domingo, 18 de dezembro de 2016

BRASiLHAS - viagem de circunavegação do arquipélago nortenordestino para amazonizar a ilha do Brazyl.

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A palavra mágica é resiliência. 
Qualquer sumano caboco pode saber
e gozar da excelência do conhecimento tradicional
na universidade da maré com mestres pajés zenbubuia
a resistência da vida sempre viva 
recuperar infinitamente sua própria existência no mundo.

A um biólogo sabido a ave guará é espécie ciconiforme
família Threskiornithidae parenta do ibis sagrado do Nilo
conhecida também como ibis escarlate,
guará vermelho, guará rubro e guará pitanga
nome científico Eudocimus ruber, cujo significado
é 'ave vermelha gloriosa', do grego 'eu', bom;
e 'dokimos', excelente; e do latim 'ruber', rubro.

A um verdadeiro pajé sakaka da ilha do Marajó
a ave vermelha gloriosa dos ornitólogos
não é só um lindo bicho de penas cor de sangue
comedor de sarará do mangal
o guará é também pássaro encantado, espírito telúrico
que nem o ibis sagrado seu parente mágico do Egito
esta nossa gente sabe que guará é caruana
tem a tal resiliência da mãe natura em suas asas mágicas
que nem o pavãozinho-do-Pará, o peixe feiticeiro aruaná,
jundiá, boto tucuxi, cobra grande e tantos mais caruanas
arquétipicos
Inclusive a jiboia e a onça pintada quando mundiam a embiara,
o macaco guariba que faz meuã pra assombrar caçador
e tantas ervas e plantas mágicas como o tajá Rio Negro,
mucura caá, pião roxo, orisa, cipó mariri 
e folhas de cipó chacrona no chá do santo Daime poderoso. 

Estes são antigos saberes de nossos antepassados
de aquém e além mar
patrimônio sagrado da velha civilização marajoara
aumentado com as águas emendadas de rio e do Mar-Oceano
na tradição dos turcos encantados
a santidade tupi-guarani, rezas açorianas
do divino espírito santo. 



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Ave Cultura Marajoara! Arte primeva brasileira 
largada entre chuvas e esquecimentos ao pisoteio dos búfalos
nos campos do Marajó
1500 anos contemplam a colonialidade adquirida das capitanias hereditárias do alto dos tesos arqueológicos de camoti
arquitetados por engenheiros do Arari pés descalços
antes que mercadores fenícios e irlandeses fossem vender
o sedutor pigmento vermelho a poderosos reis da Europa,
o cobiçado brazyl escondido a sete chaves
no misterioso país de São Brandão.

Já estavam aquém Oiapoque matriarcas donas do segredo
mortal do curare na fronteira da vida e da morte,
afilhadas da mestra Jararaca (Bothrops marajoensis),
caciques e pajés açus reis em suas aldeias suspensas 
sobre campos alagados e lagos encantados, 
enquanto no velho mundo futuros navegadores
dentre pescadores premidos pela monstra fome
sonhavam eles achar e descobrir as ilhas Afortunadas,
Antilha e uma então imaginária ilha do Brazyl
tempos depois achada nos Açores em riba do monte 
Brasil chamado, 
caminho do futuro descobrimento de Pedro Álvares Cabral
no pais tupi das Palmeiras ou Pindorama. 

O rei mandinga Abubakari II, do Mali, foi o primeiro navegador
do Atlântico Sul, 
antes de Colombo pelo caminho do Ocidente chegar em Guaanani 
no ano da desgraça de 1492:
mas antes o povo Aruã migrou do Caribe através de Trinidad
por voltas de 1300 já estava ocupando ilhas do Marajó
empurrando as mais velhas nações ilhanas para a costa fronteira
do Pará. 

O payaçu dos índios, Padre Antonio Vieira, evitou o genocídio
dos Nheengaíbas dando termo a mais de 40 anos de guerra
de conquista do rio das Amazonas, 
todavia ele não conseguiu com sua famosa lábia barroca,
cartas e sermões 
evitar que a coroa roubasse as terras da ilha ancestral dos Marajós 
doadas para criar a capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes.

Cem anos passados da primeira Real usurpação dos direitos dos índios nheengaíbas, 
o déspota diz-que esclarecido Marquês de Pombal 
extinguiu a malfadada capitania dos barões de Joanes,
expulsou os Jesuítas, tomou as fazendas destes
para dar aos Contemplados e criar o Diretório dos Índios 
onde os tapuios catequizados em Nheengatu pelos padres aprenderam a falar português a pulso 
saidos do mato para ser 'caboclos'. 
Ou seja, quase portugueses amazônicos civilizados.

