A defesa dos Direitos Humanos das comunidades tradicionais retratadas na obra literária do romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979) e das atuais populações indígenas, afrodescendentes e ribeirinhas cabocas.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Psicografando Dalcídio Jurandir na rede da manhã.
"De hoje não passa... Já tem um tempão que quero pedir para o Dalcídio autografar o único livro que terminei de ler dele, mas com tantos vultos próximos poderiam pensar que estou tietando o Dalcídio. Passei uma vez no meio dos 15 vultos pedindo licença, mas a coragem sumiu... Fui até a cozinha beber uma água e voltei para rede com o livro entre os braços, respirei 10 vezes quando levantei estavam todos olhando, mas desta vez a coragem não me abandonou. Pedi licença ao Lemos, estendi o braço e disse meio acanhado e com voz baixinha: assina esse exemplar para mim! Ele me olhou carinhosamente e sorriu..." -- Faeli Moraes, escultor (copiado do Facebook).
"uma vez tomei coragem e mandei textão de suposto romance a fim de saber o que o mestre dizia a respeito da 'obra'... Ele amavelmente me respondeu: "não critico nem corrijo, escreva com toda sua espontaneidade e dê testemunho ai do homem largado em plena maré"... Desisti de ser romancista e Flaviano já me havia dito "esta família só dá poeta"... Então foi assim que me fiz defensor dativo da Criaturada grande de Dalcídio. Cada um na sua pode fazer um pouco por uma grande causa comum." -- José Marajó Varela, resposta a Faeli Moraes).
Eu queria tanto escrever romance! Isto me aconteceu ainda moço depois de ler o romance Marajó, de Dalcídio Jurandir, que minha avó mandou. Ah! Eu, completamente analfabeto político, mal sabia interpretar texto: mesmo assim, paresque, caíram-se as escamas dos olhos... Está vendo este calo em meu dedo médio da mão direita? É meu diploma de escrevinhador honorário da Criaturada grande de Dalcídio, foi assinalado como tatuagem de escriba com caneta Bic sobre resmas de papel almaço.
Foram rios de tinta e montanhas de papel. Não queria eu escrever um romance, simplesmente, porém o romance da minha vida naquele verde mundo de varjas que passou entre chuvas e esquecimento. Nos começos da estória, o Fim do Mundo, bairrozinho singelo do matadouro na Vilarana - a vila que nem vila era -, inventada da vila Itaguari (Ponta de Pedras, na ilha do Marajó).
Quando me entendi por gente tive logo desavença teológica com minha santa mãe. Ela queria que eu fosse estudar para ser padre católico, eu tinha nem um pingo de vocação. Sobretudo, quando comecei a escutar música na vitrola de uma certa menina que morava pras bandas do campo do Marajoense... Em compensação prometi a minha mãe que eu não iria morrer nunca. Isto quanto quase morri afogado na beira do rio tomando banho...
Haja a rabiscar papel ensaiando sonetos parnasianos e já as primeiras linhas do "Tijuco", o romance. Trabalho de Sísifo. Nunca fui muito longe da terra natal, mas onde fui o palimpsesto foi comigo como uma sombra. Carma, carma mesmo; agora que sei do que estava velha palavra trata de verdade. Agora sei o por quê do interminável romance... Depois do impacto da leitura expedita de Dalcídio, por acaso, foi a vez de descobrir o grande sertão-mundo de Guimarães Rosa... Aí o velho Tijuco do meu carma se tornou desconforme. Um monstro que nem a cobragrande Boiúna! pesadelo recorrente... Chega! Basta-me o tijuco das varjas que ficou na minha alma desde o barro dos começos do mundo... O tijuco pega na vida do mariscador nos manguezais da vida, sobretudo se o cara por acaso tem uma avó tapuia descendente de cinco mil e tantos anos de gapuiação neste vasto mundo de águas grandes.
Foi então, cansado de remar contra a maré; fiz uma canoinha pequena menos pretensiosa do descobrimento do gigantesco Amazonas. Um extrato do beneditino e volumoso Tijuco, agora condenado a não vir a lume ver a luz do dia. A este modesto rebento do pretensioso livro dos aluviões amazônicos, chamei de Tipacoema. Modo de dizer o amanhecer do rio com mare seca segundo a fase da lua. E geralmente quando o Sol e a Lua se encontram no céu equatorial. O escrevi, então, em concurso nacional mas a amável resposta de agradecimento foi, volte na próxima ocasião... Poxa! Eu ainda não sabia que não é fácil ser escritor na periferia da Periferia... Então, eu quis saber o que Dalcídio acharia disto tudo. Não me queixei de nada, apenas mandei uma cópia do Tipacoema e ele guardou e me respondeu paternalmente. Não me desanimou, muito pelo contrário.
Fiquei unicamente com o original. Quando Dalcídio morreu perguntei aos parentes, acharam a cópia do Tipacoema aí? Procurado o filhote do Tijuco, no Rio de Janeiro, não foi mais encontrado. O original foi comigo na mala para Brasília junto com os livros do meu fado que eu carreguei comigo toda vez que mudei de residência (disseram-me um dia, duas mudanças equivale a um incêndio; é verdade). Lá eu conheci o amigo escritor e jornalista de guerra D'Almeida Victor que amavelmente me ouviu falar daquela aventura literária e, certamente, para incentivar o neófito pediu para ler o Tipacoema. Cassiano Nunes, professor de literatura da UnB achou em poemas meus semelhança com o poeta alagoano Jorge de Lima. Confesso que, estando eu desempregado, tais afagos foram para mim como uma boia de náufrago... Sobrevivi, graças sobretudo ao Tijuco onde a criaturada grande de Dalcídio habita.
Porém, nesse ínterim aconteceram a morte de Dalcídio, D'Almeida Victor sofreu enfarte fulminante, e com eles o Tipacoema foi para o além... Cassiano Nunes também se encantou tal qual como ele havia escrito num poema: felizes são os marinheiros que partem sem dizer adeus...
Todo este tempo e eu sem coragem de tocar no assunto na rede. Falta dizer que com o computador aposentei caneta Bic e máquina de escrever: agora está tudo na nuvem e amanhã quanto eu me tornar caruana ou estrela no mundo encantado; meus camaradas vão poder encontrar as minhas estórias nesta rede virtual. Não é porque eu não vou morrer, que estarei aqui em carne e osso para sempre a escrever sem parar... Por acaso, o Faeli Moraes sem querer veio me empurrar para fora da linha de silêncio, de fato: de hoje não passa... Para encerrar, devo dizer que a fada madrinha Soraia Reolan Farias achou a cópia do meu romance ribeirinho no acervo de Dalcídio depositado na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo. A carta resposta do tio Dal está comigo pronta para o museu dos filhos e netas... Muito a agradecer a muitas e muitos amigos desta nossa rede.
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