segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O melhor transporte para ilha do Marajó será a Ponte dos Cabanos.

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ilustração. Ponte do Rio Negro (Manaus - Iranduba).



Choram famílias da terra natal de Dalcídio Jurandir, Ponta de Pedras; a perda irreparável de parentes e amigos, além do sofrimento dos sobreviventes do naufrágio da lancha "Luar", no dia 7 último, durante travessia da perigosa baía do Marajó. Mais uma tragédia da navegação fluvial no Rio-Mar num longo rosário de naufrágios. 

Na história anônima do Grão-Pará boiam corpos sem vida de gente pobre e desconhecida tragada pela ditadura da água no rigor das marés e do vento geral diante da indiferença desumana da face oculta do Ver O Peso. Há quanto tempo? 

Já o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira na noite de 11 para 12 de novembro de 1783 (ver Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó) a bordo de canoa a vela a caminho de Monforte (Joanes), sentenciou por experiência própria que é, deveras, perigosa a travessia da baía do Marajó. Minha avó tapuia contava que uma velha avó dela lembrava coisas antigas de que os parentes mais antigos falavam "do tempo da vela de jupati"... 

A criaturada àquela época, no porto da Cidade grande (Belém),  na maré seca saltava de canoa pisando em riba de tronco de miritizeiro estivado sobre tijuco. Diziam que, antigamente, diante da incerteza viajantes do Itaguari rezavam ladainha e faziam promessa à Nossa Senhora do Tempo, depois iam de casa em casa despedir-se para o caso de infelizmente não mais voltar a casa. Quando tudo dava certo, pagavam a promessa deixando entregue à maré um maço de velas de cera para alumiar a santa imagem em sua ermida na enseada, em Barcarena, onde o vento ia levar até o remanso donde o zelador recolhia o óbulo.

Este bisonho blogueiro e canoeiro aposentado que vos fala, muitas vezes, foi passageiro de igarités ao tempo em que ainda se respeitava vento e maré observando o tempo da lua. Petróleo só pra candeeiro e lamparina... Dormia-se na canoa acostada na beira do rio à espera da maré. Uma vez naufraguei por conta própria e inexperiência como piloto de montaria de pesca a vela... Fui imprudente ao não recolher logo a vela enquanto a trovoada zoava fora e veio bater na canoa, mais rápido que o Diabo pisca o olho. A curicaca, sujigada pelo pé de vento, embicou e afundou de proa. Felizmente a coisa não foi pior por que aconteceu dentro do rio. Eu não sofri prejuízo além de um boião de coalhada destinado à minha avó. Foi tudo muito rápido que Deus te livre... Enfim, nada mais que o susto meu e do pirralho que me acompanhava. Este um, coitado, agarrado ao galho do mangue já são e salvo na beira, chorava mais que bezerro desmamado...

Quando criança quase eu morri afogado na maré cheia no estaleiro da canoa Africana, propriedade do comerciante João Ramos da Silva, ele era português de nascimento e dono da Casa da Beira, em Ponta de Pedras. Curioso que esta embarcação, cuja história daria um romance; foi mandada construir por meu avô galego Francisco Perez Varela com nome de San Thiago e, por fatalidade, não deu nenhuma viagem a seu serviço. Por necessidade, meu avô vendeu o barco de seus sonhos a um senhor da família Beltrão provável imigrante da Espanha que nem meu avô. O construtor naval do barco foi o mestre carapina Maximino Vieira, que veio a ser mais tarde encarregado de calafetos e outros reparos de conservação da já então canoa Africana... Última notícia dessa embarcação foi mestre Parriba, piloto de fama, quem me deu dizendo ele que a canoa freteira do João Ramos fora vendida a um patrão de pesca chamado Renato, que a transformou na geleira São Judas Tadeu. Segundo notícias de jornal da época "áurea" do contrabando das Guianas, talvez porque a maré não estivesse mais pra peixe; a geleira foi localizada no porto de Paramaribo carregando nada parecido com gurijuba e gelo. O dono processado por contravenção. Meu velho avô galego, homem de princípios rígidos, dizia que ele antes quebrava a se deixar vergar. Na crise da Borracha o velho quebrou mas não vergou. Por sorte, morreu sem desgosto de saber em que águas turvas o San Thiago se meteu no fim da história.

Minha estreia como vice-cônsul do Brasil em Caiena foi para dar assistência a náufragos da canoa-motor Nossa Senhora de Nazaré afundada na costa marítima da Guiana francesa vinda de Paramaribo, os tripulantes foram salvos por índios galibi da foz do rio Maroni. Outra canoa-motor de mesmo nome Nossa Senhora de Nazaré, com base em Abaetetuba, 'sentou' na costa do Amapá com mais de dez pessoas a bordo com destino a Paramaribo. Nunca mais foram achados canoa e navegantes apesar de varredura até nas Antilhas a pedido do serviço consular. Ah, sim! Eu escapei de morrer afogado, aos cinco anos de idade mais ou menos, tomando banho na ponte do João Ramos, na beira do rio Marajó-Açu. Salvo graças a Deus, por intermédio de meu colega pretinho apelidado Niquelado, filho do compadre de meu pai, o carpinteiro Camilo, que nadava como peixe... 