E agora José? 
Sem eira nem beira a ver navios à margem da História...
Mais de 400 anos de invenção da Amazônia se passaram:
carece descolonizar o Grão-Pará e amazonizar o Brasil.
Promover renascimento da velha Cultura Marajoara
reinventar a ecocivilização amazônica antes que se acabe.

As impossíveis pazes de Mapuá foram inventadas
para impedir a "guerra justa" impossível de vencer
pelas fracas forças lusas em Feliz Lusitânia e as combalidas
armas tupinambás pau pra toda obra, esgotadas
e já despossuídas da utopia selvagem da Terra sem males:
doutro jeito o grão Pará teria sido uma enorme Guiana
holandeza ou inglesa com certeza.

Quem é que sabe?
O padre Vieira diz que escreveu carta-patente aos Sete Caciques
Nheengaíbas: isto ninguém pode acreditar no terreno da lógica
linguística e gramatical da boa língua portuguesa...
Mesmo que o Payaçu dos índios escrevesse aos falantes
da "língua ruim" (as muitas línguas dificultosas das ilhas)
no melhor Nheengatu da missão
isto não poderia servir pra nadinha: visto que esta gente
era analfabeta e continua sendo até hoje em grande parte.

Masporém, se o caboco zen que vos fala é ingênuo; 
o padre grande não era não: 
se ele diz à rainha mãe de Portugal e a seu filho rei menino desinteressado dos negócios do reino
que ele Padre superior das Missões tutor dos índios por delegação competente de Sua Majestade Fidelíssima, etc. 
escreveu a tal carta-patente em papel com timbre
da Companhia de Jesus
é por que tinha em mente a tempestade amazônica em curso
preparava-se a retornar ao teatro europeu a fim de prosseguir
o manifesto na carta secreta "As Esperanças de Portugal".

O padre grande do Grão-Pará de fato não escreveu aos índios,
nem ao rei, nem ao Papa... Na verdade escreveu para o futuro
a todos e a ninguém: a carta-patente imaginária era esboço
daquilo que ele realmente na solidão do convento botou no papel
à Dona Luísa de Gusmão, na data de 29 de novembro de 1659:
um memorial fantástico onde a realidade e a ficção se abraçam
para, mais tarde, em estado de necessidade no tribunal
da Inquisição servir de memória à História do Futuro
e a interminável obra O Reino de Jesus Cristo consumado na terra ou a Chave dos Profetas.

Mas, então o que de fato o representante do Estado Real de Portugal e da Santa Sé Romana mandou aos Sete Caciques
confederados naquela ilha rebelde que só falava nheengaíba,
praticava pirataria e não queria conversa com "índios cristãos"
nem portugueses aliados destes?

O diabo era o Marajó pedra dura no meio do caminho
da Terra sem mal dos guerreiros tupis,
barreira do mar português aos descobridores do El-Dorado.
Vieira em seu labirinto amazônico queria porque queria
ressuscitar el-rei Dom João IV que nem o poeta sapateiro
Bandarra ressuscitou o esperado Dom Sebastião...

Coisa extraordinária:
Bandarra estava morto e sepultado em Trancoso
quando o povo português entendeu o recado
para o Conde de Bragança se empoderar da pessoa
memorial de Dom Sebastião...

Bandarra é verdadeiro profeta!
Escreveu Vieira a caminho de Cametá subindo o rio Tocantins
candidatando-se a profeta da história futura do rio Babel.

Eis que o verdadeiro recado do Padre grande aos Sete Caciques
imagem do Cão chupando manga
foi dado por dois índios embaixadores sonsos como o diabo
Jurupari que fala e ri pela boca do pajé,
selecionados a dedo entre 'negros da terra' 
cativos do convento de Santo Alexandre
nheengaíbas portanto, prisioneiros de guerra dos "índios cristãos".

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Índio não quer apito.
Isto já se sabe: mas, o que não se sabia
É que esta gente que o mundo esqueceu aprendeu a ler
e escrever para responder postumamente ao padre Vieira,
primeiramente para reiterar o discurso histórico do cacique
Piié dos Mapuá segundo testemunho do superior das Missões.

