quinta-feira, 20 de junho de 2019

Devemos inventar Extensão Ecomuseológica com a cara e a coragem da Criaturada grande de Dalcídio.

FORTE DE GURUPÁ-FOTO:MARSGUO - GURUPÁ - PA

Forte de Santo Antônio de Gurupá - antiga aldeia de Mariocai, lugar de memória da criaturada amazônida onde, no ano de 1623, sob pavilhão da União Ibérica (1580-1640) com as armas prodigiosas de Portugal e da brava nação Tupinambá se iniciou, de fato, o uti possidetis luso-brasileiro que revogou o tratado de Tordesilhas (1494-1750), célebre "Testamento de Adão"; com a conquista do maior arquipélago fluviomarinho da Terra: consequentemente, do delta-estuário do maior rio do mundo, Pará-Amazonas. Resultado da guerra colonial começada em 1615 com a tomada de São Luís do Maranhão aos franceses e continuada na expulsão de holandeses e ingleses na Amazônia. Enfim terminada a guerra de conquista com a Paz do Mapuá entre Nheengaíbas (Marajoaras), Tupinambás e Portugueses do Pará, em 27/08/1659. Primeiro capítulo da história da Amazônia Marajoara dileta filha da terra dos Tapuias.


A memória do território desperta com o canto do galo na primeira manhã de seu ícone o mais conhecido: o premiado romancista Dalcídio Jurandir, cognominado "índio sutil" por seu confrade Jorge Amado no discurso solene de outorga do Prêmio Machado de Assis (1972). Filho de negra e de branco, nascido no bairrozinho do Campinho, numa casa humilde na vila de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó, no dia 10 de janeiro de 1909. 

No lugar onde o maior romancista da Amazônia nasceu, hoje está edificada a Escola de Nível Médio "Ester Mouta". Em sua terra natal o estado construiu também a Escola de Ensino Médio "Dalcídio Jurandir", enquanto já se levantam expectativas da Universidade do Estado do Pará (UEPA) vir a oficializar o campus "Dalcídio Jurandir" de Ponta de Pedras, e na cidade que ele adotou, Cachoeira do Arari; a Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), em 2010, tombou a residência onde o escritor viveu sua infância, parte do projeto de reconstrução do Chalé imortalizado no romanceiro por acaso iniciado em Gurupá: começo e fim da odisseia de Alfredo...

Em 1929, jovem Dalcídio Jurandir contava, aproximadamente, vinte anos de idade quando exerceu cargo de secretário municipal de Gurupá por nomeação do interventor estadual no dito município, dr. Rainero Maroja. Terminada a intervenção, Dalcídio ainda se deixou ficar em Gurupá e foi ensinar a ler e escrever aos filhos de um dono de seringal no rio Baquiá. Hoje a área territorial faz parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS Itatupã-Baquiá). Lugar de memória das primeiras imaginações e rascunhos do romance seminal Chove nos campos de Cachoeira, refeito dez anos depois na vila de Salvaterra, enquanto Dalcídio recém saído do presídio fascista em Belém retomava seu trabalho de inspetor da instrução pública, no município de Soure ao qual a vila de Salvaterra estava subordinada. 

O escritor diria que do rascunho de Gurupá (1929), que ele carregava como fado; quase nada conservou na elaboração final, em Salvaterra (1939). De fato, se pode dizer que Alfredo (alter ego de Dalcídio) veio à luz entre chuvas e cismas na antiga aldeia dos indígenas Sacacas, após dez anos de gestação, fecundado talvez pelos caruanas das águas do rio Baquiá... Em compensação, a saga de Alfredo iniciada nos vagares da Ilha Grande de Gurupá entre ruínas da belle époque da Borracha; havia, por certo, que terminar em Ribanceira

Sugestão amável do Dia de Alfredo como Ulisses marajoara, inspirado em James Joyce, ao longo de nove romances do ciclo Extremo Norte. Em Salvaterra ainda, o "índio sutil" escreveu Marinatambalo (publicado com título de Marajó), no qual Vicente Salles surpreendeu no papel da infeliz Orminda o velho romanço ibérico Dona Silvana e o nascimento do primeiro romance sociológico brasileiro. O inovador romancista da Amazônia ainda iria surpreender também no extremo Sul, com Linha do Parque, o primeiro romance proletário do antigo Pindorama...

Ora, estou eu a dar voltas, que nem o personagem da Odisseia! Tudo isto é interessante, sem dúvida alguma; mas sem a existência e resistência da Criaturada grande de Dalcídio nossa história seria outra...Ou, como escreveu o padre Antônio Vieira, sem a amizade e lealdade dos famigerados Nheengaíbas o Pará poderia ser de qualquer potência estrangeira que quisesse se apossar da região amazônica. Passados mais de 400 anos da invenção da Amazônia, as invasões de território já não se fazem mais como antigamente, porém por meios mais sutis. 

Esta gente estúrdia já estava aqui há coisa de 5 mil anos atrás! Ela foi capaz de inventar a palafita e os aterros da ancestral Cultura Marajoara há 1.500 anos...  A criaturada estava lá, em 1498, quando Duarte Pacheco Pereira veio ao Pará em viagem secreta e em 1500, antes de Pedro Álvares Cabral "descobrir" o Brasil; quando Pinzón apareceu de repente e atacou a ilha Marinatambalo (Marajó) levando 36 "negros da terra" (escravos indígenas) para a ilha Hispaniola (Haiti), no Caribe. Quarenta e dois anos depois, os dois bergantins de Orellana, vindos da Amazônia equatoriana ao azar, passaram pelas Ilhas debaixo de uma nuvem de flechas para sair ao Mar para ir inventar a lenda das mulheres amazonas na Amazônia... Se já não fosse a estória terrível das índias ocidentais, ainda teria mais esta. E assim o mito colonial pode mais que a realidade da terra e da gente nativa.  

