segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O RELÓGIO DA MATRIZ CONTA O TEMPO DA MEMÓRIA


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Prezados conterras Amarildo, Sércio e Rony.

Muito obrigado a vocês três pelo emocionante momento de rememoração que me proporcionaram nesse vídeo, extraordinário, sobre as entranhas do relógio da Matriz. Como diria Dalcídio, o conterra Sércio Catumbi contando nossa história estremece minhas raízes marajoaras... 

Que coisa mais bonita a iniciativa do Café Cultural na Rádio FM Itaguari sob direção de Rony Noronha, filho do meu contemporâneo Osvaldo Noronha. Cada detalhe nos remete a um mundo. O nome do Cássio Amanajás mexe com meus brios de romancista frustrado. Ele é um personagem à procura de autor... O professor Pardal que agora a curiosidade de Amarildo encarna. Não é? Desde menino eu escutava a batida das horas na casa de minha avó e, na pracinha, sentado confronte a igreja contemplava o relógio como um mistério. Como era que as horas do dia e da noite se acertavam com aqueles ponteiros mágicos? Amanajás sabia o segredo.

Meu pai contava uma história divertida de como o relógio teria sido transportado do Engenho Campininha até Itaguari numa canoa montaria pequena, na qual um dos dois remadores teve que desembarcar para o relógio não ir ao fundo. Dizia que o administrador da Campininha procrastinava a entrega do relógio doado. Oras inventava uma coisa, depois outra para não se separar daquela joia mecânica que anunciava as horas na solidão do rio e da campina. Daquela vez, os dois portadores da ordem para entrega do relógio esbarraram ainda na má vontade do feitor, que vendo a canoa pequena reclamou do risco daquela preciosidade ir para o fundo. Cadê a responsabilidade dele administrador em entregar aquela maravilha, assim? Por isto não, disse o portador principal, eu embarco com o relógio e levo sozinho. Meu companheiro fica para ir depois... Verdade ou não por essas águas da memória o folclore vai de bubuia... 

A história do Bernardes fala da doação do relógio que o doutor Raul Vespasiano de Matos fez. Não diz como ele foi desmontado no engenho e montado de novo na igrejinha de Nossa Senhora da Conceição... Detalhe importante do vídeo é a data de fabricação na França, 1889, um ano após a Abolição (1888): indica talvez que o relógio estava encomendado e foi entregue em Belém e montado no Engenho Campininha depois da Lei Áurea. O que quer dizer que o trabalho do canavial não acabou do dia para noite com o fim legal da escravidão, passando paulatinamente a ser substituído por trabalho assalariado com rendimentos decrescentes do engenho até ficar de fogo morto. 

As memórias do Bernardes (Bernardino Ferreira dos Santos Filho, Nas margens do Marajó-Açu) são preciosas para preservação do patrimônio histórico da nossa Ponta de Pedras. Ele explica que o relógio da Matriz passou por pagamento de dívida de serviço jurídico à propriedade do doutor Raul Vespasiano, que o doou à Igreja. Bernardes precisa de sucessores da memória pontapedrense, como os zeladores do relógio da Matriz tiveram João Ramos, Amanajás, Chiquito, Amarildo... Aliás é interessante lembrar, com base no livro do Bernardes, que a igreja de Nossa Senhora da Conceição teve como zelador durante muito tempo, Manuel Ramos, que vem a ser tio materno de Dalcídio José Ramos Pereira, mais conhecido como Dalcídio Jurandir. O romance Marajó retrata um personagem com a cara do tio carola do autor.

Mas eu gostaria de contribuir à preservação do nosso patrimônio de uma outra maneira. Dando "corda" ao relógio da memória das gerações mediante incentivo para formação de um grupo de voluntários da boa vontade, tais como já estão fazendo o Rony Noronha, Sércio Pereira e outros; com a finalidade de assumir o conceito de ECOMUSEU que, desde os anos 70, vem inovando comunidades educadoras no mundo inteiro. Bela coincidência, o grande inovador dos museus comunitários a céu aberto, Hugues de Varine, incentivador do Ecomuseu da Amazônia, é francês como o nosso inesquecível relógio da Matriz.

