quinta-feira, 23 de julho de 2020

Alma ancestral marajoara: Analau Yohynkaku, Marinatambalo e o meu tataravô cacique Guaianá.

Monumento a Hatuey en Baracoa Fotografía de stock - Alamy
monumento em memória do cacique taino Hatuey,
em Yara, Cuba.



A dom Angelo Rivatto S.J. in memoriam, gratidão
pela dica sobre o Acordo de Paz dos Nheengaíbas,
vilar Antônio Vieira, Ponta de Pedras, 25/07/1995.

Tributo ao  artista  plástico  Ismaelino Ferreira,
cuja lembrança me leva a imaginá-lo escultor ideal 
para talhar estátua do cacique Guaianá, tal qual 
em Cuba a estátua memorial do rebelde taino Hatuey.






No Marajó da minha avó tapuia, a gente carece ter em mente três coisas fundamentais para libertação decolonial

(1) a alma ancestral marajoara - inconsciente coletivo da Criaturada grande de Dalcídio -. com sua antiguidade guia a ecocivilização amazônida no trópico úmido... Nossos antepassados, em contínua relação dialética com a natureza interior e exterior, sempre a dialogar com o grande rio e o mar profundo -, criaram a primeira cultura complexa da Amazônia, no ano 400 da era cristã segundo a arqueóloga brasileira Denise Schaan: portanto, após 5.000 anos de pré-história nas terras baixas da América do Sol; a Cultura Marajoara tem mais de 1.500 anos de história; 

(2) como resultado do "descobrimento da América" (12/10/1492), Espanha e Portugal entraram em pé de guerra e para evitar o pior dividiram o mundo "achado e por achar" entre os dois reinos ibéricos através de um meridiano 370 léguas a oeste de Cabo Verde (tratado de Tordesilhas, 1494-1777)... A linha de Tordesilhas, passando supostamente sobre Belém do Pará e Laguna (SC), deixaria de fato a margem oriental da baia do Marajó a Portugal e o lado ocidental no domínio da Espanha - fato que explica porque Pinzón não "descobriu" o Brasil e tendo ele "achado" a foz do rio das Amazonas e assaltado a ilha Marinatamalo (Marajó), manteve sua viagem em segredo. Pelo lado português, no entanto, o cartógrafo real Duarte Pacheco Pereira foi mandado 'achar' o Pará, no ano de 1498, a fim de fazer observações astronômicas permitindo aos portugueses "descobrir" o Brasil e o segredo das navegações para as Índias sem contestação por parte de Castela... 

(3) por aqueles tempos remotos, em busca da mítica Yby Marãey (Terra sem mal) - paraíso terreno onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte -, já a nação Tupinambá havia conquistado a Tapuya tetama (terra Tapuia), que veio a se chamar na historiografia colonial Maranhão e Grão-Pará, ou a Amazônia portuguesa.


Três meses antes do "descobrimento" do Brasil, o piloto de Cristóvão Colombo, Vicente Yañez Pinzón, viajou ao Nordeste brasileiro, desembarcou no Ceará e prosseguiu para o Norte, quando ele achou a foz do rio Santa María de la Mar Dulce (Amazonas) tendo, então, assaltado uma aldeia na ilha Marinatambalo (Marajó) donde capturou 36 indígenas levados como "negros da terra" (escravos) para o cativeiro da ilha Hispaniola (Haiti e República Dominicana): em Yara (Cuba), 1512, o cacique Hatuey (cf. "Brevíssima Relação da Destruição das Índias", de frei Bartolomeu de Las Casas) foi queimado vivo em cruel vingança dos cristãos por ele ter se rebelado contra a escravidão do povo Taino (Aruak).


Com a morte de Hatuey, o cacique Guamá assumiu o comando da guerrilha na ilha de Cuba. Enquanto em Hispaniola, onde a rebelião contra os conquistadores começou; um outro cacique taino se levantou contra o regime de encomienda. Desta feita, a revolta na colônia foi liderada pelo cacique Guarocuya, dito Enriquillo, que recebeu educação no convento dos frades dominicanos. A luta na ilha do Haiti sob comando de Guarocuya durou de 1519 a 1533, conforme a crônica de Las Casas.