Foram os prelúdios do genocídio do rio Babel (Amazonas) de que fala o professor José Ribamar Bessa Freire. Em fins do século XVI começaram a frequentar as costas do Amapá e a subir o Xingu e o Baixo Amazonas mercadores holandeses, irlandeses e ingleses. Enfim, o Grão-Pará (Amazônia portuguesa) acabou de ser conquistado, escreveu o padre Antônio Vieira ao rei Afonso VI na regência de Dona Luísa de Gusmão, em carta datada de 29/11/1659 e publicada em Lisboa em 11/02/1660; com as pazes dos Nheengaíbas (27/08/1659). Este documento precário não está entre os mais famosos escritos do 'imperador da língua portuguesa', segundo o poeta Fernando Pessoa; profeta do Quinto Império do mundo.

A carta das pazes dos Nheengaíbas, entretanto, passando pela crítica da colonização revela copiosa informação sobre os famigerados "falantes da língua ruim" (nheengaíba) sob a utopia evangelizadora do "payaçu" dos índios. Frequentemente, estudantes e professores de história esquecem que estamos lidando com o cenário colonial do século XVII - primeiro século da invenção da Amazônia! Até aí a crônica colonial registra uma brecha por onde o olhar do velho mundo penetra um novo mundo, mais imaginado que de fato; sobre o "Homem amazônico", que seria visto como "Homo sapiens var. Tapuya", por Alexandre Rodrigues Ferreira, na célebre Viagem Philosophica (1783-1792). Da massagada amazônica Dalcídio Jurandir tirou a massa fina do beiju de seus romances e a ficção faz história.


Posto que devemos ter em mente o território milenar dos aruacos, Tapuya tetama (terra Tapuia) conquistada pela nação Tupinambá em busca da mítica Terra sem Mal - lugar sagrado onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte -; chamada Pará-Uaçu ("grande mar") pelos conquistadores, traduzida em língua portuguesa como Grão-Pará e colonizada pelo Reino de Portugal desde 1615 até 1823. 

Nosso ancestral território ecocultural cuja ideia moderna corresponderia perfeitamente, talvez, ao modelo de museu a céu aberto o mais interessante do século XXI. E que museu, então! Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó, futura Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia; não fossem as oligarquias da região tão lamentáveis... Um singular território que é espaço do dia a dia de meio milhão de cabocos ribeirinhos, todo memorizável pelo arco de muitas gerações desde tempos imemoriais. Os bens culturais do patrimônio marajoara deveriam permanecer no local de origem, mas infelizmente é incalculável o tanto que se perdeu com a colonização e se esqueceu desde a o genocídio dos cabanos - 40 mil mortos numa população de 100 mil habitantes -, entre 1835 e 1840. 

Então, que a moderna ecomuseologia ajude esta gente a resgatar o espírito da Paz de Mapuá levando-a a declarar o Rio dos Mapuá, na Reserva Extrativista Mapuá, Monumento Natural de relevante interesse etno-histórico. Deste modo, um importante elemento de conservação socioambiental in situ  em socorro da Criaturada grande de Dalcídio; concretude de seu justo desejo de recuperar, tanto quanto possível, a Cerâmica Marajoara pré-colombiana evadida da ilha do Marajó. Revitalização da luta em defesa do patrimônio cultural marajoara tão fragilizada pelo analfabetismo e porque não criam raízes nas camadas populares enganadas e exploradas. Para a ecomuseologia que a gente carece, todavia, o modo de vida das comunidades, o saber adquirido, os objetos, edificações, as práticas tradicionais, usos e costumes, devem ser preservados a todo transe. Mas, não bastam os aspectos culturais para uma extensão educadora e ecomuseológica eficiente. A criaturada grande carece da conservação ambiental com os bichos e as plantas nativas do território de maneira econômica, social e ecológica sustentável. 

Foi Isto que o criador do conceito de ecomuseu, o francês Georges-Henri Rivière ensinou e seu sucessor Hugues de Varine propaga a respeito dos chamados territórios de memória tais como o que vimos de descrever acima. A população é essencial, segundo Rivière, suas ações colocam a comunidade em contato direto com sua história, sua cultura, seu meio ambiente, e sua identidade, desencadeando um processo de valorização do patrimônio cultural e natural. A utopia do "bon sauvage" Tupinambá, que desapareceu aparentemente na jornada de Pedro Teixeira a Quito (1637-1639); não se poderia materializar ao por do sol no espaço plano, todavia através da espiral evolutiva impulsionada pela Ciência e Tecnologia à luz dos Direitos Humanos universais a utopia de Rivière, sim, poderá mobilizar um milhão de aldeias, pouco a pouco, a se aproximar da yby marãey dos profetas caraíbas ou pajés-açus.


Pois, é disto que se trata, quando nós falamos da Criaturada grande de Dalcídio, metaforicamente distribuída nos dez volumes do ciclo Extremo Norte, surdida de um caroço de tucumã (fruto do Astrocaryum vulgare) onde o mito da primeira noite do mundo se ocultava no fundo do rio.



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