domingo, 23 de dezembro de 2018

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR ELEITO: em nome da Criaturada grande de Dalcídio.

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Belém do Pará, 23 de dezembro de 2013. 

Excelentíssimo SenhoHelder Zahluth Barbalho:



BOAS FESTAS E FELIZ ANO NOVO. 


Como o senhor está a par do noticiário da imprensa, O Nosso Museu do Marajó em Cachoeira do Arari fechou as portas por falta de manutenção, risco de incêndio e desabamento devido a várias infiltrações de chuva, segundo laudo técnico dos Bombeiros acionados pelo Ministério Público Estadual (MPE) em acordo com a Diretoria do referido Museu. A comunidade teme que eventual demora de recursos resulte ainda em maior prejuízo para o turismo cultural do município e microrregião Arari, numa hora em que emprego e renda local fazem a diferença.

De longa data, acompanho as atividades do MdM como amigo de Giovanni Gallo desde fins de 1994 e voluntário a partir de 2003, após o falecimento do fundador. Ademais, sou nativo de Ponta de Pedras (Ilha do Marajó) e sobrinho por parte paterna do escritor de "Chove nos campos de Cachoeira", aos 81 anos de idade me sinto na obrigação de colaborar em tudo que seja possível para o bem viver da gente marajoara.

Em 1983, o prédio do MdM se encontrava em ruína abandonado pela empresa Oleaginosas de Cachoeira do Arari (OLEICA), com dívida de financiamento junto ao Banco da Amazônia, quando foi adaptado para servir de sede ao museu transferido de Santa Cruz do Arari, numa operação assistida pelo governo estadual durante gestão de Jader Barbalho que possibilitou venda das instalações do MdM em Santa Cruz do Arari e resgate da dívida da OLEICA. Na prática, uma permuta avalizada pelo governo do Estado: dizendo isto como precedente para a intervenção necessária. O museu instalado em Cachoeira do Arari no mesmo ano do Sesquicentenário da cidade (1983) foi reinaugurado em 1984. 

A possível parceria estratégica que poderia ter sido feita em 1983 - Comunidade-Museu - Município - Estado -, deixou de ser formalizada mediante protocolo. Oxalá agora, sob seu governo venha a acontecer para o bem não apenas de Cachoeira, mas também de todos municípios integrados na Associação dos Municípios do Marajó (AMAM) através de rede de extensão de ecomuseus e museus comunitários da mesorregião Marajó.

Em 34 anos, as instalações do MdM em Cachoeira do Arari tiveram apenas ligeiro conserto de estrutura do telhado, cerca de 2010. Ocasião quando irrompeu grave desacordo interno levado à lide judiciária, que acabou pelo afastando da antiga diretoria e rompimento de amizade com importantes colaboradores ligados ao Museu Goeldi, inclusive que vinha dando ajuda indispensável. Decorridos oito anos daquele infausto acontecimento, finalmente foi eleita diretoria de consenso e pacificados os associado. Porém, já o tempo pediu providências urgentes para evitar a ruína do museu que o padre Gallo inventou às margens do lago Arari, em 1973. 

Por certo, inúmeros amigos e amigas do Museu do Marajó estão pedindo sua atenção para o drama deste nosso museu comunitário, o mais significativo da cultura marajoara na grande ilha. Portanto não quero roubar vosso precioso tempo para chover no molhado, mas sim solicitar um olhar especial pela gente que foi o motivo principal de criação do museu. 

Tenho certeza de que já estarão anotadas providências imediatas para fazer os reparos necessários a fim do museu voltar a atender o público no importante município do Polo Turístico Marajó. Entretanto, com sua cordial benevolência ousarei falar em nome da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir - que são as populações tradicionais das Ilhas, Baixo Amazonas, Marajó e Belém retratadas na série literária Extremo-Norte, que deu o Prêmio Machado de Assis (1972), da Academia Brasileira de Letras (ABL), ao autor paraense até hoje único romancista da Amazônia destacado pela dita premiação.

É claro que se vivos fossem Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 1909 - Rio de Janeiro, 1979) e Giovanni Gallo (Turim, 1927 - Belém, 2003) este caboco que vos fala não precisaria sair de seu canto de subúrbio para manifestar os cuidados de mais de 200 mil marajoaras que ainda não sabem ler nem escrever. Um museu para analfabetos? Pois foi esse museu alfabetizador, sim, que o padre dos pescadores fez! Como nós não sabemos!





Para estes analfabetos de pai e mãe e para outros também mal sabendo rabiscar e soletrar, o padre Giovanni Gallo inventou um criativo método de "ver com a ponta dos dedos". É uma maneira expedita de fazer "cegos" enxergar aquilo mesmo que eles estão cegos de tanto ver, como diria o padre Antônio Vieira em seu "Sermão aos Peixes" (1654), em São Luís do Maranhão, quase fugindo dos colonos iracundos do Grão-Pará para ir pedir ao rei de Portugal a lei de abolição dos cativeiros dos índios (1655). 

Não carece repetir que a tal lei real nunca foi deveras aplicada e que ainda hoje perdura o trabalho escravo em nossas regiões periféricas, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Embora tenha sido historicamente com base na lei de abolição dos cativeiros que o 'padre grande dos índios' alcançou a paz com os rebeldes Nheengaíbas (Marajoaras), em Mapuá (Breves), no dia 27 de agosto de 1659. Deste acordo de paz, escreveu o padre ao rei dom Afonso VI, ficou o Pará seguro da cobiça estrangeira (carta de 29/11/1659 - publicada em 11/02/1660). 

Em suma, Senhor Governador, para esta gente à margem da História o museu em apreço é uma tábua de salvação. O Estado deve colocar aí sua mão, mas conservar o caráter comunitário dele. Convidar oficialmente a Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários (ABREMC) a participar do mutirão será um atalho para chegar ao IBRAM. Por arremate, o Senhor Governador poderá examinar junto à SECULT possibilidade de remanejar projeto de reconstrução da casa do escritor Dalcídio Jurandir em Cachoeira do Arari, que se acha arquivado, para o edificar em espaço turístico e cultural anexo ao Museu do Marajó.

São estas preocupações que me trazem à presença de Vossa Excelência às vésperas de natal, pelas quais ficaremos eternamente gratos se poderem ser levadas em consideração em nome da Criaturada grande de Dalcídio, 

Saudações marajoaras!
José Varella Pereira.   


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ARCO DO SESQUICENTENÁRIO DE CACHOEIRA DO ARARI,
ANO DA MUDANÇA DE SEDE DO MUSEU DO MARAJÓ.
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