Qual a sorte dos 36 "negros da terra" levados da ilha Marinatambalo (Analau Yohynkaku / Marajó) para a ilha Hayty / Hispaniola? Hoje, Enriquillo é lembrado como herói nacional da República Dominicana e tem um dia consagrado a ele, o 27 de setembro, chamado de Dia do Herói de Bahoruco. Seu nome é cantado em todo Caribe como grande cacique que dobrou os espanhóis e seu exemplo é sendero de muitas batalhas. Afinal, a luta dos povos originários segue em todo o continente, visto que a garantia de liberdade e território ainda não se cumpriu.

Desde o assalto escravagista ibérico a Marinatambalo, não se falou mais nada a respeito dos 36 negros da terra sequestrados na boca do Amazonas... Quando a historia escrita ou falada cala, poetas e romancistas são convocados a re-inventar a realidade... Os exemplos são diversos! Porém, em Marinatambalo-Marajó, com exceção do índio sutil Dalcídio Jurandir, os mais índios ou negros da terra ainda não se deram conta...

Todavia, há evidências que não querem calar. Como, por exemplo, o nome Guamã ou Guamá... Guamá foi nome do cacique dos Aruãs e Mexianas, que no ano de 1723, assaltava aldeias de "índios mansos" (escravos) dos portugueses. Guamá lutava ainda, 64 anos após as pazes de Mapuá; contra os coloniadores portugueses e os tupinambás aliados a estes no início e, no fim, escravizados pelo sistema colonial que o Cacique Piié dos Mapuá denunciou e o padre Antônio Vieira colocou em tinta e papel...

528 anos depois da chegada de Cristóvão Colombo, vivemos uma terrível pandemia como nunca dantes a par de profunda crise civilizacional sem precedentes. Decolonizar é preciso. Os "índios" do engano cartográfico de Colombo ainda lutam e resistem ao genocídio inominável denunciado pelo dominicano Bartolomeu de Las Casas e que, na Amazônia colonial portuguesa, teve seguidor na pessoa singular do padre grande dos índios, Antonio Viera.

Aos descendentes dos "nheengaíbas" (Nuaruaques) o payaçu deixou, como se testamento fosse, a Carta ao Rei Dom Alfonso VI datada de 29/11/1659 e publicada em 11/02/1660 na qual, entre notícias da missão dos Jesuítas no Ceará, Maranhão  e Grão-Pará, informa a respeito do sucesso para evitar a "guerra justa" - eufemismo da época para extinção e cativeiro de "tribos" rebeldes ao Rei e ao Papa -, contra as nações chamadas Nhengaíbas (falantes da "língua ruim" Aruak) por seus inimigos. 

Antônio Vieira foi expulso do Pará com seus irmãos jesuítas em 1660, para ser processado e preso pelo tribunal do Santo Ofício acusado de "heresia judaizante" (hipótese judaica segundo a qual os "índios" seriam descendentes de judeus das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia). Vieira chamou de rio Babel ao rio Amazonas devido a diversidade de culturas e línguas da nascente Amazônia... Daquelas claudicantes pazes de 1659, restaram até hoje Melgaço (Aricará), o pior IDH do Brasil; e Portel (Arucará)... 

Na carta ao rei sobre a pacificação da ilha dos Nheengaíbas (Marajó), Vieira relacionou a "nação" dos Guaianases [Guaianá] como uma das mais nações nheengaíbas presentes onde hoje está a Reserva Extrativista de Mapuá... Anos depois fontes jesuíticas registram existência de índios "guaianases" no hoje território de Portel... O cacique Arucará, que deu nome à aldeia criada por Vieira com nheengaíbas levados de Mapuá, seria por acaso de etnia guiaianá?

Em 1757, deu-se a segunda expulsão dos Jesuítas do Pará desta feita em conflito com a ditadura do Marquês de Pombal. No levantamento para expropriação das fazendas, gados e escravos vê-se o nome das fazendas São Francisco (fazenda Malato, mais tarde), São Braz (atualmente comunidades do rio Fortaleza) e Nossa Senhora do Rosário (fazenda Rosário) todas na bacia hidrográfica do rio Marajó-Açu. Nas terras da fazenda São Francisco, doada ao contemplado sargento-mor (major) Domingos Pereira de Moraes, haviam sido fundadas pelos padres da Companhia de Jesus, em 1680, a aldeia missionária das Mangabeiras (hoje a vila de Mangabeira), com índios trazidos de Munguba e Gebiré (aldeias de Barcarena) a meia légua acima da aldeia nativa dos índios "Guaianazes" (cf. "Notícia História da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" 1783, de Alexandres Rodrigues Ferreira).  Sob ordens de Pombal, no ano de 1758, a aldeia dos Guaianá foi obrigada a esquecer sua própria história, passando a se chamar Lugar de Vilar; assim como a aldeia das Mangabeiras, que passou a lugar de Ponta de Pedras...

os lugares de Vilar e Ponta de Pedras fundiram-se na vila de Mangabeira, enquanto a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras foi mudada para o Itaguari... O antigo Vilar se tornaria povoado do Pau Grande, enfim agrovila de Antônio Vieira: onde por acaso ouvi missa no dia do agricultur; Dia de Santiago, em Espanha; 25 de Julho, quando Dom Angelo sem saber deu-me a pista para esta história...