Eu já me acho engajado como colaborador do ECOMUSEU DA AMAZÔNIA, vinculado à Escola-Bosque na ilha de Caratateua. A coordenadora daquele ecomuseu, a doutora Maria Terezinha Resende Martins, pelo Facebook reagiu à possibilidade de orientar processo de criação de um ecomuseu em Ponta de Pedras. Digo-lhes que a coisa é como o "ovo de Colombo". Só precisa fazer o que vocês já estão fazendo muito bem. Porém carece formatar a ideia.

Vamos?


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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CACHOEIRA DO ARARI: FESTIVIDADE DE SÃO SEBASTIÃO

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ícone de São Sebastião - Irmandade do Glorioso São Sebastião (Cachoeira do Arari - PA).



Santo de igreja e terreiro no catolicismo mestiço brasileiro, São Sebastião é venerado pelos milagres e ao mesmo tempo temido pelos castigos a ele atribuídos. A tradição de santo vingativo veio da Europa, pouco a pouco aculturada no Brasil sertanejo, certamente, pelo costume adquirido da bárbara religião dos tupinambás. Padroeiro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o culto popular de santo milagroso fundiu-se à legenda do rei guerreiro Dom Sebastião.

A figura canônica do santo mártir acabou assimilada ao amálgama de religiosidades do complexo cultural do Sebastianismo português no além mar. Notadamente, na segunda colônia que Portugal houve - o Maranhão e Grão-Pará - na América do Sul, sincretizado pelo cúlto dos vóduns em casas de Mina. Nesta linha ancestral transoceânica, chegamos à tradição dos turcos encantados e à encantaria em torno da figura do Rei Sabá, em São João de Pirabas, entre populações tradicionais da pesca artesanal costeira.

As ilhas do Marajó, portanto, entre as regiões amazônicas se tornaram das mais representativas áreas culturais 'sebastianas', com 14 cidades dentre 16 rendendo culto à imagem do santo mártir, destaque para folia e festividade de Cachoeira do Arari registrada pelo IPHAN.


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Festividades do Glorioso São Sebastião no Marajó
Júlia Morim
Consultora Fundaj/Unesco

Anualmente, de 10 a 20 de janeiro, a Ilha do Marajó se envolve com as festividades em honra ao Glorioso São Sebastião, uma das mais importantes manifestações do arquipélago. Mas antes, no mês de julho do ano anterior, tem início a peregrinação dos foliões, que percorrem casas e instituições na ilha e em outros municípios do estado levando a imagem do santo, cantando folias e rezando ladainhas a fim de arrecadar doações para a festa. Essa andança, chamada de “esmolação”, pode durar de uma semana a seis meses.
No dia 10 de janeiro, a festa oficialmente tem início com a “alvorada”, às 5 horas da manhã. Uma missa de abertura é celebrada e o mastro é levantado. As comemorações se estendem de uma semana a dez dias, a depender da localidade. A praça principal da cidade, onde geralmente ocorre a festa, vira um arraial com barracas e com um barracão para dança. É comum acontecer ladainhas à noite. Integram o ciclo de festividade as procissões.  Marca o final da festa a derrubada do mastro, a procissão principal, a missa solene e a festa dançante, que se estende até o amanhecer. Movimentando a economia local e atraindo muitos visitantes, a festividade não é igual em todos os municípios, havendo variações nos calendários e nos responsáveis pelas atividades durante o evento.

A devoção a São Sebastião foi trazida para o Marajó por missionários e colonizadores portugueses. Para os marajoaras, o santo é tido como padroeiro dos vaqueiros, seringueiros, pescadores e agricultores. Enfim, é protetor dos trabalhadores da região, cujas atividades estão relacionadas às fazendas, ao cultivo da terra, à pesca e ao extrativismo. 