Segundamente, de modo justo e perfeito o caboco 
quer se empoderar do direito à memória dos índios seus parentes antepassados
reclamar os direitos ancestrais à terra indígena perdida.
Por esta forte razão, filhos de Ajuricaba e dos Nheengaíbas fizeram
marcha avante a todo vapor na revolução iniciada 
por Pacamão no Maranhão e Cabelo de Velha no Pará.
A gente ainda está na luta por vida melhor para todos
sob a pele e bandeira de açaí e peixe frito dos sumanos cabanos.

Índio virou doutor e viaja dando volta ao mundo abancado
junto a compadres pretos de mocambos e quilombos...
As Índias Ocidentais e Orientais querem ser iguais a todo mundo
Áfricas negras reclamando o berço da humanidade
filha da animalidade.
Somos todos um! Embora 7 bilhões de seres humanos
cultural e socialmente diversos.

O Brasil gigante país do Futuro deve se preparar a andar
mais depressa à frente via ecocivilização amazônica:
a revolução zenbubuia convoca a resiliência dos pajés.

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Aqui e agora sou nheengaíba do século XXI.
Que nem os dois índios embaixadores do convento jesuíta
enviados aos caciques do Marajó
Eu vou só a Brasilia por uma rota nunca dantes
levar aos nobres representantes do Povo recado da Criaturada grande do índio sutil,
mais conhecido por Dalcídio Jurandir;
Guiado pelo guará caruana do pajé sacaca me aventuro ao mar Salgado numa canoa pequena de pescador artesanal.

Quero ir com as asas do vento navegar a corrente brasileira costeira do Rio Grande do Norte até o delta do São Francisco entre Alagoas e Sergipe.
Pará dobrar o cabo do Calcanhar hei de vencer a corrente 
das Guianas contrária ao rumo sul desde a tapera dos Maruaná 
no antigo Pesqueiro Real 
e atravessar para Ilha do Sol ou dos Tupinambás, vou pegar banzeiro debaixo de vento geral
chegar logo em São Caetano, na Vigia passar de Curuçá a Marapanim, Maracanã, Salinas, Pirabas e Bragança
Viseu está a me esperar já faz tempo...

Não deixarei de depositar minha fé caboca ao pé do Rei Sabá
e seguir religiosamente meu guará caruana sempre a me mostrar porto seguro e água boa onde o sol costuma adormecer
e a gente do mar chama de Araquiçaua oferecendo repouso, prosa, peixe assado e carimbó.
A grande corrente equatorial marinha e o poderoso vento do leste
nos traçaram a história, carece as aldeias da beira ir plantar sementes do jardim do mangue
onde filhos de pescadores e mariscadores aprendam escutar 
a grande voz do mar e saber a retumbante notícia das ilhas encantadas, naturais, urbanas e suburbanas do Brasilzão.

Onde nos levou a corrente Norte e nos leva agora a corrente Sul?
Passar ao Maranhão pela boca do Gurupi sem demora São Luís
eu com pressa de dar conta do recado hei de querer chegar cedo ao delta do Parnaíba.
Então os verdes mares do Ceará me convidarão a trocar a curicaca
pela jangada praiana.

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Oh desmedida jornada! A Insustentável leveza a imaginação...
Não dobrei ainda o Calcanhar, em Touros, Rio Grande do Norte donde mudará minha sorte nesta viagem até o delta 
do São Francisco: lá vou eu trocar a jangada
por canoa de vela quadrada, subir o Velho Chico e mudar 
a paisagem do mar pela aquarela do rio
me despedir do pássaro caruana para pegar carranca e afugentar
bichos do fundo.

Vou pedir ajuda a pretos velhos da ilha do Pixaim
que tenham dó de mim, lhes direi em segredo que sou iniciado
na saga do rei Abubakari.

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Ai de mim! 
Quase três mil quilômetros me águas a remontar o São Francisco.
Topar terra firme e vaguear veredas do grande sertão 
Contornar por fim a serra da Canastra para chegar 
às Águas Emendadas pelo desvio do Paracatu? Como hei de ir
a Unaí e Planaltina de Goiás? Subindo o rio Urucuia
poderei no caminho refazer trilhas de João Guimarães Rosa
Não posso me demorar demais, a magia está findando:
Preciso de índio velho em lobo-guará pra me guiar.

