Maior que o "reino de Portugal' no dizer do padre Antônio Vieira, Marajó, antiga ilha dos Nheengaíbas - falantes da "língua ruim", grupo linguístico de raiz Aruak, por oposição à boa língua geral Nheengatu forjada pelos jesuítas com base no velho Tupi -, está atravessado na boca do maior rio da Terra entre as "ilhas de dentro" (fluviais) e "ilhas de fora" (marítimas) do maior arquipélago fluviomarinho do mundo. As duas mil e tantas ilhas do Marajó, grandes e pequenas, fazem parte da grande área cultural das Guianas, que vai desde o delta-estuário Pará-Amazonas rumo norte até o delta do Orenoco e ilha de Trinidad confundidas. Desta geografia histórica pouco ensinam nas escolas d'aquém e além Oiapoque. A colonialidade de nossas elites explica...
Na Amazônia tudo é superlativo, inclusive a alienação e pobreza da Criaturada grande de Dalcídio (populações tradicionais). Notável território da memória da amazonidade, o Marajó velho de guerra é um grande livro aberto: compêndio vetusto cujo preâmbulo foi escrito pela própria mão da natureza no barro dos começos do mundo. O primeiro capítulo foi escrito por autor anônimo na cerâmica marajoara, com grande antiguidade de uma escrita ideográfica desconhecida pelos brancos e esquecida pelos descendentes das primeiras nações do continente de Amerik ('país do vento' em língua maya; aparentemente a dizer "terra de Ik", deus do ar, donde veio a palavra América)... A arqueologia americana informa: está tudo escrito na terra.
Quando eu falo da ilha do Marajó estou me referindo, principalmente, ao homem antigo que a ocupou desde os começos do povoamento há cerca de 5000 anos até o Diretório dos Índios (1757-1798). A catequese católica a partir das pazes de Mapuá (Breves) e fundação das aldeias de Aricará (Melgaço) e Aricaru (Portel), em 1659, converteu o bárbaro Marajó em "índio cristão" compelido a esquecer a "língua ruim" para falar nheengatu. Assim o índio marajoara desterrado em sua terra foi entregue desarmando a rudes Diretores que, palmatória em punho, o obrigaram a falar português para ser súdito do rei de Portugal. Deste jeito, o 'caboclo' foi tirado do mato e convertido a índio com amnésia. Este mal de Alzheimer colonialmente adquirido.
Mas, apesar de tudo a antiga ilha grande nheengaíba, Analau Yohynkaku dos Aruã, ficou sendo por acaso chão de Dalcídio: desde 1939, em meio aos embates do Fascimos e da II Guera Mundial, quando o índio sutil saído do famigerado Presídio São José, foi se refugiar onde outrora índios bravios, desertores e escravos fugidos resistiram à colonização da ilha pelas patas dos bois e cavalos importados de Cabo Verde. Na antiga aldeia dos sacacas elevada em vila de Salvaterra o território da memória veio à tona e tomou forma de romance Chove nos campos de Cachoeira e Marinatambalo (publicado mais tarde com título de Marajó).
A chuva nos campos é benfazeja, toda natureza canta quando o inverno está pra chegar... A terra negra das queimadas renasce, até o pequenino caranguejo chamado crairu que jazia desidratado pelo sol inclemente, de repente com a primeira chuva ressuscita... Toda avifauna faz cantoria com o coro dos sapos alegres na reverdecida paisagem acenando aos viajantes com suas mais vistosas folhagens. Marinatambalo / Marajó evoca aquele dia distante entre chuvas e esquecimentos, que o cariuá (branco malvado) pôs os pés na ilha dos aruã...
Só em 1500, mais de mil anos depois do primeiro teso de Cultura Marajoara; passado o dia de São Sebastião houve no rio Santa Maria de la Mar Dulce (Uêne dos aruacos, Paraná-Uaçu dos tupis, Marañon dos hispânicos, rio das Amazonas dos portugueses e rio Babel do padre Antônio Vieira), o primeiro contato entre nativos amazônicos e europeus. Uma má recordação afinal de contas. O cronista espanhol Oviedo escreveu que a viagem desastrada de Pinzón pela foz do Amazonas teria sido a provável causa dos ataques de índios do estuário amazônico aos dois bergantins de Orellana, 42 anos depois, do assalto de Marinatambalo e sequestro dos 36 tapuias... Mas, esta notícia histórica ficou trancada a sete chaves nos arquivos da Casa de Índias (Sevilha): dizia ela que o navegador espanhol Vicente Yanez Pinzón, sócio de Cristóvão Colombo, assaltou como um pirata a ilha Marinatambalo [Marajó] donde foram escravizados os primeiros 36 "negros da terra" da América do Sul e levados para o cativeiro da ilha Hispaniola (Haity).