Em 2007, o Museu do Marajó com apoio da Irmandade do Glorioso São Sebastião de Cachoeira do Arari solicitou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que as festividades fossem reconhecidas como patrimônio nacional. A partir de então uma pesquisa realizada no arquipélago demonstrou que a festividade ocorre em catorze dos dezesseis municípios do Marajó, sendo a de Cachoeira do Arari a mais antiga. A pesquisa também apontou que

 a devoção a São Sebastião na região do Marajó é fundamental para a construção e afirmação da identidade cultural marajoara. Representa a diversidade e a singularidade da região, na forma como se estrutura e se desenvolve, com elementos próprios. Ao mesmo tempo, possui relevância nacional, na medida em que traz elementos essenciais para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira (IPHAN, 2013).

Assim, em 2013, as festividades foram inscritas no Livro das Celebrações do Iphan, tornando-se Patrimônio Cultural do Brasil.



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em Cachoeira do Arari o povo carregando mastro votivo de São Sebastião.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Quando abril chegar

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Samaúmeira - árvore mãe da mata

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quando o tempo mudar, o sol há de brilhar nos verdes campos de Cachoeira na beira do rio Arari e o chalé-ilha do Marajó batido de vento e chuva será como uma grande árvore das palavras a par do arco do triunfo da Criaturada grande de Dalcídio. 




Quando abril chegar

Tal qual uma parruda samaúma em seu mister
de plantar sementes aéreas carregadas pela pluma
do vento
eu semeio verbos no ar com as mãos da brisa
a levar além das distâncias o tempo
onde o pensamento vai germinar e criar 
novas paisagens e mundos novos 
acordar consciências adormecidas lá longe 
onde gados do vento vão beber e pastar.

Em janeiro debaixo de chuva medito na rede virtual
que nem pajé zenbubuia deixando a maré me levar
lembrando a mestiça heresia dos índios
quando o sisudo caraíba a caminho da forca
declarou ao inquisidor da visitação do Santo Ofício
na Bahia de todos santos e encantos:
Deus criou o homem para dormir e sonhar.

Ai de mim assim! Sonhador insone
transgressor de cânones consagrados
ateu graças a Deus que nem
a sina herética do índio sutil por amor 
a Amazônia e ao gigante país do Futuro Brasil
ponho-me a sonhar entre rios de janeiro 
e chuva nos campos de Cachoeira 
a pensar que todo mês de janeiro 
tem dia de Bastião, fevereiro e março carnaval
pra tudo se acabar em Cinzas na quarta-feira...

Mas a esperança que venceu o medo renasce
em abrir abrindo o sol a brilhar para todos
como naqueles dez dias de abril em Porto Seguro
quando índios Pataxó descobriram as caravelas 
de Cabral e as índias fizeram carnaval 
e dançaram o vira com marujos lusos animados 
juntos e admirados de suas respectivas diferenças brincaram e folgaram
sonhando talvez um novo mundo maravilhoso.

Trinta anos depois do Descobrimento 
as capitanias hereditárias e extração de pau-brasil mataram o sonho que vagava entre árvores e esquecimentos
então aquele primeiro abril da história do Brasil
virou pesadelo e mentira de primeiro de abril
Porém outros abris viriam ao longo do tempo
com Tiradentes, manifestação de Adesão do Pará
de 14 de Abril, em 25 os cravos de Portugal vermelharam, Juscelino inaugura Brasília, 
Tancredo morre no parto da nova república...
Abril, abril, abril...

Abril traga-nos o sol da liberdade em raios fúlgidos
e leve as lágrimas da chuva que lavam as ruas.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

NOVOS CABANOS: RUMO A 2030 E AO BICENTENÁRIO.

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Performance do poeta popular e educador ribeirinho Antônio Juraci Siqueira, nativo de Afuá, nas ilhas do Marajó - tuxaua nheengaíba, portanto -, em figura de guerrilheiro cabano alusiva aos 182 anos da Cabanagem (1835).


É cedo para se pensar em bicentenário da Cabanagem? Não é cedo, não. Se para adivinhar o futuro próximo formos buscar as suas raízes na conquista e colonização do rio Babel ou das Amazonas (ver José Ribamar Bessa Freire) a fim de compreender melhor as amarras do presente nas diversas regiões amazônicas. O futuro estará próximo da Criaturada grande se, nas mil e uma aldeias das regiões periféricas e marginalizadas, novos cabanos se levantarem para se empoderar da AGENDA 2030 pactuada pelo nosso Brasil em conjunto com os mais países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

Contudo, os que querem ser cabanos ou se declaram à esquerda do espectro político pugnando pelos direitos humanos fundamentais, precisam assumir a urgente necessidade de autocrítica da sociedade neocolonial em que vivemos.