Esta gente já sofreu afogamentos, alagações e afundamentos demais neste mundo de torós, marés cheias e águas turvas. Na História do Futuro, por exemplo, o padre Antonio Vieira diz que os nheengaíbas usavam mais canoas e remos que seus próprios pés para ir de um lugar a outro. O payaçu dos índios interpreta o profeta Isaías nos versículos que se referem a um povo distante ao qual as águas lhes roubaram suas terras (História do Futuro, Padre Antonio Vieyra, Belém: SECULT/IOE, 1998, 301 § 278).

Já publiquei dois ensaios sobre temas amazônicos, Novíssima Viagem Filosófica, REVISTA IBERIANA, Belém: SECULT, 1999) e Amazônia latina e a terra sem mal, Belém: IOE, 2002), diversos artigos em jornal impresso e blogues, sempre a abordar a mesma temática da defesa dos direitos humanos da Criaturada grande de Dalcídio. É claro que a audiência aos meus escritos é escassa e mesmo assim eu não posso agradar a todos. Durante debate virtual das últimas eleições municipais tive a honra de ter o blogue Cultura Marajoara, de minha autoria, censurado e bloqueado pelo provedor do Blogger, supostamente por denúncia de usuário do Facebook agastado por uma postagem considerada "abusiva". O tal abuso talvez foi tratar, sem subterfúgios, do roubo histórico da terra indígena dos Nheengaíbas, após o acordo de paz de 27/08/1659 entre os 7 caciques do Marajó e o padre Antônio Vieira, superior das missões (a FUNAI da época, por delegação de competência do rei Dom João IV através da lei de abolição dos cativeiros dos índios de 1655).
Mas, não se considera abusiva a notável falta de interesse acadêmico a respeito das pazes de Mapuá. Todavia, da usurpação de direitos humanos dos índios do Marajó saiu a revolta dos colonos do Grão-Para para expulsar os Jesuítas em 1661, o processo e condenação do padre Vieira pela Inquisição e a doação arbitrária da Ilha dos Nheengaíbas (Marajó) a fim de criar a capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757) ao secretário de estado do rei dom Afonso VI, Antônio de Sousa de Macedo, patriarca dos barões de Joanes e pai das sesmarias do Marajó. É certo que no século XVII índios e pretos não eram gente. Porém mais certo ainda que a geografia esconde as consequências histórias e o século XXI hoje reclama enterro da colonialidade insepulta.
As sesmarias do Marajó são assunto tabu para a elite paraense com DNA no colonialismo português... Mas a História não vive do passado e sim do presente explicado por coisas que acontecem no dia a dia. Eu, modestamente, remo pelas beiras do rio de Heráclito... Sei que nele não se mergulha duas vezes, mas sem incluir na história da Amazônia Marajoara do século XXI nossos antepassados indígenas, negros africanos e brancos quase pretos de tão pobres degredados e enganados para vir povoar o Maranhão e Grão-Pará fica mais difícil enfrentar a colonialidade das capitanias hereditárias.
Para isto, acredito eu que, ao se tratar da segurança dos transportes para a ilha do Marajó, é oportuno pautar ao debate projeto de construção de ponte de concreto entre os municípios Barcarena e Ponta de Pedras, separados pelas águas traiçoeiras da baía do Marajó. A antiga aldeia de Murtigura (Vila dos Conde), que foi centro missionário de triagem e treinamento de índios brabos para ser operários no cativeiro do Grão-Pará abriga indústria e porto da ALBRAS sob controle de multinacional da Noruega. A Vila dos Cabanos não tem este nome por acaso... Na outra margem do Rio Pará, a fazenda Malato, em Ponta de Pedras - primeira sesmaria da Companhia de Jesus (1686), na ilha do Marajó guarda em seu passado epísódios da Cabanagem (1835-1840); murmura-se que multinacionais do agronegócio disputam espaço para plataforma de exportação de grãos para China e Europa nas terras, há pouco esquecidas, da velha fazenda.

O estado, certamente, dirá sobre a ideia da Ponte dos Cabanos que não tem dinheiro para obra desse porte e que não há no Marajó fluxo que justifique tal investimento. Porém a verdade é que se examinarmos a questão por ângulo macroeconômico, o potencial turístico do Marajó sim justifica projeto dessa importância. E o volume de dinheiro que dizem deve ser cobrado para colocar fim à sonegação fiscal seria mais que suficiente para muitas coisas de interesse público como esta ponte.
Colocada em concorrência internacional, precedida das medidas de sensibilização política e promoção econômica necessárias, o projeto será plenamente viável. O Marajó poderia vir a ser comparável a uma Costa Rica na Amazônia, onde o ecoturismo gera empregos e renda de maneira socioambiental sustentável. Em assim sendo, com certeza, não faltariam investidores norte-americanos, japoneses, europeus, chineses e até brasileiros interessados por concessão para construir e cobrar pedágio durante determinado tempo. Agora imagina se uma ponte sobre o Rio Pará fosse primeiro passo para ligação rodoferroviária com o Amapá e Guianas? A ponte do Oiapoque já está pronta como a esperar, só faltaria construir também a ponte do Amazonas. É um sonho que poderá movimentar montanhas de aço, cimento, brita e outros materiais criando milhares de empregos e elevando a renda e o IDH da região.
Mas é claro que a Criaturada grande, em qualquer outra projeção em vista dos ODS da Agenda 2030 da ONU, não poderá mais suportar abusos contra seus Direitos Humanos, nem continuar a ver navios à margem da História.
Resultado de imagem para fotos da ponte do rio oiapoque

ponte sobre o rio Oiapoque entre o Amapá e a Guiana Francesa.

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