Depois daquele triste e distante dia de fins de janeiro de 1500, a primeira notícia a respeito do "homem do Pacoval" foi datada, por acaso, pelo fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari, Florentino da Silveira Frade, em 20 de Novembro de 1756. Coincidência admirável com o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, que doravante poderia ser considerado também Dia da Cultura Marajoara. Vale lembrar, o forte do Presépio foi levantado por braços da nação Tupinambá e soldados portugueses no ano de 1616, ano da fundação de Belém do Grão-Pará: mas o primeiro curral de gado do Arari teve que esperar até 1680... Depois que mil e tantos arcos e remos do guerreiro Tupinambá juntaram-se a mamelucos façanhudos recrutados no Nordeste sob comando luso para tomar Mariocai (Gurupá) aos holandeses (1623), depois que Pedro Teixeira varou pelos furos de Breves, ida e volta, levado a Quito (Equador) por 1200 tupinambás sob comando do mestre de campo mameluco pernambucano Bento Oliveira (1637/1639): já em 1538 uma enorme migração tupinambá saída de Pernambuco pelos sertões chegou ao Alto Amazonas. Procurando o quê? Acredito eu que a mítica Terra sem Mal onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte... Coincidência ou não o valente tupinambá depois da bandeira de Pedro Teixeira nunca mais foi o mesmo. Desenganou-se da Terra sem Mal? Todavia, sem o mito selvagem não se falaria hoje em Amazônia brasileira...
Na Amazônia tudo é superlativo, inclusive a alienação e pobreza da Criaturada grande de Dalcídio (populações tradicionais). Notável território da memória da amazonidade, o Marajó velho de guerra é um grande livro aberto: compêndio vetusto cujo preâmbulo foi escrito pela própria mão da natureza no barro dos começos do mundo. O primeiro capítulo foi escrito por autor anônimo na cerâmica marajoara, com grande antiguidade de uma escrita ideográfica desconhecida pelos brancos e esquecida pelos descendentes das primeiras nações do continente de Amerik ('país do vento' em língua maya; aparentemente a dizer "terra de Ik", deus do ar, donde veio a palavra América)... A arqueologia americana informa: está tudo escrito na terra.
Quando eu falo da ilha do Marajó estou me referindo, principalmente, ao homem antigo que a ocupou desde os começos do povoamento há cerca de 5000 anos até o Diretório dos Índios (1757-1798). A catequese católica a partir das pazes de Mapuá (Breves) e fundação das aldeias de Aricará (Melgaço) e Aricaru (Portel), em 1659, converteu o bárbaro Marajó em "índio cristão" compelido a esquecer a "língua ruim" para falar nheengatu. Assim o índio marajoara desterrado em sua terra foi entregue desarmando a rudes Diretores que, palmatória em punho, o obrigaram a falar português para ser súdito do rei de Portugal. Deste jeito, o 'caboclo' foi tirado do mato e convertido a índio com amnésia. Este mal de Alzheimer colonialmente adquirido.
Mas, apesar de tudo a antiga ilha grande nheengaíba, Analau Yohynkaku dos Aruã, ficou sendo por acaso chão de Dalcídio: desde 1939, em meio aos embates do Fascimos e da II Guera Mundial, quando o índio sutil saído do famigerado Presídio São José, foi se refugiar onde outrora índios bravios, desertores e escravos fugidos resistiram à colonização da ilha pelas patas dos bois e cavalos importados de Cabo Verde. Na antiga aldeia dos sacacas elevada em vila de Salvaterra o território da memória veio à tona e tomou forma de romance Chove nos campos de Cachoeira e Marinatambalo (publicado mais tarde com título de Marajó).
A chuva nos campos é benfazeja, toda natureza canta quando o inverno está pra chegar... A terra negra das queimadas renasce, até o pequenino caranguejo chamado crairu que jazia desidratado pelo sol inclemente, de repente com a primeira chuva ressuscita... Toda avifauna faz cantoria com o coro dos sapos alegres na reverdecida paisagem acenando aos viajantes com suas mais vistosas folhagens. Marinatambalo / Marajó evoca aquele dia distante entre chuvas e esquecimentos, que o cariuá (branco malvado) pôs os pés na ilha dos aruã...