O maior país amazônico (Brasil) da Terra-Pátria não tem que temer o futuro. Se ele souber confiar sua Amazônia à Criaturada grande: antes se livrando dos fantasmas da tragédia do brigue Palhaço e do genocídio dos cabanos. Com este gesto democrático civilizador em mente, revisitar a Anistia de 1840 e priorizar a Agenda 2030 nas ações políticas nacionais para o desenvolvimento municipal e regional sustentável "sem deixar ninguém para trás".

Quem nasceu em 7 de janeiro de 2017 terá apenas 18 anos de idade quando a Cabanagem completar 200 anos. Quantos jovens brasileiros, hoje, saberão contar os motivos desta revolução popular e também das suas contemporâneas revoltas durante a Regência Imperial no século XIX? "A história não é para os mortos" (Teoria da História do Brasil", José Honório Rodrigues).

Hoje é aniversário do índio sutil Dalcidio Jurandir (1909-1979), nascido em casa humilde do bairro do Campinho na vila de Ponta de Pedras, ilha do Marajó, filho de mulher negra descendente de escravos e de branco professor primário descendente de portugueses, este talvez oriundo de casal de colonos emigrados das ilhas dos Açores no século XVIII, durante o diretório do Marquês de Pombal.

As longínquas raízes da revolta das cabanas (barracas de palha) de beira de rio, na Amazônia, se acham na mentira histórica do patrão de navio e colonizador português Simão Estácio da Silveira para iludir casais (famílias) açorianas com um famigerado panfleto endereçado aos pobres de Portugal lhes prometendo, com endosso das autoridades da União Ibérica (1580-1640), o paraíso na terra do Maranhão.

Quando aqueles pobres de Portugal descobriram o engodo do aliciamento, que ainda se faz no Maranhão para arrebanhar trabalhadores rurais ao trabalho escravo no Pará; eles descontaram a raiva sobre os índios lhes roubando roças, invadindo a terra, escravizando seus filhos e violentando suas mulheres e filhas.

Acontece que a vingança era a religião do "bom selvagem". Então, sucedeu a primeira Cabanagem por acaso no dia 7 de janeiro de 1619. No Pará o cacique Guaimiaba (Cabelo de Velha) atacou o forte do Presépio [fortaleza do Castelo depois] e morreu em luta sobre a muralha... No Maranhão, o cacique da aldeia do Cumã, chamado Pacamão massacrou portugueses. Mas, a desproporcional represália colonial não demorou com uma carnificina horrorosa desde o rio Gurupi até o Guamá, conduzida pelo genocida Bento Maciel Parente auxiliado no avultado massacre pelo incontornável capitão Pedro Teixeira.

O cidadão brasileiro do século XXI, para inventar a democracia que falta a fim de inaugurar, de fato, a era pós-colonial; convém saber que esse índio bárbaro cabano era, na verdade, da brava nação Tupinambá cujo ícone mora nas searas da Umbanda na figura venerada do avatar Pena Verde. Aquele índio histórico que, há pouco tempo, havia recebido e convidado corsários franceses para morar no Maranhão e irem juntos fazer a guerra contra o inimigo Nheengaíba (povos nuaruaques do arquipélago do Marajó).

O ódio dos tupinambás aos nheengaíbas era recíproco ao dos nheengaíbas aos primeiros. E a causa desta rixa, que ainda perdura entre comunidades ribeirinhas nas duas margens do grande rio Pará; vinha da velha guerra entre tupi-guaranis e tapuias desde Piratininga (São Paulo) e Guanabara (Rio de Janeiro) passando ao litoral da Bahia, Pernambuco e Paraíba até o Maranhão.

Não por acaso, quando Eduardo Angelim precisou de guerrilheiros para a Cabanagem ele convocou "filhos de Ajuricaba e Ingaíbas" (nheengaíbas) que atenderam ao chamado aos milhares, pelo muito que lhes ardia há tempo a chama da vingança.