Roteiros... Roteiros... Roteiros... 





quarta-feira, 8 de julho de 2020

DAS PEDRAS QUE SOMOS CONSTRUIREMOS A CIDADE SOLIDÁRIA QUE PRECISAMOS.

Blog de Teste do Job1010: Janeiro 2014
Itaguari, "ponta de pedras" em língua-geral ou nheengatu: lugar onde o Marajó começa.





" Bem vindos e vejam que as pedras que somos não estão de ponta, mas ligadas entre si " (Madre Dias).

Ponta de Pedras: uma cidadezinha linda no Pará que pouco se ouve ...
Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras. 
sem o famoso dístico com a metáfora das pedras.
 

 LENDA ANTIGA DOS PASSEIOS DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA VILA DE PONTA DE PEDRAS PARA PRAIA DA MANGABEIRA.

Imagem de Nossa Senhora Conceição - Compre já! Quinta Dellarte

Reza a lenda que, antigamente, em certas noites de lua o pessoal do Campinho via passar um vulto branco pelo caminho de Belém atravessando estivas sobre o igarapé Dixiú rumo à estrada velha da Mangabeira. Era, paresque, Nossa Senhora da Conceição que saia de seu altar na igreja da vila de Ponta de Pedras com saudades da simples capela de pau a pique coberta de palhas, que nem as casas antigas dos índios que existiram na aldeia das Mangabeiras; donde a imagem santa foi levada para Itaguari na mudança da freguesia.

Ao raiar do dia, o sacristão ia abrir a igreja e, então, podia ver grãos de areia da praia sobre o altar e a barra do manto sagrado ainda molhada de orvalho das plantas da beira do caminho. Embora não haja registro de culto afrobrasileiro no município a presença africana é inegável no Marajó inteiro, inclusive Ponta de Pedras tendo algum dia distante escravos indigenas e negros a trabalhar em engenhos e fazendas de gado. O dia 8 de dezembro consagrado à Nossa Senhora da Conceição no calendário católico coincide com a festa de Mamãe Oxum, conhecida como a deusa do amor, orixá das águas. Na umbanda e candomblé Oxum é aquela divindade femenina que mantém em equilíbrio as emoções da fecundidade e da natureza. Ela é mãe gentil dos povos antigos e novos, quem renova energias e intercede pelos seres humanos em todas as situações. No sudeste brasileiro a deusa mãe para os católicos é venerada como Nossa Senhora Aparecida, dita também Nossa Senhora do Brasil. Em tempos de ecumenismo e diálogo inter-religioso era de diversidade cultural, pouco a pouco, vem sendo removidos obstáculos que outrara impediam o bem viver entre todas e todos irmãos da grande família humana.

Nós podemos interpretar a lenda dos passeios da Santa concebida como expressão de desacordo entre as antigas comunidades da Mangabeira, baseadas na pesca ao largo e cultivo de roças de mandioca; e no Itaguari voltadas ao plantio de cana de açúcar e na vida nas fazendas. Mais tarde, com a instalação da Prelazia e o trabalho pastoral tais resquícios coloniais de desarmonia, provavelmente, motivaram Madre Dias a expressar votos de fraternidade e bem viver, como atualmente se lê na fachada da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras.

Ela  era uma religiosa que serviu como missionária na Prelazia de Ponta de Pedras. Não me lembro grandes coisas a seu respeito. Eu era arredio e uma vez madre Dias me abordou para perguntar o motivo pelo qual ela me via afastado a observar o movimento da praça. Dei-lhe uma resposta cortês, mas não a ponto de estimular a conversa. Àquele tempo eu ainda não era, porém já me haviam dado fama de comunista apenas pelo fato de meu tio ser conhecido militante do PCB... Hoje não há consenso se o nome dela era Ovídia ou Olvídia: acho que a batizaram Olvídia, nome raro derivado da palavra "olvido" (esquecimento), por estranho talvez as pessoas do povo a chamaram de Ovídia feminino de Ovídio, referência ao dr. Ovídio Santos, que era casado com a minha professora Alda Natália, engenheiro mecânico formado no Rio de Janeiro e dono da serraria do Fim do Mundo, famosa pela caldeira a vapor e a sirene das seis horas da tarde. Quando os trabalhadores voltavam da faxina para suas casas.