Antes de retornar do grande sertão ao Extremo Norte
devo cumprir o fado entregando ao povo candango
o surreal memorial que me traz do passado remoto ao futuro 
da brava gente brasileira.
No Cerrado sigo o espírito do índio Goiá em figura de lobo-guará 
ele guia-me ao córrego Vereda Grande cujas águas vão para o norte 
encontrar o rio Maranhão e alimentar o grande caudal do Tocantins. 

Meu diligente guia com seu sensível instinto animal 
olha-me como se me quisesse dizer que devo talvez 
ainda lançar um adeus amável para o extremo sul
nas águas dos córregos Brejinho e Fumal deslizando a caminho
do vasto Paraná rumo ao Prata através dos rios São Bartolomeu, Corumbá, Paranaíba medindo o tempo infinito e as enormes distâncias que se despedem das Águas Emendadas. 



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Dado o recado da extravagante viagem nortenordestina
a fim de amazonizar o coração do Brasil,
chegou a hora de encerrar a excursão feita por ar e mar 
onde meu guia foi a ave guará caruana,
para doravante seguir o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus),
parente próximo do cachorro-vinagre, 
que me há de valer em busca de veios d'água no Cerrado
descendo lentamente o Planalto para o profundo vale amazônico
em direção ao Tocantins e Pará donde eu vim bater aqui.


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Logo vou emprestar uma velha ubá de um velho índio avá-canoeiro
descer a remo o rio dos Tocantins com mil cuidados
me escondendo da luz do dia para viajar sob a pálida luz da lua
que nem fariam aqueles dois embaixadores nheengaíbas
ida e volta dos começos desta desmedida história dos Brasis.

Ao passar em frente a Cametá melhor será antes do galo cantar,
me lembrarei ainda uma vez do padre grande dos índios.
A barragem de Tucuruí não me deterá pois deixarei a ubá na beira
já me arranjarei com um compadre pescador
descendo o rio em batelão com motor rabeta até Limoeiro do Ajuru
na pesca do mapará.

A odisseia será finita quando outra vez eu chegar ao Rio Pará
encontrar a ilha ancestral marajoara a me esperar 
como Penélope esperou a Ulisses na ilha de Ítaca.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O melhor transporte para ilha do Marajó será a Ponte dos Cabanos.

Ficheiro:Ponte Rio Negro.jpg
ilustração. Ponte do Rio Negro (Manaus - Iranduba).



Choram famílias da terra natal de Dalcídio Jurandir, Ponta de Pedras; a perda irreparável de parentes e amigos, além do sofrimento dos sobreviventes do naufrágio da lancha "Luar", no dia 7 último, durante travessia da perigosa baía do Marajó. Mais uma tragédia da navegação fluvial no Rio-Mar num longo rosário de naufrágios. 

Na história anônima do Grão-Pará boiam corpos sem vida de gente pobre e desconhecida tragada pela ditadura da água no rigor das marés e do vento geral diante da indiferença desumana da face oculta do Ver O Peso. Há quanto tempo? 

Já o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira na noite de 11 para 12 de novembro de 1783 (ver Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó) a bordo de canoa a vela a caminho de Monforte (Joanes), sentenciou por experiência própria que é, deveras, perigosa a travessia da baía do Marajó. Minha avó tapuia contava que uma velha avó dela lembrava coisas antigas de que os parentes mais antigos falavam "do tempo da vela de jupati"... 

A criaturada àquela época, no porto da Cidade grande (Belém),  na maré seca saltava de canoa pisando em riba de tronco de miritizeiro estivado sobre tijuco. Diziam que, antigamente, diante da incerteza viajantes do Itaguari rezavam ladainha e faziam promessa à Nossa Senhora do Tempo, depois iam de casa em casa despedir-se para o caso de infelizmente não mais voltar a casa. Quando tudo dava certo, pagavam a promessa deixando entregue à maré um maço de velas de cera para alumiar a santa imagem em sua ermida na enseada, em Barcarena, onde o vento ia levar até o remanso donde o zelador recolhia o óbulo.

Este bisonho blogueiro e canoeiro aposentado que vos fala, muitas vezes, foi passageiro de igarités ao tempo em que ainda se respeitava vento e maré observando o tempo da lua. Petróleo só pra candeeiro e lamparina... Dormia-se na canoa acostada na beira do rio à espera da maré. Uma vez naufraguei por conta própria e inexperiência como piloto de montaria de pesca a vela... Fui imprudente ao não recolher logo a vela enquanto a trovoada zoava fora e veio bater na canoa, mais rápido que o Diabo pisca o olho. A curicaca, sujigada pelo pé de vento, embicou e afundou de proa. Felizmente a coisa não foi pior por que aconteceu dentro do rio. Eu não sofri prejuízo além de um boião de coalhada destinado à minha avó. Foi tudo muito rápido que Deus te livre... Enfim, nada mais que o susto meu e do pirralho que me acompanhava. Este um, coitado, agarrado ao galho do mangue já são e salvo na beira, chorava mais que bezerro desmamado...

