'mãe dos viventes' (estrela Sol) se levanta todos os dias no horizonte da manhã... Porém, o grande Mar-Oceano lhes dizia o caminho da Terra sem Mal não é por aqui, mas rumo ao sagrado Araquiçaua (lugar onde o sol ata a rede para dormir)... Então, há filosofia e poesia no caminho da invenção do Brasil na saga dos Tupinambás. Isto os brasileiros precisam saber a fim de libertarem-se do fado colonial.  O gaulês Charles des Vaux, sem querer, acabou sendo agente do rei François I para detonar o famoso "testamento de Adão" contribuindo com destaque na fundação de São Luís do Maranhão (1612) e Santa Maria de Belém do Grão-Pará (1616), em aliança indispensável com o Bom Selvagem. Sem a brava nação Tupinambá não existiria jamais uma Amazônia portuguesa, logo brasileira.












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