Depois daquele triste e distante dia de fins de janeiro de 1500, a primeira notícia a respeito do "homem do Pacoval" foi datada, por acaso, pelo fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari, Florentino da Silveira Frade, em 20 de Novembro de 1756. Coincidência admirável com o DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, que doravante poderia ser considerado também Dia da Cultura Marajoara. Vale lembrar, o forte do Presépio foi levantado por braços da nação Tupinambá e soldados portugueses no ano de 1616, ano da fundação de Belém do Grão-Pará: mas o primeiro curral de gado do Arari teve que esperar até 1680... Depois que mil e tantos arcos e remos do guerreiro Tupinambá juntaram-se a mamelucos façanhudos recrutados no Nordeste sob comando luso para tomar Mariocai (Gurupá) aos holandeses (1623), depois que Pedro Teixeira varou pelos furos de Breves, ida e volta, levado a Quito (Equador) por 1200 tupinambás sob comando do mestre de campo mameluco pernambucano Bento Oliveira (1637/1639): já em 1538 uma enorme migração tupinambá saída de Pernambuco pelos sertões chegou ao Alto Amazonas. Procurando o quê? Acredito eu que a mítica Terra sem Mal onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte... Coincidência ou não o valente tupinambá depois da bandeira de Pedro Teixeira nunca mais foi o mesmo. Desenganou-se da Terra sem Mal? Todavia, sem o mito selvagem não se falaria hoje em Amazônia brasileira...
Ora escrevendo isto por que? Porque 2019 corrente foi proclamado pela ONU Ano Internacional das Línguas Indígenas face à urgente necessidade de preservar, revitalizar e promover línguas indígenas ao redor do mundo. Existem atualmente de 6 mil a 7 mil línguas no mundo. Cerca de 97% da população mundial fala apenas 4% dessas línguas, enquanto apenas 3% do mundo fala 96% das línguas restantes. Grande parte dessas línguas, faladas por povos indígenas, continuarão a desaparecer em um ritmo alarmante. Sem medidas apropriadas para abordar esse problema, a contínua perda de línguas e de suas histórias, tradições e memórias reduzirão consideravelmente a riqueza da diversidade linguística no mundo. Segundo estudos especializados, notadamente o linguista Jose Ribamar Bessa Freire na obra já clássica Rio Babel: a história das línguas na Amazônia grande é o número das línguas extintas na região amazônica,
A leitura da paisagem como qualquer outra precisa ser ensinada. Porém quem a ensinará se não houver aprendido? Mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende: escreveu Guimarães Rosa a conversar com burutizeiros pelas veredas do grande sertão de Minas. No romance Passagem dos Inocentes Alfredo segue os passos do avô dele, preto velho Bibiano, pela trilha do igarapé onde o neto observa o avô a se confundir com aqueles troncos de palmeira escuros. Dos miritizeiros o velho tirava o sustento na arte de tecer paneiros de tala de miriti. A natureza, mais uma vez, se transforma pela mão e a consciência humana. Na foto acima a plameira inajá com cacho e croatá a fim de nos lembrar de mil e uma utilidades na vida das populações tradicionais, Criaturada grande de Dalcídio. Lembro a pesca de gapuia onde o croatá servia para esgotar água dos poços na baixa mar, todo grupo reunido em ajuri (aruaque) ou puxirum (tupi) para arranjar o 'de comer'...
A paisagem registra vários aspectos representativos da sociedade. Nesse sentido, o conceito de paisagem amplia-se, na medida em que não se limita a uma divisão geográfica. Ela revela a memoria do território (história, cultura, geografia) na economia de uma qualquer sociedade. Paisagem significa tudo que os sentidos humanos (tato, audição, olfato, visão) podem captar. Tudo que se consegue enxergar é uma paisagem, tudo aquilo que a audição escuta é uma paisagem. Portanto, tudo que o ser humano consegue sentir é uma paisagem. Fechando os olhos ainda neste momento poderá sentir um computador à sua frente, algumas paredes e, se prestar mais atenção, poderá ouvir carros e música lá fora. Você não vê, mas sente a paisagem. Podemos guardar uma paisagem na memória. Por ser tudo que está ao alcance de nossa percepção, a paisagem sempre será uma herança, ela vai fazer parte de nossa memória.
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