Já se vê que os ditos pobres de Portugal não sabiam patavina sobre tudo isto (como hoje a "Criaturada grande de Dalcídio", analfabeta de pai e mãe; nada sabe a respeito de centenas de TCC's, dissertações e teses acadêmicas com base na obra do autor marajoara). Assim, para salvação da alma dos canibais tupis, os padres franceses da missão da França Equinocial excomungaram a santidade dos índios, chamada Jurupari; que fala e ri pela boca dos pajés; dizendo aos catecúmenos que o tal espírito era o Diabo em pessoa vindo ao Maranhão arruinar a obra de Cristo.

Este conflito teológico entre padres e pajés, certamente, abalou a amizade entre índios e franceses fazendo pender o apoio dos murubixabas para o lado dos portugueses, quando viram chegar parentes de Jaguaribe (Ceará) comandados por Jacuúna e seu genro português Martim Soares Moreno entre as tropas portuguesas na batalha de Guaxenduba. 

Como se sabe, massagada cabana, a "criaturada grande de Dalcídio" (segundo Eneida de Moraes) habita Chove nos campos de Cachoeira, Marajó, Três casa e um rio, Belém do Grão-Pará, Passagem dos Inocentes, Primeira manhãPonte do Galo, Chão dos Lobos, Os habitantesRibanceira e arredores. Estes arredores do romanceiro dalcidiano incluem Linha do Parque, romance proletário lá entre farroupilhas do Rio Grande do Sul.

O romanceiro da Criaturada grande é, sem dúvida, a amostra literária brasileira de uma humanidade em extinção: composta de povos e populações tradicionais, somando cerca de 370 milhões de pessoas, em todo mundo, em luta desigual pela própria sobrevivência no planeta Terra disputado, barbaramente, por 7 bilhões de habitantes.

Antigo militante do "partidão" - o Partido Comunista Brasileiro (PCB) -, Dalcidio teria recrutado um jovem operário da outrora Fábrica Palmeira, chamado João Amazonas (Belém, 1912 - São Paulo, 2002) morador do bairro do Jurunas: o mesmo bairro donde saiu o poeta da negritude Bruno de Menezes, criador da Academia do Peixe Frito; e da cantora popular paraense Gabi Amarantos, cabana e bregueira. 

O camarada Amazonas, já na clandestinidade do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), à altura dos seus gloriosos 70 anos de idade; comandou o PCdoB na luta contra a Ditadura militar e tomou a grave decisão de lançar a Guerrilha do Araguaia, sabendo ele que a luta armada contra a Ditadura era, sem dúvida, um sacrifício extremo numa guerra revolucionária desesperada de Davi contra Golias. 

Tal qual a Cabanagem de 1835... Todavia, o velho jurunense sobreviveu à Ditadura de 1964 para ver nascer o Partido dos Trabalhadores (PT) e o retorno da democracia brasileira. Teria ele soprado ao Lula o nome carismático do PT como partido de massa destinado a eleger um operário à Presidência da República.

Quando criança, na vila de Itaguari (Ponta de Pedras), escutei pela primeira vez a palavra perigosa "cabano"... Foi meu velho pai caboco (irmão de Dalcídio e filho da índia minha avó Antônia, nascida na aldeia da Mangabeira) que a proferiu. Ele estava muito zangado com as injustiças que via por parte dos senhores do município. Discutia com minha mãe, filha de compones da Galiza e de minha avó branca, herdeira de sesmaria e de escravos recentemente libertos pela Princesa Isabel; dizendo ele "não se fiem em mim, eu tenho sangue cabano!"...

Que seria ter sangue cabano naqueles idos e lugar? Eu quis saber e levei muito tempo a aprender. Já tinha mais de dezesseis anos quando minha avó postiça, irmã mais velha e mãe adotiva de meu pai; que recém nascido ficou órfão de mãe, me deu para ler o romance "Marajó', escrito pelo meu tio distante que morava no Rio de Janeiro. Foi deste modo que me caíram as escamas dos olhos (como disse Paulo de Tarso a caminho de Damasco) e eu, enfim, compreendi o que é ter sangue cabano.