Quando criança quase eu morri afogado na maré cheia no estaleiro da canoa Africana, propriedade do comerciante João Ramos da Silva, ele era português de nascimento e dono da Casa da Beira, em Ponta de Pedras. Curioso que esta embarcação, cuja história daria um romance; foi mandada construir por meu avô galego Francisco Perez Varela com nome de San Thiago e, por fatalidade, não deu nenhuma viagem a seu serviço. Por necessidade, meu avô vendeu o barco de seus sonhos a um senhor da família Beltrão provável imigrante da Espanha que nem meu avô. O construtor naval do barco foi o mestre carapina Maximino Vieira, que veio a ser mais tarde encarregado de calafetos e outros reparos de conservação da já então canoa Africana... Última notícia dessa embarcação foi mestre Parriba, piloto de fama, quem me deu dizendo ele que a canoa freteira do João Ramos fora vendida a um patrão de pesca chamado Renato, que a transformou na geleira São Judas Tadeu. Segundo notícias de jornal da época "áurea" do contrabando das Guianas, talvez porque a maré não estivesse mais pra peixe; a geleira foi localizada no porto de Paramaribo carregando nada parecido com gurijuba e gelo. O dono processado por contravenção. Meu velho avô galego, homem de princípios rígidos, dizia que ele antes quebrava a se deixar vergar. Na crise da Borracha o velho quebrou mas não vergou. Por sorte, morreu sem desgosto de saber em que águas turvas o San Thiago se meteu no fim da história.

Minha estreia como vice-cônsul do Brasil em Caiena foi para dar assistência a náufragos da canoa-motor Nossa Senhora de Nazaré afundada na costa marítima da Guiana francesa vinda de Paramaribo, os tripulantes foram salvos por índios galibi da foz do rio Maroni. Outra canoa-motor de mesmo nome Nossa Senhora de Nazaré, com base em Abaetetuba, 'sentou' na costa do Amapá com mais de dez pessoas a bordo com destino a Paramaribo. Nunca mais foram achados canoa e navegantes apesar de varredura até nas Antilhas a pedido do serviço consular. Ah, sim! Eu escapei de morrer afogado, aos cinco anos de idade mais ou menos, tomando banho na ponte do João Ramos, na beira do rio Marajó-Açu. Salvo graças a Deus, por intermédio de meu colega pretinho apelidado Niquelado, filho do compadre de meu pai, o carpinteiro Camilo, que nadava como peixe... 

Esta gente já sofreu afogamentos, alagações e afundamentos demais neste mundo de torós, marés cheias e águas turvas. Na História do Futuro, por exemplo, o padre Antonio Vieira diz que os nheengaíbas usavam mais canoas e remos que seus próprios pés para ir de um lugar a outro. O payaçu dos índios interpreta o profeta Isaías nos versículos que se referem a um povo distante ao qual as águas lhes roubaram suas terras (História do Futuro, Padre Antonio Vieyra, Belém: SECULT/IOE, 1998, 301 § 278).