Ao apito da Serraria ecoando nos quatro cantos da cidadezinha entre a beira do rio grande e a mata do Arapiná, as mães tiravam os filhos da rua para borda do poço a tomar banho de água fria. No verão, poeira e pólem de capim barba-de-bode causavam epidemia de dor-de-olhos à pirralhada... Depois do banho, as senhoras da boca da noite pegavam suas crias inquietas pra tirar remela e pingar um tal colírio "Vitriolho" que era que nem gás de pimenta pra arder os olhos... Ouvia-se longe a gritaria dos pequenos duma esquina a outra. 

Mamãe era muito carola de igreja, ela queria que eu fosse para o seminário estudar pra ser padre. Eu era jito, com uns seis anos de idade, mas já desconfiava que vida de padre não era pra mim. Ao ouvir o apito da serraria do dr. Ovídio; mamãe obrigava eu e minha irmã a nos ajoelhar diante da grande estampa do Sagrado Coração de Jesus entronizado em nossa casa modesta, e rezar ave Maria. Eu rezava a galope pensando voltar para o jogo de bola na rua descalça. Depois da reza, banho e janta... Adeus fuzarca! Todos os dias era aquela estúrdia penitência, caminho certo para o herege em construção.., Noves fora no domingo e dias santos que a serraria não apitava e o dr. Ovídio não acendia a fornalha da caldeira. Então, havia aula reforçada de catecismo na igreja matriz e a serraria ficava de fogo morto até segunda-feira. Então, era vez do sino preencher o vazio do tempo... Todavia, o Relógio da Igreja reinava sobre o tempo da vila dia e noite, fizesse sol ou chovesse, maré no rio enchesse ou vazasse.

O certo desta história é que Madre Dias ficou na memória da gente, em virtude da frase emblemática que ela deixou de herança na cidade como lembrança de seu desejo maternal e missão na Prelazia e as autoridades eclesiásticas emplacaram no frontespício da centenária igreja paroquial. Acredita-se que a igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras foi levantada cerca de 1737. Quem foi o arquiteto e os operários? Não sei... Pelo tempo, é provável que os pedreiros tenham sido escravos dos senhores interessados na construção do templo da mãe de Jesus de Nazaré. 

Dizem que a construção em pedra e cal da igreja matriz em Itaguari fez parte de estratégia para mudança da freguesia da antiga aldeia das Mangabeiras (vila de Mangabeira hoje), supostamente por dificuldade de porto para canoas na praia. Por certo, no contexto da mudança da aldeia das Mangabeiras (criada pelo padres jesuítas, em 1686, aproximadamente) para a vila de Itaguari (antes de 1737), "as pedras que somos" já estavam de "ponta" umas com as outras... 

Mais que a falta de porto, a pesca na baía certamente seria insuficiente para sustento da população crescente. O Itaguari, na margem esquerda do rio Marajó-Açu, abriu as portas para a indústria de açúcar e aguardente. Varjas do rio Armazém deram roças de cana para o primeiro engenho (Leiam a obra memorialística "Nas Margens do Marajó-Açu", de Bernardino Ferreira dos Santos Filho). O autor era conhecido pelos seus conteporâneos, pelo apelido de "Bernardes", para o diferenciar do pai, capitão Bernardino Ferreira dos Santos, emigrante português e patriarca de uma das tradicionais famílias pontapedrenses.