Já publiquei dois ensaios sobre temas amazônicos, Novíssima Viagem Filosófica, REVISTA IBERIANA, Belém: SECULT, 1999) e Amazônia latina e a terra sem mal, Belém: IOE, 2002), diversos artigos em jornal impresso e blogues, sempre a abordar a mesma temática da defesa dos direitos humanos da Criaturada grande de Dalcídio. É claro que a audiência aos meus escritos é escassa e mesmo assim eu não posso agradar a todos. Durante debate virtual das últimas eleições municipais tive a honra de ter o blogue Cultura Marajoara, de minha autoria, censurado e bloqueado pelo provedor do Blogger, supostamente por denúncia de usuário do Facebook agastado por uma postagem considerada "abusiva". O tal abuso talvez foi tratar, sem subterfúgios, do roubo histórico da terra indígena dos Nheengaíbas, após o acordo de paz de 27/08/1659 entre os 7 caciques do Marajó e o padre Antônio Vieira, superior das missões (a FUNAI da época, por delegação de competência do rei Dom João IV através da lei de abolição dos cativeiros dos índios de 1655).
Mas, não se considera abusiva a notável falta de interesse acadêmico a respeito das pazes de Mapuá. Todavia, da usurpação de direitos humanos dos índios do Marajó saiu a revolta dos colonos do Grão-Para para expulsar os Jesuítas em 1661, o processo e condenação do padre Vieira pela Inquisição e a doação arbitrária da Ilha dos Nheengaíbas (Marajó) a fim de criar a capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757) ao secretário de estado do rei dom Afonso VI, Antônio de Sousa de Macedo, patriarca dos barões de Joanes e pai das sesmarias do Marajó. É certo que no século XVII índios e pretos não eram gente. Porém mais certo ainda que a geografia esconde as consequências histórias e o século XXI hoje reclama enterro da colonialidade insepulta.
As sesmarias do Marajó são assunto tabu para a elite paraense com DNA no colonialismo português... Mas a História não vive do passado e sim do presente explicado por coisas que acontecem no dia a dia. Eu, modestamente, remo pelas beiras do rio de Heráclito... Sei que nele não se mergulha duas vezes, mas sem incluir na história da Amazônia Marajoara do século XXI nossos antepassados indígenas, negros africanos e brancos quase pretos de tão pobres degredados e enganados para vir povoar o Maranhão e Grão-Pará fica mais difícil enfrentar a colonialidade das capitanias hereditárias.
Para isto, acredito eu que, ao se tratar da segurança dos transportes para a ilha do Marajó, é oportuno pautar ao debate projeto de construção de ponte de concreto entre os municípios Barcarena e Ponta de Pedras, separados pelas águas traiçoeiras da baía do Marajó. A antiga aldeia de Murtigura (Vila dos Conde), que foi centro missionário de triagem e treinamento de índios brabos para ser operários no cativeiro do Grão-Pará abriga indústria e porto da ALBRAS sob controle de multinacional da Noruega. A Vila dos Cabanos não tem este nome por acaso... Na outra margem do Rio Pará, a fazenda Malato, em Ponta de Pedras - primeira sesmaria da Companhia de Jesus (1686), na ilha do Marajó guarda em seu passado epísódios da Cabanagem (1835-1840); murmura-se que multinacionais do agronegócio disputam espaço para plataforma de exportação de grãos para China e Europa nas terras, há pouco esquecidas, da velha fazenda.

O estado, certamente, dirá sobre a ideia da Ponte dos Cabanos que não tem dinheiro para obra desse porte e que não há no Marajó fluxo que justifique tal investimento. Porém a verdade é que se examinarmos a questão por ângulo macroeconômico, o potencial turístico do Marajó sim justifica projeto dessa importância. E o volume de dinheiro que dizem deve ser cobrado para colocar fim à sonegação fiscal seria mais que suficiente para muitas coisas de interesse público como esta ponte.
Colocada em concorrência internacional, precedida das medidas de sensibilização política e promoção econômica necessárias, o projeto será plenamente viável. O Marajó poderia vir a ser comparável a uma Costa Rica na Amazônia, onde o ecoturismo gera empregos e renda de maneira socioambiental sustentável. Em assim sendo, com certeza, não faltariam investidores norte-americanos, japoneses, europeus, chineses e até brasileiros interessados por concessão para construir e cobrar pedágio durante determinado tempo. Agora imagina se uma ponte sobre o Rio Pará fosse primeiro passo para ligação rodoferroviária com o Amapá e Guianas? A ponte do Oiapoque já está pronta como a esperar, só faltaria construir também a ponte do Amazonas. É um sonho que poderá movimentar montanhas de aço, cimento, brita e outros materiais criando milhares de empregos e elevando a renda e o IDH da região.
Mas é claro que a Criaturada grande, em qualquer outra projeção em vista dos ODS da Agenda 2030 da ONU, não poderá mais suportar abusos contra seus Direitos Humanos, nem continuar a ver navios à margem da História.
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ponte sobre o rio Oiapoque entre o Amapá e a Guiana Francesa.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Os marajoaras hoje e há 400 anos atrás

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EMPODERAMENTO DA CRIATURADA

Os Objetivos do Milênio, nos últimos 15 anos passados, até 2015, pouco foram notados pelos ribeirinhos do arquipélago do Marajó, descendentes dos antigos nheengaíbas; apesar de consideráveis esforços feitos pela comunidade nos últimos dez anos. Já as esperanças dos marajoaras se voltam aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no horizonte de Agenda 2030 da ONU.