O padre jesuíta italiano Guido Fossatti foi o último pároco subordinado à Arquidiocese de Belém, ele recebeu a paróquia quase acéfala, padres vinham de Belém apenas para festas do calendário religoso, precisando o devoto sr. Manuel Vilar ir à cidade grande pedir vigário ao arcebispo. Padre Guido fixou residência permanente e construiu em mutirão com a comunidade a Casa Paroquial animada por jovens paroquianos. Quando circulou a notícia de que seria criada a Prelazia de Ponta de Pedras, o povo pensava que padre Guido seria nomeado bispo, mas o padre Angelo Rivatto da Capela de Lourdes, em Belèm, foi anuciado como bispo da segunda prelazia na ilha do Marajó. Guido permaneceu como vigário por algum tempo e depois foi mandado assumir a paróquia de São Sebastião da Boa Vista... Não faltaram fofocas a respeito da vinda da missionária italiana leiga Nella Ramella, ostensivamente apoiada pelo bispo e hostilizada pelos padres em geral: falavam à boca pequena que a então jovem e bela italiana nutria paixão pelo bispo com pinta de galã de cinema. Com o tempo, Nella adquiriu nacionalidade brasileira, tornou-se mãe adotiva de trigêmios órfãos e ficou sendo uma ardorosa pontapedrense, braço direito de Dom Ãngelo na experiência social mais arrojada e controversa da igreja particular marajoara, desde suas origens no século XVII, com a pacificação dos Nheengaíbas: as Cooperativas da Prelazia de Ponta de Pedras, de nítida inspiração kibtziana, que o povinho por ignorância e a oligarquia por inveja, chamavam de "cooperativa da Nella". Acusada de praticar um tipo de operação Robin Wood - inclusive pelo padre Giovanni Gallo, no livro autobiográfico "O Homem que implodiu" -, Nella Ramella, em verdade, deu contribuição extraordinária e criou raízes duradouras na comunidade carente atendida pela Casa da Fraternidade.

Não estou dizendo que Dom Angelo e Nella não cometeram erros, sobretudo de ordem econônica na condução dos negócios da prelazia e depois diocese poderiam ter sido criticados e afastados por seus superiores hierárquicos. Mas, aparentemente não foram ou se foram não transpareceu para o público... O primeiro bispo de Ponta de Pedras era forte admirador do padre grande dos índios, Antônio Vieira; para alguns observadores da história da igreja católica na América Latina, a utopia evangelizadora do padre Antônio Vieira profetizou aquilo que viria ser conhecido como Teologia da Libertação no contexto histórico da Guerra Fria e do Concílio Vaticano II. Em certo momento de ânimos acirrados em Ponta de Pedras, quando políticos de ponta entre si tocaram fogo no velho Palácio Municipal construído, em 1938, por Mestre Cândido Cerdeira, na gestão do major Djalma da Costa Machado; velhas tensões acumuladas durante muito tempo vieram à tona e se inflamara.

Este breve texto é um convite a pesquisadores. Não devemos estudar somente casos de insucesso, mas também as causas de insucesso a fim de que a história na venha a se repetir como farsa. 

Como seu título de "madre" indica ela foi irmã superiora de sua época na prelazia. Recordo que o bispo prelado, depois diocesano; tinha forte personalidade, quase imperial; em um momento histórico do catolicismo quando os ventos do Concílio Vaticano II, não sem encontrar resistências conservadoras na igreja de Roma, arejava a abafada igreja católica ainda presa às contradições da época colonial. Note-se que já existia a Prelazia do Marajó, com sua sede em Soure, e província em Salvaterra, Chaves, Afuá, Breves, Portel, Melgaço, Bagre. Gurupá já fazia parte da Prelazia do Xingu, talvez. A criação da Prelazia de Ponta de Pedras, deu-se portanto num contexto histórico do papa camponês João XXIII; no auge da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, com reflexos tensos na América Latina com a revolução comunista em Cuba e ditaduras anticomunistas na Argentina. Brasil, Chile, Uruguai e outros países latino-americanos menos importantes para a geopolítica global.

A pacata Ponta de Pedras havia até a Prelazia, em 1961, um histórico de ausência de padres, com certas exceções. Minha avó Sophia lembrava o padre Navegantes... Minha mãe falava do padre Eurico, acho que foi frade mercedário alemão no tempo da II Guerra Mundial. Este sofreu suspeitas e saiu "corrido" depois de agressão por parte de notáveis católicos ouvintes da poderosa rádio A Voz da América nos poucos aparelhos que existiam em Itaguari...



Para os pacatos ponta-pedrenses devotos dos santos a súbita chegada do bispo dom Angelo Maria Rivatto S.J. foi acontecimento sem precedentes, até porque se tratava do primeiro bispo local, seis paróquias antes subordinadas à Arquidiocese de Belém: Ponta de Pedras, Cachoeira do Arari, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho e Santa Cruz do Arari. Na correspondência entre Dalcidio Jurandir e Maria de Belém Menezes ficamos sabendo a forte impressão que o padre Gallo causou ao autor de Chove nos campos de Cachoeira e como este saudou com entusiasmo as cooperativas do bispo de Ponta de Pedras.