Acesse informações com as últimas notícias sobre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável em nacoesunidas.org/pos2015 

Segundo o PNUD, o conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser. 

Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades. A renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano.

O conceito de Desenvolvimento Humano também parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Esse conceito é a base do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento.

O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desenvolvimento humano total). Países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo, os países com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de médio desenvolvimento humano e países com IDH superior a 0,800 têm desenvolvimento humano considerado alto. Abaixo de 0,499 são considerados Muito Baixos. 

 

Segundo o estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgado na segunda-feira (29) e intitulado "Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013", o Pará tem 8 municípios com IDHM muito baixo (ver figura abaixo). Sendo que, seis municípios (Afuá, Anajás, Portel, Bagre, Chaves e Melgaço) estão situados na Mesorregião do Marajó. E o município de Melgaço tem o pior IDHM do Brasil. 

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Os baixos somam 88. Os médios são 44 e os que alcançaram índices de desenvolvimento humano classificados como Alto foram três: Ananindeua, Belém e Parauapebas.

IDHM - RANKING DOS MUNICÍPIOS MARAJOARAS

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IDHM - Educação

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Taxa de Analfabetismo

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IDHM - Renda

Renda per capita

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Renda - Pobreza

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Trabalho - Ocupação

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Vulnerabilidade - Crianças

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Vulnerabilidade - Mulheres

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Vulnerabilidade - Trabalho, Emprego e Renda

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Vulnerabilidade - Habitação

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População

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Demografia
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(PNUD/Atlas Brasil 2013)







CARTA DO PADRE ANTÕNIO VIEIRA AO REI DE PORTUGAL DOM AFONSO VI

"Na grande bôca do rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portu­gal e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de lín­guas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente Nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações os nossos conquistado­res em boa amizade; mas, depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz com que entraram, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defesa da liber­dade, e começaram a fazer guerra aos Portuguêses em tôda a par­te. Usa esta gente de canoas ligeiras e bem armadas, com as quais não só impediam e infestavam as entradas, que nesta terra são tôdas por água, em que roubaram e mataram muitos Portuguêses; mas chegavam a assaltar os índios cristãos em suas aldeias, ainda naquelas que estavam mais vizinhas às nossas fortalezas, matan­do e cativando: e até os mesmos Portuguêses não estavam segu­ros dos Nheengaíbas dentro de suas próprias casas e fazendas, de que se vêm ainda hoje muitas despovoadas e desertas, como sitia­dos, sem lograr as comodidades do mar, da terra e dos rios, nem ainda a passagem dêles, sinão debaixo das armas. Por muitas vêzes, quiseram os governadores passados tirar êste embaraço tão custoso ao Estado, empenhando na emprêsa tôdas as forças dêle, assim de índios como de Portuguêses, como os cabos mais antigos e experimentados; mas nunca desta guerra, se tirou outro efeito mais que o repetido desengano de que as nações Nheengaíbas eram inconquistáveis pela ousadia, pela cautela, pela astúcia e pela costância da gente, e, mais que tudo, pelo sítio inexpugnável com que as defendeu e fortificou a mesma natureza. E’ a ilha tôda com­posta. dum confuso e intricado labirinto de rios e bosques espessos, aquêles com infinitas entradas e saídas, êstes sem entrada nem saí­da alguma; onde não é possível cercar, nem achar, nem seguir, nem a inda ver o inimigo, estando êle, no mesmo tempo, debaixo da. trin­cheira das árvores, apontando e empregando as suas frechas. E porque êsse modo de guerra volante e invisível não tivesse o es­torvo natural da casa, mulheres e filhos, a primeira coisa que fize­ram os Nheengaíbas, tanto que se resolveram à guerra com os Portuguêses, foi desfazer e como desatar as povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a grandes distâncias, para que em qualquer perigo pudesse uma avisar às outras, e nunca serem acometidas juntas. Desta sorte ficaram habitando tôda a ilha, sem habitarem nenhuma parte dela, servindo-lhes, porém, em tô­das, os bosques de muro, os rios de fôsso, as casas de atalaia e cada Nheengaíba de sentinela, e as suas trombetas de rebate."
P. Antônio Vieira, Belém do Pará 29/11/1659 - publicada em Lisboa 11/02/1660.